Há um exercício de cretinice no Brasil que transforma tudo em política, sempre usando rótulos pretensamente odiosos e aproveitando um perfil mais popular de uma plateia facilmente fisgada por argumentações rasas.
O exemplo da seleção brasileira de futebol com a Copa América é bom para demonstrar.
A CBF passava por um problema interno com uma acusação gravíssima contra seu presidente.
O acusado, resolveu tentar usar o governo Federal como muleta para garantir a realização de uma competição internacional no Brasil e ganhar poder interno.
Vinte dos vinte e três atletas brasileiros jogam na Europa e iriam entrar de férias esta semana.
Ficaram sabendo pela imprensa que a Copa América aconteceria no Brasil, faltando uma semana pra competição. Souberam também que seriam obrigados a jogar, apesar de estarem com férias marcadas.
O problema envolve logística, planejamento, relação trabalhista e uma acusação de assédio sexual na gestão da CBF.
Nunca envolveu ser "bolsonarista ou comunista".
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Os jogadores e comissão técnica, percebendo que estavam sendo usados pelo então presidente da CBF, colocaram-se contra a manobra e ameaçaram não jogar.
Imediatamente, o técnico passou a ser chamado de "comunista" e virou "puxa saco de Lula". Os jogadores, nas redes sociais, foram acusados de serem contra Bolsonaro e "a favor do comunismo".
Mas, a cretinice é apartidária e extremamente contagiosa. Logo, o outro lado também começou a tentar usar os jogadores.
Políticos de esquerda e até jogadores aposentados entraram no coro e passaram a pressionar os atletas para que assumissem que eram contrários ao torneio. Fizeram parecer que estava havendo uma "revolução" e que os jogadores iriam subverter a ordem e marcar posição contra o presidente Bolsonaro, por causa da pandemia.
Relator da CPI da covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) chegou a enviar carta para os jogadores reforçando que eles não deveriam jogar.
Resultado do espetáculo: a CBF afastou o presidente da entidade, resolveu o problema interno que perturbou os jogadores e eles decidiram jogar a competição, normalmente.
Estamos chegando a um nível de cretinice em que atitudes que nada têm a ver com política adquirem significado político.
Tudo é expressão de esquerda ou de direita. Tudo o que você faz o transforma em bolsonarista ou comunista, pejorativamente.
É uma redução ridícula do comportamento social a uma polarização cretina da política brasileira.
Em breve perderemos a noção geral sobre o que é "certo" ou "errado", se é que já não perdemos. Haverá o que "eu concordo" e o que "eu não concordo" de acordo com minha posição política.
É errado xingar? Depende de quem é xingado. É errado matar? Depende de quem morreu. Ser livre será bom dependendo de quem se liberta? Ser preso será correto, dependendo de quem prendeu?
O futuro está sendo escrito nesses pequenos episódios, como o da seleção brasileira. E é terrível.