A eleição de 2022 caminha para se transformar numa disputa de ódios. Não será sobre quem é o melhor para governar o Brasil, mas sobre quem os eleitores estão dispostos a odiar durante uma campanha.
O "nós contra eles" será a plataforma de Lula (PT) e de Bolsonaro (sem partido). E não adianta culpá-los. Mesmo a terceira via, para ser viável, precisa explorar essa influência dicotômica na cultura.
Sem vilões, os heróis são desnecessários e quem aponta o vilão, torna-se herói. Num discurso, em janeiro de 2000, George W. Bush dizia: "Quando eu estava crescendo, o mundo era perigoso e sabíamos onde o perigo estava. Hoje não sabemos onde está o perigo, mas ele está lá". A frase parece sem sentido, mas é o retrato fiel dessa necessidade de criar inimigos para poder existir.
Os EUA passaram décadas vivendo politicamente de uma briga com a URSS. Quando os comunistas "deixaram de estar lá", americanos ficaram perdidos. O período tem até denominação, chamam de "o mal estar geral".
Na época, o professor Vamik Volkan, da Sociedade Internacional de Psicologia Política, chegou a escrever um livro sobre o assunto: "A necessidade de ter inimigos e aliados".
No Brasil, sem dinheiro para grandes guerras, o embate tende a acontecer nas plataformas de mensagens e nas redes sociais.
O "nós contra eles" sustentou as campanhas do PT contra o PSDB por 20 anos. O inimigo agora é o presidente.
Essa falsa dicotomia também sustentou a campanha de Bolsonaro em 2018 e dá base ao seu discurso até hoje.
O bolsonarismo é, na verdade, uma construção em que foram utilizados valores apresentados como conservadores. Mas que são, na verdade, um cozido de religião e falso moralismo, temperado com nacionalismo emocional.
Nesse "nós contra eles", quem não é bolsonarista, é contra o país, corrupto e, portanto, "comunista".
Não tem lógica. E esse é o objetivo. Quanto menos se puder explicar, melhor o absurdo se mantém.
O problema, de 2014 pra cá, é que se antes o país mergulhava nessas guerras dicotômicas apenas uma vez a cada quatro anos e elas duravam algumas semanas durante uma campanha eleitoral, agora ela é permanente.
Há um claro esgotamento gerado pelo interesse excessivo na dicotomia, caminhando para um processo de adoecimento geral da sociedade.
Em resumo: ninguém aguenta mais.
E tem muita estrada até 2022.
Se a eleição realmente se confirmar como uma polarização de ódios, o resultado social pode ir da apatia à revolta generalizada. E as duas opções são devastadoras para o futuro.
A propósito, "Nós contra eles" é um dos capítulos de um livro de Francis Wheen, chamado "Como a picaretagem conquistou o mundo".
Só o título já resume bem nossa situação.