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Cena Política

Por Igor Maciel
Cena Política

Pesquisa no Recife mostra que o eleitor não tem ideia do que é o centro, mas sabe definir a esquerda e a direita

As entrevistas foram feitas na capital pernambucana e mostram um perfil do eleitor na região. Todos estão cansados da polarização, mas não enxergam alternativa.

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Igor Maciel

Publicado em 30/04/2022 às 0:00
Última pesquisa do instituto Datafolha mostrou Lula com 18 pontos de vantagem sobre Bolsonaro - NELSON ALMEIDA/AFP E ALAN SANTOS/PR

Há uma história que este colunista já ouviu muito quando criança, sobre um sujeito apelidado de "cinza". Dizem que ele não sabia o que queria, que ele nunca escolhia nem "preto" e nem "branco". Era "cinza", a mistura das duas cores, e estava sempre em dúvida. Um certo dia, ele sem saber se deveria atravessar uma estrada ou não, morreu atropelado. Fim da história.

Eduardo Leite (PSDB) já negou, mas a simples menção à possibilidade de ele voltar a disputar o governo do Rio Grande do Sul, do qual acabou de se desincompatibilizar porque iria disputar a presidência da República, entrega um problema da chamada terceira via. Ninguém sabe direito o que é nem o que representa. O eleitor percebe isso. Acertando ou errando, ele consegue definir o que é esquerda ou direita. Já o centro, para esse mesmo eleitor, é um amontoado de gente que não sabe bem o que quer, que não se sabe o que representa. E talvez não saiba mesmo.

Eduardo Leite e Doria quando ocupavam os cargos de governador do RS e governador de SP, respectivamente - GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Uma pesquisa qualitativa feita pela UFPE, coordenada pelo doutor em Ciência Política Adriano Oliveira, tentou captar o sentimento das pessoas sobre a esquerda, a direita e o centro no Recife. Os resultados chamam atenção e talvez expliquem o motivo de este centro não conseguir crescer em pesquisas e nome nenhum conseguir empolgar fora da polarização entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL).

Cansados da polarização

A técnica utilizada foi a de "entrevistas em profundidade". Os participantes foram segmentados por gênero, faixa etária, renda, local de morada, religião e profissão. Primeiro, importante dizer que o pessimismo é geral. Todos os entrevistados usaram expressões sobre o Brasil que vão de "caos" e "terrível", passando por "desemprego", "inflação" e "fome". Mas chama atenção que muitos apontam palavras que sugerem um cansaço pela polarização entre esquerda e direita. "Guerra ideológica", "divisão entre as pessoas", "brigas" e "conflitos" foram utilizados. Esta é uma observação essencial: as pessoas estão esgotadas pelas discussões ideológicas e expressam isto quando perguntadas sobre o Brasil.

Lula e Bolsonaro estão liderando as pesquisas - NELSON ALMEIDA/AFP E ALAN SANTOS/PR

Nenhum dos entrevistados será identificado, mas alguns exemplos podem ser citados: um jovem professor, morador da Imbiribeira, diz que "o Brasil está piorando com o tempo" e que, em 2018, o presidente Bolsonaro foi eleito para "resolver tudo, mas até agora nada". Outro, um empresário de 54 anos, evangélico e morador de Boa Viagem, fala em período turbulento, diz que "a guerra de pensamentos está presente e impede o Brasil de superar crises". Outro entrevistado, um estudante de Boa Viagem, reclama que "falta diálogo no país".

A pesquisa observou que, independente de classe social, os participantes estão muito incomodados com a guerra ideológica e acreditam que ela é responsável pela crise econômica ou, no mínimo, nos impede de superar as dificuldades.

E a eleição?

Quando o assunto são as eleições, as intenções de votos são variadas, mas a análise do professor, que contou com uma equipe de seis estudantes de Ciências Sociais, aponta quatro tipos de eleitores na pesquisa.

Há o eleitor lulista, em maior número, seguido do eleitor bolsonarista. Tem o que a pesquisa classificou como o eleitor "nem um nem outro", que vota fora da polarização. E, esse é curioso, o eleitor estratégico, que vota em alguém específico apenas com o objetivo de derrubar o candidato que ele não gosta.

A dificuldade do centro, da terceira via, está bem presente já por aqui. Afinal, há uma boa parcela da população que não quer nem Lula nem Bolsonaro, há também uma boa parcela que gostaria apenas de evitar que um dos dois fosse eleito.

Pré-campanha de Sérgio Moro pelo Podemos foi suspensa pelo ex-juiz ao migrar para o União Brasil - EDUARDO MATYSIAK / AFP

Estes eleitores aceitariam uma terceira opção.

Mas, onde está a terceira opção?

Simone Tebet (MDB), Eduardo Leite (PSDB), Sergio Moro (UB), João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), se juntassem todos os candidatos alternativos em um só, eles ainda não ameaçariam a polarização com suas intenções de voto.

Esquerda e direita

Qual o problema? A pesquisa dá uma pista quando pergunta sobre ideologia aos entrevistados. Os participantes, corretos tecnicamente ou não, nem piscam para responder o que eles acreditam que significa ser de "esquerda" ou de "direita".

Ciro Gomes foi lançado como pré-candidato a presidente da República - REPRODUÇÃO/YOUTUBE

Uma professora, de 55 anos, diz que ser de direita é "valorizar os empresários" e ser de esquerda é "ajudar o povo".

Um empresário, evangélico, diz que "ser de esquerda é ser contrário à direita" e que ser de direita é "ser conservador e defender a família".

Um bancário, também evangélico, afirma que ser de direita é ser "tradicional, conservador" e ser de esquerda é "defender ideias progressistas que ele não gosta".

Outra, uma funcionária pública, de 34 anos, diz que a "esquerda defende pautas sociais", enquanto a direita defende "privatizações e modelo liberal para a economia".

Outro entrevistado, do bairro dos Torrões, afirma que ser de esquerda é "governar para os pobres" e ser de direita é "trabalhar para os ricos".

Terra de ninguém

Agora, o que todos eles pensam quando são estimulados a definir o centro?

“O centro não é nítido para a maioria dos votantes. Os que arriscam defini-lo, sugerem que ele representa a moderação ou o Centrão. Falta identidade ao centro. Ao contrário da esquerda e da direita. Estes são bem definidos pelos votantes”, detalha o professor Adriano Oliveira.

De fato, e a equipe do JC assistiu algumas entrevistas, e antes de quase todas as respostas dos participantes sobre o centro há um momento de silêncio, o olhar pra cima de quem busca revirar o repertório.

"É uma noção abstrata", "é moderação", "não sei", "terra de ninguém", foram algumas das respostas dadas pelos participantes.

Simone Tebet (MDB) quer se lançar como candidata à Presidência pela "terceira via" - ROQUE DE SÁ/AGÊNCIA SENADO

São bem características do comportamento dos candidatos do centro até agora. O que eles querem, o que eles defendem e o que estão dispostos a fazer?

Morre atropelado

Fiz, eu mesmo, um exercício para tentar definir o centro e, não é um problema apenas dos entrevistados na pesquisa. É difícil.

Você pode dizer que eles defendem uma economia liberal, mas eles próprios não dizem isso.

Você pode dizer que eles são conservadores moderados, mas eles não dizem isso, não demonstram isso.

Talvez nem saibam o que é isso.

O centro é só a negação de Lula e Bolsonaro, nada mais. Nem Ciro, único à esquerda nesse grupo, consegue fugir do labirinto em que o centro se.

A realidade é que o centro é cinza, e vai morrer atropelado.

 

Detalhamento da pesquisa ideologia - Arte/JC

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