No momento em que este texto está sendo escrito, 33 pessoas já morreram somente na chuva que começou na sexta-feira (27) e se estendeu pelo sábado (28) em Pernambuco. Dois dias antes, caiu uma forte chuva que já tinha causado mortes.
Dessa vez, o problema foi maior. E, vejamos os motivos de o problema ter sido maior: primeiro porque foi muita água, segundo porque a chuva caiu forte em várias regiões do estado ao mesmo tempo, terceiro porque chegou em um momento de maré cheia.
Agora, você que lê esse texto, indique qual dos fatores acima não podia ser previsto. Já se sabia que a chuva vinha pesada desde a quinta-feira (26). A APAC confirmou um “alerta vermelho”. Também já se sabia onde e a partir de que horas a chuva iria cair. E a maré? Bom, é só pesquisar a tábua de marés para saber. Se os prefeitos e o governador não souberem, perguntem a um pescador ou a um surfista, caso seja muito difícil de encontrar.
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Neste sábado, por exemplo, a maré ficou cheia até a 14h46. Sim, é exato desse jeito, até com os minutos.
Querem deixar esse exercício de descobrir o que é previsível ou não ainda mais sombrio? Adivinhe, então, o que foi que aconteceu em junho de 2015? Resposta: pai e filho morreram soterrados num deslizamento na Bomba do Hemetério. Neste dia, aliás, choveu 224 mm em 24h. Bem pior do que a chuva desta semana que o prefeito do Recife João Campos (PSB) disse que havia sido a "terceira pior da História", inclusive.
Quer mais? Em 2016 uma chuva derrubou quase 200 árvores e causou 55 acidentes no Recife.
Em 2018, moradores de bairros do Recife acordaram com a água invadindo suas casas em bairros como Porto da Madeira e em Campo Grande.
Em junho de 2019, cinco pessoas morreram num deslizamento de barreira em Camaragibe por causa das chuvas.
Nessa mesma chuva, duas pessoas morreram em Jaboatão dos Guararapes, também soterradas. Uma adolescente foi arrastada pela água em um canal.
Ainda em 2019, um mês depois, em julho, 12 pessoas morreram no Recife, em Olinda e em Abreu e Lima.
Isso sem falar nas mortes que aconteceram em 2010 e 2011 na Mata Sul, nos transtornos que ocorrem no Agreste.
Todo ano. Todo ano. Todo ano.
Quantos prefeitos entraram e saíram nestes últimos 20 anos. Quanto de informação eles tiveram para se preparar e quantas mortes poderiam ter sido evitadas se isso fosse tomado como prioridade?
Se é evitável com políticas públicas e se pode ser priorizado, mas não é, pessoas morrem todos os anos e famílias são destruídas simplesmente porque quando a chuva passa o sofrimento delas deixa de ser importante.
Precisa acontecer um incêndio em palafitas para prefeitos e governador descobrirem que elas existem, precisa haver deslizamento e morte para eles saberem que as pessoas moram onde não deviam morar.
E essa deve ser a maior decepção que existe para um ser humano vivendo em uma cidade e em um estado ditos civilizados: existir apenas quando deixa de existir.
Porque aos olhos de um poder público que este ano vai pedir votos para fazer seus candidatos eleitos e reeleitos, essas pessoas são apenas números. De votos ou de mortes. De uma vitória ou de uma crise que depois será esquecida.
Responsáveis
E tudo isso acontece com o mesmo grupo político no poder estadual há quase 16 anos. Com deputados e senadores que estão nos mesmos cargos há muitos e muitos anos.
A campanha eleitoral está chegando. Será motivo de muita vergonha se essa não for uma das principais pautas da eleição. Porque a classe política pernambucana, principalmente os que ocupam cargos públicos e tomaram café hoje pela manhã com o dinheiro de imposto pago pelos que morreram soterrados, precisa ser cobrada.
Ou é melhor desistir da classe política e abraçar o caos.
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