Ao que tudo indica, a CPI do 8 de janeiro vai ter o mesmo destino que a CPI da Covid: lugar nenhum.
Existe uma fantasia sobre as CPIs, como se elas fossem capazes de virar o país de cabeça para baixo, provocar impeachments e mexer fortemente no equilíbrio de poder da política brasileira. Isso foi em outro tempo, num outro ambiente social e com mídias muito mais concentradas no que era importante e menos no que dava audiência.
CPI não dá audiência. Dificilmente, alguém que não trabalha com política vai passar horas e horas acompanhando os discursos intermináveis e os depoimentos de testemunhas, conduzidos pelos deputados fantasiados de poderosos agentes da lei e da ordem em CPIs ou em reuniões do Conselho de Ética.
Nas sessões parlamentares importantes da época em que a audiência ainda importava menos do que a relevância, as emissoras de sinal aberto mudavam toda a programação. A novela era interrompida, cancelava-se o filme e nesse dia podia não ter nem Malhação, novela adolescente de grande audiência na mesma época em que Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho duelavam no Senado, no Conselho de Ética, após o escândalo da violação do Painel Eletrônico, por exemplo.
Você pode dizer, hoje, que emissoras de sinal fechado, como GloboNews, CNN e JP News ainda fazem isso. É verdade, fizeram durante a CPI da Covid. Sabe quanto é a audiência da líder dessas emissoras? A GloboNews chega a 0,28 ponto na média de um mês. Significa que um público de 200 mil pessoas, em média, está acompanhando o canal.
As outras, ficam longe disso. A JP News e a CNN têm 0,12 e 0,11 ponto, nesse índice. Menos da metade da GloboNews.
Para ter uma ideia da diferença, na TV aberta, a menor audiência da TV Globo é o Corujão, no meio da madrugada, que tem 3,5 pontos, o que equivale a cerca de 2,5 milhões de telespectadores. Nas tardes, quando as CPIs estão acontecendo, a audiência da novela da Globo chega a 14 pontos ou cerca de 10 milhões de pessoas.
Hoje, mesmo se o ambiente for propício, há dificuldade para garantir repercussão pública durável. A CPI da Covid encontrou o que poderia ser um cenário perfeito. Havia muita gente em casa, por causa da pandemia, que poderia assistir as transmissões, a popularidade de Bolsonaro era muito baixa e a oposição da época conseguiu dominar a Comissão, impondo sua narrativa e emparedando o governo. Provas foram apresentadas, depoimentos bombásticos revelaram crimes e comprovaram omissões na Saúde.
No fim, nada aconteceu. Veio a eleição e Bolsonaro (PL) quase venceu a disputa contra Lula (PT). Como se a CPI nunca tivesse existido.
O processo da violação do painel do Senado fez Antônio Carlos Magalhães renunciar e ele nunca mais recuperou a força política que tinha. Collor foi outro que teve a carreira política destroçada após uma CPI. Perdeu o mandato, passou oito anos inelegível e voltou depois como um senador de “nicho”, de baixo clero.
Já Bolsonaro terminou o processo com um capital político de quase 50% dos eleitores brasileiros e com ares de “herói” para o seu próprio público.
Há uma questão com o material que compõe a reputação pública no Brasil. Antes ele era sólido, fosse bom ou ruim, mas era firme como uma rocha. Há duas características das rochas que devem ser consideradas aqui: elas são pesadas e, quando atingidas por algo mais forte que elas, nunca voltam a ser as mesmas.
Agora, a reputação pública passou a ser líquida, muda de acordo com a situação que estiver enfrentando, percorre um rio de críticas sem se abalar e acaba sempre tendo algum espaço entre o público que lhe aceita. Uma CPI abala fortemente as reputações sólidas. As líquidas, não.
Então, para quem acredita que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos atos de 8 de janeiro pode terminar com impeachment ou coisa do tipo, não vai. Esqueça isso. Nem a do MST, nem a dos Jogos, nem a das Americanas, que também foram instaladas esta semana, vão dar em grande resultado.
A única coisa que as CPIs vão fazer, de verdade, é atrasar ainda mais a discussão sobre o que realmente importa nesse país. Os deputados e senadores têm trabalhado muito pouco em relação a anos anteriores.
O Brasil tem problemas fiscais, tem desemprego, tem criminalidade excessiva, tem crises em setores da Saúde, falta dinheiro para pagar os pisos que os próprios deputados e senadores inventaram no último ano eleitoral e, agora, eles resolveram fazer novas acrobacias retóricas em quatro CPIs, uma delas mista.
É para se perguntar aos nobres parlamentares o que lhes falta para que trabalhem resolvendo as urgências. Dinheiro sabemos que não é.
Talvez seja espírito público, mas isso é difícil de emprestar. Ou você tem, ou não tem.