Lula (PT) chamou de falcatrua o que aconteceu no polêmico leilão do arroz, recentemente. Falcatrua é descrito no dicionário como “arte de ludibriar”. O presidente poderia falar em corrupção, mas a palavra é forte depois de tudo o que ele e alguns colegas petistas já passaram. Entende-se.
Mas, para além da semântica, é preciso que o governo Lula comece a se desligar dos traumas e agir como qualquer governo sério age numa democracia, se não impedindo a corrupção mas evitando, ao menos, a possível continuidade dos crimes.
Conivência
A conversa de que “sabe o que é injustiça” e que “ninguém será responsabilizado antes que se provem as acusações” pode acabar fazendo a gestão, em pouco tempo, poder ser acusada de conivência com novos crimes.
No caso do arroz, apesar de o presidente ter chamado de falcatrua, como se fosse um ato falho de malandro quase inocente, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, terminou afastado.
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Mas ele não foi demitido diretamente. Geller deixou o cargo após as denúncias de ligação dele e do filho com envolvidos no leilão de arroz da Conab. Para quem não lembra, venceram o leilão para comprar arroz uma empresa que fabrica sorvete e até uma locadora de veículos.
A família de Neri Geller, porém, ainda está no órgão. A esposa dele, Juliana Geller, segue como assessora do presidente da Conab, que faz as compras de arroz.
Juscelino
Isso lembra outra situação, a do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (UB).
Ele foi indiciado pela Polícia Federal em uma investigação na qual é suspeito de ter liberado emendas parlamentares no valor de R$ 5 milhões para uma prefeita que, “por acaso”, é irmã dele. A gestora municipal da cidade de Vitorino Freire, no interior do Maranhão, então, pegou o dinheiro e construiu uma estrada que, “por acaso”, beneficia apenas uma fazenda e essa fazenda, “por acaso”, é da família do ministro Juscelino Filho.
Presunção
Quando o indiciamento ocorreu, Lula lembrou das experiências que teve ao ser preso, e declarou que o ministro era “inocente até que se provasse o contrário”.
Na última sexta-feira (21), o presidente da República foi além e cumpriu agenda administrativa no Nordeste com o ministro, deu entrevistas e ainda defendeu o auxiliar que, “por acaso”, pode ainda ser inocente e tudo não passar de um mal entendido.
É preocupante.
Continuidade
Preocupa porque o corrupto contumaz, geralmente, é um agente de continuidade. Ele demora a cometer o crime, mas normaliza isso com muita facilidade e naturaliza suas consequências.
Juscelino tem esse perfil e costuma misturar o público com o privado sem muita distinção e sem rubor de face. Assim que assumiu o ministério, para quem não lembra, o auxiliar de Lula foi acusado de usar irregularmente verba do ministério, viajar em avião da FAB para ir a leilão de cavalos e colocar o sogro para mandar em seu gabinete mesmo sem ele ser nomeado.
Alguém que faz isso como um costume, não interrompe e vira santo porque alguém chamou ele de “feio”.
Sócio
O risco é que, enquanto Lula tenta parecer magnânimo como fiel mantenedor da presunção de inocência no Brasil, o traquino ministro das comunicações pode estar trabalhando em novas versões das tais falcatruas e em novos usos privados para verbas públicas.
Após uma suspeita, um indiciamento policial e a decisão do presidente de não afastar o auxiliar, tudo o que Juscelino fizer a partir de então estará na conta de Lula também.
Lula quer defender a presunção de inocência quando, na verdade, evita melindrar acordos políticos com o União Brasil. Isso pode terminar em grandes escândalos de corrupção. Como já vimos alguns.
Quem aposta, assume o risco e se transforma em sócio das consequências.