Os direitos do consumidor, por Edilson Vieira

Consumidor

Por Edilson Vieira
ROUBO

A sua previdência privada pode estar em risco. Livro de advogado pernambucano mostra como fraudes nos fundos de pensão ameaçam a previdência complementar

Resultado de uma dissertação de mestrado em direito previdenciário aborda crimes recentes envolvendo fundos de pensão e aponta caminhos para o contribuinte não ser prejudicado

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Edilson Vieira

Publicado em 08/08/2021 às 7:00
Livro aborda as operações do Ministério Público Federal e Polícia Federal que investigaram desvios no Funcef, Postalis, Petros e Previ - Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Lugar onde tem muito dinheiro, atrai muito ladrão”. O comentário do advogado previdenciarista Rômulo Saraiva resume a questão central do seu livro “Fraude nos Fundos de Pensão – Como a gestão fraudulenta e a supervalorização dos ativos ameaçam a Previdência Complementar”, lançado esta semana no Recife pela editora Juruá, com prefácio do ex-procurador geral da República Rodrigo Janot.

O livro mostra que as fraudes obrigam trabalhadores e aposentados da previdência privada a pagarem  a conta da corrupção. É comum a prática do equacionamento, ou seja, o rateio da dívida coletiva entre os correntistas quando o fundo registra déficit nas suas contas. O livro traz uma crítica contundente sobre os mecanismos de investimentos e suas vulnerabilidades, que podem representar calote na aposentadoria ou prejuízo financeiro a milhões de trabalhadores.

ESTATAIS

Rômulo Saraiva mostra a diferença quando o roubo acontece para os contribuintes da previdência social. “No INSS, onde também existem as fraudes milionárias, o prejuízo gerado não é pago diretamente pelos aposentados ou trabalhadores contribuintes. O Tesouro Nacional absorve o rombo das fraudes na Previdência Social. Já nas entidades fechadas de previdência complementar, os chamados fundos de pensão, as fraudes geram resultados deficitários em determinados anos e a própria entidade faz um parcelamento da dívida para que patrocinador, participante, assistido, os atores que formam o fundo previdenciário privado paguem essa conta”. Romulo explica que, neste caso, o trabalhador que contribui com a previdência privada, além da parcela mensal de contribuição, ainda terá que arcar com uma taxa extra. Já o aposentado terá o valor de seu benefício reduzido, tudo para cobrir o rombo deixado pela fraude, explicou o advogado.

O livro mostra que os maiores fundos de pensão do Brasil são estatais. São os dos funcionários dos Correios (Postalis), Caixa Econômica Federal (Funcef), Banco do Brasil (Previ) e Petrobras (Petros), e que, apesar de aplicarem em suas operações controles antifraude como governança corporativa, compliance, supervisão baseada em risco e outras ferramentas de segurança, mesmo assim, esses fundos foram envolvidos em grandes escândalos de corrupção, apurados pela Polícia Federal, CPI dos Fundos de Pensão e nas operações Greenfield e Lava-jato. Desde 2015, o rombo apurado chega a R$ 46 bilhões. “O Brasil tem um alto índice de percepção de corrupção no mundo, a corrupção aqui é latente e, diante disso, pelas regras da previdência complementar, se houver um resultado deficitário, independentemente de ser fraude ou não, o aposentado e o contribuinte vão pagar a conta”, diz Rômulo.

RISCOS

Em 348 páginas, Rômulo Saraiva analisa as principais fraudes envolvendo os fundos de pensão brasileiros, e porque alguns desses crimes podem ser considerados “o crime quase perfeito”, diz o advogado. O livro é fruto de dois anos de estudo e pesquisas para uma dissertação de mestrado em direito previdenciário pela PUC São Paulo, e também aponta mecanismos para minimizar vulnerabilidades e até formas de o aposentado e o trabalhador conseguirem o ressarcimento desse tipo de corrupção que ameaça o patrimônio previdenciário dos investidores.

No Brasil, os fundos de pensão são responsáveis por administrar cerca de R$ 1 trilhão por ano. Esta fortuna é alocada no mercado financeiro com o propósito de fazê-la crescer. Neste ambiente, o risco de prejuízo do investimento é considerado natural, mas, para Rômulo Saraiva, os fundos de pensão brasileiros não têm conseguido cumprir a sua função de gerir de maneira eficiente o patrimônio alheio. E, com isso, milhares de trabalhadores não têm tido o sossego necessário na hora de se aposentar.

REGULAÇÃO

Apesar do setor operar sob forte regulação normativa e controle de agentes externos, como os exercidos pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho Monetário Nacional (CMN), Tribunal de Contas da União (TCU) e Banco Central (Bacen), além dos controles internos da diretoria executiva, conselhos fiscal, deliberativo e de investimento, mesmo assim, as fraudes não são totalmente evitadas e nem são triviais, alerta o advogado.

Rômulo Saraiva explica o motivo: o mercado de valores mobiliários recebe os ativos previdenciários para serem operados por investidores que realizam diariamente complexas operações no mercado financeiro, difíceis de serem identificadas rapidamente pela Previc, Polícia Federal e Ministério Público. “Algumas fraudes aproximam-se do crime perfeito em razão da sua técnica, complexidade e dificuldade das autoridades em percebê-las”, explica Saraiva. “Isto acontece porque as operações feitas no mercado financeiro com o dinheiro dos fundos de pensão são feitas por técnicos de grande expertise, e que sabem dar as pernadas. Muitas dessas pessoas são ligadas aos governos”, pontuou Saraiva.

FISCALIZAÇÃO

O livro pondera sobre a dificuldade do contribuinte ou aposentado acompanhar os investimentos malsucedidos e as gestões fraudulentas dos fundos de pensão. Saraiva traz a análise específica da fraude de supervalorização ou sobreprecificação de ativos, mas evidencia outras, a exemplo da venda de “papéis podres” ou debêntures sem lastro.

No livro, Rômulo Saraiva sugere, entre outras providências, a auditoria e o contingenciamento de risco como pontos essenciais de combate à fraude, fazendo o monitoramento da precificação em todas as fases do ciclo de investimento. Outros caminhos traçados no livro são o aperfeiçoamento da governança corporativa, rechecagem periódica da metodologia de avaliação dos ativos, supervisão baseada em risco (SBR) intensificada para aferir se o desempenho está satisfatório, e ajuste na aplicação do “whistleblowing”, a chamada “lei do apito”, uma espécie de delação premiada interna que atribui recompensas a quem denunciar ações fraudulentas dentro da corporação.

“É necessário propiciar meios seguros na preservação da integridade do denunciante e na estruturação dos órgãos fiscalizadores, principalmente a Previc, para ter maior autonomia institucional e independência em sua supervisão dos fundos de pensão”, pontuou o advogado.

REPARAÇÃO

Em relação aos associados dos fundos de pensão que contribuem com a previdência complementar o advogado explica que eles quase nunca têm conhecimento sobre desvios de dinheiro ou gestões fraudulentas de seus patrimônios a tempo de tomarem alguma providência. “O golpe às vezes é uma coisa refinada, sofisticada, difícil até para as autoridades descobrirem. Neste caso, o contribuinte do fundo de pensão, desconfiando de algo, deveria contratar um advogado para que este amarre o nexo de responsabilidade e mostre que aquele prejuízo aconteceu não por risco de mercado, mas por uma atitude pré-ordenada, onde havia má fé com propósito de fraude, e a partir daí é possível buscar a reparação com uma ação na Justiça, individual ou coletiva, através de advogado particular ou defensoria pública”.

Rômulo Saraiva exemplifica. Se um operador financeiro recebe dos fundos R$ 500 milhões para investir com a perspectiva de uma rentabilidade de 8% e retorna com uma rentabilidade de 3% apenas, mesmo esse resultado sendo positivo, se houver consenso do mercado que dava para chegar aos 8% de lucro, isso por si só pode ser considerado fraude." Por trás, alguns operadores financeiros são remuneradas por investir em um determinado local que remunera menos os os investimentos do que outro, onde o rendimento é maior, e ganham comissões por isso”, diz o advogado.

INSTITUIÇÕES

Para Saraiva, a busca por fraudes consome muito tempo e energia. Os crimes de colarinho branco envolvendo o mercado financeiro exigem forças tarefas de diferentes frentes para que, trabalhando em conjunto, possam ter algum resultado, acredita. Rômulo Saraiva avalia que essas forças foram desarticuladas recentemente no Brasil. “Não basta um delegado federal atuando apenas, precisa um grupo forte para investigar, apurar. Esse pessoal que está roubando fortunas tem um nível de prejuízo social muito grande, mas eles sabem roubar, não são ladrões de galinhas”.

Rômulo diz que reclamou bastante quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, deixou minguar ou desarticulou as forças tarefas dentro do Ministério Público Federal, principalmente o braço dessa instituição que atuava em relação as operações previdenciárias. “Na minha visão, o combate a corrupção foi atenuado atualmente, e nessa perspectiva, os combatentes da corrupção no Brasil, Ministério Público Federal e Polícia Federal, estão menos aparelhados, isso reflete no sentido de não se combater a corrupção tão bem”, conclui Saraiva.

SERVIÇO:

Fraude nos Fundos de Pensão – Como a gestão fraudulenta e a supervalorização dos ativos ameaçam a Previdência Complementar

Autor: Rômulo Saraiva

Editora: Juruá

Quanto: R$ 149,90 (versão impressa) e R$ 104,70 (versão digital)

Onde comprar: www.jurua.com.br

 

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