A aposentada Luzia Silveira Ribeiro, de 73 anos, mora há 35 anos em um apartamento na Avenida Domingos Ferreira, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Em 2008, o condomínio onde ela mora aprovou em assembleia a instalação de antenas de telefonia celular, acompanhadas de estações rádio base no topo do edifício. O ganho financeiro que o condomínio teria motivou a aprovação da empreitada pelos moradores. Como mora no último pavimento, no 14o. andar, Dona Luzia descobriu, da pior forma, que ter um antena de telefonia sobre o teto poderia ser um bom negócio para o condomínio, mas não para ela.
"Fizeram um buraco enorme bem em cima do meu quarto para instalar uma das antenas. Além do susto, à noite, eu dormi vendo o céu e as estrelas", relembra, afirmando que o buraco foi tapado após várias reclamações. Mas os problemas não terminaram. Em 2019 começou uma infiltração nas paredes provocada pela umidade vinda do teto. "Há cerca de dois anos, numa chuva mais forte, acordei com o apartamento alagado. Perdi móveis, queimaram o ar condicionado e dois aparelhos de TV", afirma.
O caso de Dona Luzia foi parar na Justiça. Ela pede agora a retirada das antenas e uma indenização por danos materiais e morais. A ação cita como réus o condomínio, as empresas de telefonia e as que fizeram a instalação dos equipamentos. "O juiz já determinou que não fosse autorizada a instalação de nenhuma outra antena mas toda decisão a meu favor as empresas recorrem", afirma a aposentada. A empresa responsável pela instalação das antenas fez um trabalho de impermeabilização da laje, mas uma vistoria técnica feita por um perito da Justiça, em junho deste ano, comprovou que o problema de infiltração continua.
O engenheiro especialista em estruturas de concreto armado, Alberto Bittencourt, fez uma vistoria no local. E, de cara, já percebeu onde estava o problema. "No projeto original do prédio havia um telhado para canalização das águas de chuva que simplesmente foi retirado para que as antenas fossem fixadas diretamente na laje, o que acarretou a infiltração no apartamento de Dona Luzia". Alberto Bittencourt defende que os equipamentos de telefonia poderiam não prejudicar a estrutura dos prédios se fossem instalados de maneira correta. "Deveria haver um estudo sobre a sobrecarga para o edifício. Além disso, os equipamentos deveriam ser fixados em estruturas que não estejam diretamente em contato com a laje do prédio, como a caixa d'água", opinou o engenheiro.
SAÚDE
O caso de Dona Luzia Ribeiro é um exemplo incomum e extremo, mas real, dos transtornos que a instalação das antenas de telefonia pode gerar para condomínios. Outra polêmica diz respeito às radiações do tipo não ionizantes emitidas pelas antenas de celular. A questão que se coloca é se elas fariam ou não mal a saúde. A engenheira eletricista Adilza Condessa Dode, defendeu em 2010 uma tese de Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) onde faz uma relação entre a concentração de antenas de telefonia celular em determinadas áreas de Belo Horizonte e o registro de casos de neoplasias (tipo de tumor que pode ser benigno ou maligno). A conclusão é que nos bairros onde havia maior concentração de antenas, havia mais casos da doença.
"Não há nenhuma pesquisa feita em relação aos efeitos do 5G sobre o nosso corpo. Mas há inúmeros estudos feitos em relação às outras frequências já instaladas, como 2G, 3G e a relação dessas frequências com alterações no sistema nervoso central e outras doenças", afirmou a pesquisadora. Para Adilza Dode, a chegada de outra faixa de telefonia irá se somar à essas frequências já existentes, o que para ela é preocupante.
"Há uma preocupação mundial de cientistas em relação aos efeitos dos campos eletromagnéticos sobre os seres vivos, incluindo animais e plantas. A IARC [Agência Internacional de Pesquisa em Câncer] e OMS [organização Mundial da Saúde] em 2011 classificaram os campos eletromagnéticos de alta frequência como possíveis causadores de câncer e agora, em 2021, pesquisadores pedem para que essa classificação mude para reconhecer esses campos como causadores sim de câncer em seres humanos". Para a doutora Adilza Dode, o que pode ser feito é manter distância das antenas. "Não quer dizer que uma pessoa que more próximo a uma antena irá desenvolver o câncer. Isso depende do tempo de exposição e se a pessoa for hipersensível a campos eletromagnéticos. Uma pessoa exposta a esses campos pode adoecer em cinco ou seis anos, outra pode ter uma resistência maior e só apresentar algum problema de saúde com 15, 20 anos de exposição. É por isso que a distância [das antenas] é nossa amiga, e esse tempo aí é que vai contar. Depende da suscetibilidade de cada ser humano", afirmou a engenheira.
ESTRUTURA
Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel), o Brasil tem hoje 103 mil estruturas de antenas instaladas. Para implantação da tecnologia 5G, será necessário quintuplicar esse número porque o 5G trabalha em faixas de frequência de alcance e potência menores. Só no Recife, existem 861 antenas. Precisaremos de, pelo menos, 4.300. A boa notícia é que as antenas 5G são bem diferentes das estruturas atuais. Serão menores, bem mais leves e ocuparão menos espaço, o que reduz também a possibilidade de problemas com instalação e operação. Elas serão instaladas mais próximas das pessoas, podendo ficar sob o teto de uma banca de revistas, de uma casa ou na fachada de um prédio, segundo Luciano Stutz, presidente da Abrintel.
Luciano acredita que será possível para as operadoras de telefonia cumprir o cronograma do Ministério da Comunicações, determinado que até o mês de julho de 2022 todas as capitais brasileiras já possam contar com a nova tecnologia. "Assim como aconteceu com o 4G, é bem possível que tudo esteja funcionando antes do prazo limite", explicou. "Em termos de tamanho e formato, as antenas 5G são um pouco maiores que uma caixa de sapatos e menores que uma caixa externa de ar condicionado split, o que facilita a instalação", define Luciano. Ele acredita que as novas antenas são ambientalmente mais sustentáveis por ocupar menos espaço, e assim poluir menos visualmente, além de consumir menos energia. "Em relação a possíveis riscos para saúde, é importante observar que todos os equipamentos eletrônicos de telefonia já são fiscalizados e autorizados pela Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]. Além disso há um paper da OMS (Organização Mundial da Saúde) que afirma não haver relação entre a radiação eletromagnética gerada pela telefonia e doenças", afirma Stutz.
Em relação à exposição humana aos campos eletromagnéticos, a Anatel divulga que a Lei nº 11.934/2009 estabelece limites de exposição e cabe a agência regulamentar e fiscalizar essa matéria. "A Agência estabeleceu regulamentação seguindo as normas da Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP), reconhecida pela Organização Mundial da Saúde . Acrescente-se a isso a atuação constante da Agência, seja pela exigência dos relatórios de conformidade para o licenciamento das estações, seja pela realização de medições e fiscalizações. O resultado desse monitoramento consta de um Painel de Dados interativo com o Mapa de Exposição a Campos Eletromagnéticos, disponível para acompanhamento de toda a sociedade", diz a Anatel.
O gerente de engenharia da TIM, Homero Salum, explica um pouco mais sobre o funcionamento da nova tecnologia e os equipamentos. "As redes 5G vão funcionar por meio de ondas de rádio, assim como as redes móveis das gerações anteriores. No entanto, o espectro de frequência coberto pela quinta geração da banda larga móvel será mais amplo, espalhando-se entre 600 e 700 MHz, até 26 e 28 Ghz por exemplo. Isso viabilizará, em muitas situações, a instalação de antenas 5G menores que as de 4G atuais, em alguns casos acopladas às antenas já existentes, que serão adaptadas para funcionar em paralelo com a nova infraestrutura de conexões". O engenheiro revela que a empresa vem trabalhando em novas soluções, a exemplo dos biosites (antenas semelhantes a postes de iluminação publica). "Eles tem rápida instalação, baixo impacto visual e menor ocupação do espaço físico. Vale ressaltar que não há qualquer risco à saúde", pontuou o engenheiro.
CONDOMÍNIOS
Para o consultor jurídico do Secovi-PE (Sindicato da Habitação de Pernambuco), Noberto Lopes, a instalação de antenas em condomínios é um assunto polêmico. "Essas antenas são sempre instaladas em uma área comum, que é o teto dos prédios, e há os que defendem que isso altera a fachada, quebrando a harmonia arquitetônica da edificação. Então, com certeza o assunto tem que ser levado para uma assembleia". Noberto admite que a receita originada com a instalação das antenas pode fazer uma grande diferença na vida financeira do condomínio e até ajudar a reduzir as taxas condominiais, mas, nem por isso, o assunto deve deixar de ser debatido e votado. "Não é recomendado que o síndico faça um contrato com uma empresa de telefonia sem antes passar por uma assembleia. Ele deve dividir essa responsabilidade com os demais condôminos. A dúvida que existe é se essa assembleia deve aprovar a proposta [de instalação das antenas] por unanimidade ou teria outro pólo específico". O advogado lembra que deve ser levado em conta o artigo 1.342 do Código Civil que diz que a realização de obras em áreas comuns, que venham melhorar a utilização do bem, tem que ser aprovada por dois terços dos presentes, este é o quórum mais seguro, diz Noberto.
"Os contratos devem ter um prazo específico, geralmente de 36 meses, podendo ser renovados por igual período. Não é incomum prazos mais dilatados, com até 5 anos de duração", explicou Noberto Lopes. Em caso de transtornos provocados pelas instalações de equipamentos de telefonia, se for de ordem técnica, como uma interferência de sinal nos aparelhos eletrônicos dos moradores, o assunto deve ser tratado entre as empresas de telefonia e o morador. Já se o assunto envolve danos a estrutura do prédio, como rachadura ou infiltração, o condomínio é responsável por esse reparo, e, por sua vez, pode até pedir ressarcimento às empresas de telefonia que locaram o espaço para a instalação dos equipamentos, informou o consultor do Secovi-PE.