Atualizada às 19h56
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltou a suspender na tarde desta quarta-feira (23) o julgamento que iria definir se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é exemplificativa ou taxativa, ou seja, se as operadoras dos planos podem ou não ser obrigadas a cobrir procedimentos não incluídos na relação da agência reguladora.
O julgamento é polêmico porque envolve a cobertura de tratamentos, exames e terapias complementares como em casos de câncer e autismo. Geralmente esses tratamentos são conseguidos através de ordem judicial porque os tribunais quase sempre interpretam o rol de procedimentos obrigatórios da ANS como um exemplo, e não um limite para a coberturas. Se a lista for considerada taxativa, os planos de saúde podem se limitar a atender apenas o que está descrito na lista da ANS.
JULGAMENTO
Os ministros da Segunda Seção do STJ debateram se a lista definida pela agência reguladora é "exemplificativa" (que admite a cobertura eventual de itens fora da lista) ou "taxativa" (que obriga a cobertura somente dos itens da lista). Antes da suspensão do julgamento, dois ministros tinham votado — um a favor da lista exemplificativa e outro a favor da taxativa.
O julgamento teve início em 16 de setembro do ano passado, com a apresentação do voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Para ele, a taxatividade da lista – posição adotada em diversos países – é necessária para proteger os beneficiários dos planos de aumentos excessivos e assegurar a avaliação de novas tecnologias na área de saúde.
No voto, Salomão defendeu que a lista da ANS é taxativa, mas admitiu exceções. De acordo com o ministro, a caráter taxativo da lista é adotado em diversos países e representa uma proteção para os beneficiários. Isso porque, segundo ele, a medida evita aumentos excessivos dos preços dos planos.
O voto do relator propõe situações excepcionais em que a operadora de saúde seja obrigada a custear procedimentos não previstos expressamente pela ANS. Entre essas brechas, estão terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) com comprovada eficiência para tratamentos específicos.Também podem ser liberados medicamentos para o tratamento de câncer e de prescrição "off label" (remédio usado para tratamento não previsto na bula).
Na retomada do julgamento, a ministra Nancy Andrighi considerou que a lista tem caráter exemplificativo. Para a ministra, a lei protege o consumidor.Ela apresentou o voto, em seguida, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva fez o pedido de vista, ou seja, pediu mais tempo para apreciar o processo.
MEDIDA PROVISÓRIA
Em seu voto, Salomão lembrou que a Medida Provisória 1.067/2021, que alterou pontos da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), explicitou que a amplitude da cobertura no âmbito do sistema de saúde suplementar deve ser estabelecida em norma editada pela ANS. A mesma MP instituiu a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, à qual compete assessorar a ANS na identificação de evidências científicas sobre eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento analisado.
O ministro destacou que a lista mínima obrigatória de procedimentos é uma garantia de preços mais acessíveis, já que a segurança dada às operadoras pela definição prévia das coberturas evita o repasse de custos adicionais aos consumidores – situação que favorece, principalmente, a camada mais vulnerável da população.
"Considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do 'rol mínimo' e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população", comentou.
“A ministra Nancy, que havia pedido vistas no primeiro julgamento do tema, formulou seu voto de forma muito bem argumentada. Ao defender o caráter exemplificativo do rol da ANS, ela baseou-se em uma série de legislações, além de criticar a próprio rol da ANS, o qual, segundo ela, possui linguagem muito técnica, inacessível à compreensão de qualquer cidadão”, avalia Karla Guerra, coordenadora jurídica da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps).
Renê Patriota, coordenadora executiva da Associação, vê como positiva, de certa forma, a suspensão do julgamento, uma vez que, entre outros motivos, haverá mais tempo para que a própria sociedade civil se manifeste sobre o assunto. “acho muito interessante, porque os ministros terão, também, mais tempo para analisarem essa questão, além do que os juízes do Brasil inteiro poderão continuar julgando, livremente”, acrescenta.
Atualmente, boa parte dos magistrados, no país, entendem o rol da ANS como meramente exemplificativo, o que tem obrigado as operadoras a custearem procedimentos importantes a determinados tratamentos, embora não listados.
A médica e advogada concorda com o posicionamento da ministra Nancy Andrighi acerca do rol não passar de uma referência básica do mínimo que as operadoras devem oferecer de cobertura ao usuário. “Se a maioria dos ministros for contrária a esse entendimento, trarão um grande prejuízo à população brasileira, que já paga caro por um plano de saúde e não terá direito a um tratamento que a sua doença exige. O STJ não pode ser conivente com as operadoras, que só visam lucro”, alerta Renê, que se diz confiante quanto à decisão futura dos ministros. “Continuo acreditando na Justiça e espero que eles votem corretamente”, finaliza.
Karla frisa, ainda, que o novo pedido de adiamento pode ter sido, na sua opinião, reflexo da preocupação dos ministros para com o tema e resultado da pressão popular que tem sido feita acerca do assunto - o que poderá refletir, segundo a advogada, nos seus votos futuros. “É, de fato, uma matéria de grande relevância e a movimentação da sociedade ajuda muito. Todos, agora, estão observando que não se trata só de mensalidade de plano de saúde, mas de cobertura. Já é difícil pagar um plano e você ter um serviço altamente limitado não tem condições, você sofre duas vezes: com o preço e com a negativa de cobertura”, reforça.
Também otimista, Guerra se diz esperançosa quanto a uma futura decisão favorável ao consumidor. “Existem, sim, entendimentos divergentes no STJ quanto ao rol da ANS, mas a gente acredita que, com a pressão popular para que o rol seja mantido como exemplificativo, teremos um cenário positivo”, finaliza.