Depois de 82 dias sem aulas presenciais, suspensas em 18 de março por causa da pandemia do novo coronavírus, quase um terço das cidades de Pernambuco ainda não tem atividades à distância ofertadas para seus alunos. Levantamento preliminar da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) revela que em 29% das redes municipais do Estado (53 cidades), os estudantes estão sem educação remota. Em outras 71% (131 localidades) o conteúdo escolar é transmitido por televisão, celular, plataformas digitais ou apostilas impressas. Estudam na rede municipal, em Pernambuco, 1.113.913 alunos, segundo o Censo 2019 do Ministério da Educação (MEC). Em toda a educação básica, há 2,1 milhões de estudantes no Estado, entre unidades públicas e privadas.
Recife, a capital do Estado e que possui o maior número de alunos das 184 cidades pernambucanas (entre as redes municipais), é um exemplo da falta de oferta de aulas a distância. Somente amanhã os estudantes começarão a ter aulas remotas, mais de dois meses e meio após o último dia em que se encontraram presencialmente nas escolas. E mesmo assim, neste primeiro momento, será apenas para os cerca de 2.500 alunos dos 9º anos do ensino fundamental. A proposta da Secretaria Municipal de Educação é aumentar gradativamente para o restante dos anos finais do fundamental, que somam 10 mil estudantes. Para cerca de 50 mil crianças da etapa inicial (1º ao 5º ano), a prefeitura promete apresentar uma proposta na próxima semana. Por enquanto, limitou-se a distribuir material pedagógico.
“Gostaríamos de ter iniciado no final de abril. Houve planejamento e organização para isso. Iríamos adquirir smartphones para os alunos dos anos finais do fundamental para que pudessem assistir às aulas de educação a distância com qualidade. Mas o Tribunal de Contas exigiu que fosse por pregão eletrônico, quando inicialmente faríamos por dispensa de licitação. Além de demorar mais, o custo foi mais alto e por isso decidimos cancelar a compra”, explica o secretário de Educação do Recife, Bernardo d’Almeida.
O problema foi que a gestão municipal manteve o projeto de equipar os estudantes com celulares novos condicionando isso ao início das aulas remotas. Como desistiu da compra, começou uma campanha para conseguir os telefones, novos ou usados, por meio de doações, com empresas e cidadãos. Nesta segunda-feira todos os alunos de dez turmas do 9º ano vão acompanhar o programa Escola do Futuro em Casa com aparelhos cedidos pela prefeitura. A Secretaria de Educação vai bancar o pacote de dados.
“Passamos a última semana em reuniões com os pais para explicar o programa. Também ambientando virtualmente os alunos para que entendam a plataforma. Nossos professores tiveram formação e serão eles que vão ministrar as aulas, ao vivo. Estão todos empolgados para começar”, ressalta Bernardo. Os estudantes terão três aulas diárias.
“Se para as redes que estão adotando atividades remotas será difícil garantir a carga horária após o retorno das aulas presencias, imagine para aquelas cidades que não estão fazendo nada. O desafio vai ser dobrado”, comenta o presidente da Undime em Pernambuco e secretário de Educação de Belém de Maria, Natanael Silva. Ele lamenta a falta de apoio do governo federal. “O MEC está ausente, não tem ajudado em nada, nem com recursos nem com coordenação técnica ou programas”, diz. Em Belém de Maria, foram adotadas plataforma digital e distribuição de material impresso, além de kits de alimentação para suprir a merenda.
Em Olinda, na Região Metropolitana, as aulas remotas começaram em abril. São duas plataformas, uma mantida pela Secretaria Municipal de Educação e outra, chamada Simplifica, elaborada pela Fundação Lemann, que tem dado apoio técnico e pedagógico ao município neste período da pandemia. Para as séries dos anos iniciais são entregues atividades impressas. Os professores formaram grupos em whatsapp, por cada turma, e mandam tarefas, além de orientarem os pais.
A cidade tem cerca de 25 mil alunos. A gestão estima que mais da metade está acompanhando a educação remota. “Nosso maior desafio é a falta de acesso à tecnologia, seja pela falta de equipamentos, seja pela internet, de muitas famílias. E em Olinda há uma dificuldade estrutural de conexão com a web”, comenta a secretária executiva de Programas e Políticas Educacionais, Edilene Soares. “Mas está havendo um grande empenho de todos para que o prejuízo pela suspensão da aula seja minimizado”, diz.
Aluna da Escola Municipal Pastor David Richard Blackurn, no Alto da Bondade, Keilaine Santos, 12 anos, do 8º ano, está gostando das aulas virtuais. “A saudade da escola é muito grande. Mas o jeito é estudar a distância. Está sendo bom”, diz Keilaine. Enquanto ela faz as tarefas escolares sozinhas, sua mãe, Kamila Santos, 30, dá atenção aos seus irmãos menores.
Em Caruaru, no Agreste, uma das aliadas para fazer chegar o ensino remoto a lugares de difícil acesso ou para famílias de baixa renda é a televisão. Por meio de uma parceria com a Câmara Municipal de Vereadores, aulas produzidas pela Fundação Roberto Marinho são transmitidas pela TV Câmara.
Na zona rural, no distrito Xicuru, Alana Santos, 12, aluna do 7º ano da Escola Municipal Maria do Socorro Freitas, acompanha as atividades diariamente. A sala de sua casa virou a sala de aula. “Preferia aprender com meus professores porque estou mais acostumada com eles. Só que com o coronavírus num dá para sair de casa”, afirma Alana. “É melhor para não chegar no fim do ano sem saber de nada”, comenta o irmão dela, Alisson, 16, do 9º ano.
No Sertão, em Carnaíba, a saída da Secretaria de Educação para atender os alunos que moram em sítios sem acesso à internet foi entregar as tarefas em cada residência, muitas vezes levadas pelas professoras ou por agentes de saúde. Regularmente os cadernos de atividades são devolvidos, enquanto os docentes monitoram a realização delas.
É embaixo de uma árvore, na frente de sua casa, no Sítio Jatobá, que Roseli Silva, 32, passa um pedaço do dia com os filhos Marcos, 9, Bruno, 7, e Wellington, 5. “Eles sentem muita falta da escola. Perguntam o tempo todo quando vão voltar. Faço o que posso, ajudo nas tarefas que as professoras mandam. Só estudei até a 4ª série e sei a falta que estudo faz”, diz Roseli. Os meninos estudam na Escola Municipal João Joaquim de Souza.
“O aprendizado não é igual como acontece na escola. Mas estou ajustando o jeito de ensinar. As famílias têm ajudado muito. Porque temos que garantir que as crianças não vão estacionar, que a pandemia não vai atrapalhar tanto o desenvolvimento delas”, afirma a professora Rozineide Bezerra, 36.