Uma das grandes expectativas dos estudantes que estão se preparando para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é sobre o tema da redação. Um bom desempenho na redação pode fazer diferença no resultado final.
Por isso, a cada ano, os professores têm investido em dinâmicas que possam enriquecer o repertório dos alunos para além das técnicas regulares ensinadas em sala de aula. No Enem 2022, os candidatos tiveram de dissertar sobre os “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”, o que gerou uma grande surpresa até mesmo entre os professores.
A coluna Enem e Educação, deste JC, conversou com professores especialistas em produção textual e alunos do ensino médio, sobre as estratégias que estão sendo adotadas com foco nos possíveis temas que podem cair no Enem 2023.
A professora de redação Fernanda Bérgamo, defende que reinventar dinâmicas é um passo educacional extremamente importante, alinhado ao trabalho desenvolvido em cima das cinco competências que são cobradas pelo Inep na produção textual. É nesse ponto que o uso do repertório que cada aluno possui, entra em jogo nesse processo preparatório.
“A grande diferença entre um texto nota mil e um texto de nota regular, é exatamente como o aluno utiliza o seu repertório. Todos nós temos um repertório, alguns mais e outros menos, alguns mais profundos e outros nem tão profundos. A questão é a dificuldade em saber como usar e em quê usar esse repertório. A maioria dos estudantes, infelizmente, acha que citar um dado estatístico atual do IBGE, ou uma citação de alguma autoridade ou um filósofo conhecido, daria uma nota maior do que ele citar a letra da música que ele gosta, por exemplo”, explica Fernanda Bérgamo.
A “receita” para uma boa redação exclusivamente relacionada ao nível de conhecimento do aluno sobre o tema da edição, mas de que forma ele pode conectar seus argumentos, com base nas competências exigidas e nas vivências acumuladas no seu cotidiano. A organização do que será colocado no papel contribui muito para uma boa produção textual descomplicada.
Para a professora Thaiane Albuquerque, da Escola Técnica Estadual (ETE) Miguel Batista, é fundamental que os alunos compreendam que esse repertório não precisa estar preso ao extraordinário e ao clássico. “O grande diferencial é a conexão que o aluno vai fazer da música, do filme e da série, com a temática proposta pelo Inep”, afirmou.
“O que faz com que o aluno perceba que sustentar uma tese, um ponto de vista, é algo que extrapola a temida redação. Realmente a produção de escrita é algo que causa ansiedade nos estudantes, mas se a gente consegue fazer com que ele perceba que aquele texto é consequência de um ponto de vista que ele constrói muitas vezes em outras circunstâncias, talvez até com mais tranquilidade, isso acaba se tornando mais uma consequência”, disse a professora Thaiane Albuquerque.
O protagonismo dos estudantes e o cuidado com a saúde mental
Colocar o aluno como protagonista na construção de teses e soluções, também é uma estratégia valiosa para combater o receio com relação ao tema que vai ser encarado.
O professor de redação Eduardo Alves, que teve a melhor nota de redação entre as escolas públicas do Brasil, explica que essa insegurança sobre o preparo do candidato com relação ao tema acontece quando esse aluno estuda de forma muito tradicionalista.
“Ou seja, o professor é sempre o centro do conhecimento, mas hoje estamos vivendo uma era diferente, com muita tecnologia, e que o aluno precisa ser o protagonista. O professor vai ser ali um orientador, mas os alunos têm que trocar ideias, discutir problemas e para chegar a uma solução. Quando isso é colocado em sala de aula, eles chegam com uma segurança maior, principalmente na prova de redação”, afirmou Alves, que integra a equipe de professores do programa EducaPE Prepara.
A iniciativa digital da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE) irá fornecer mais de 100 aulas remotas até o dia da aplicação das provas do Enem 2023. Todo conteúdo está sendo disponibilizado no canal do Youtube do projeto EducaPE Prepara.
O fator emocional destes estudantes é outro ponto que precisa ser levado em consideração. É o que destaca o professor de Língua Portuguesa e Produção Textual do curso Pré-vestibular da Universidade de Pernambuco (UPE), o Prevupe, Raul Felipe de Lima Pereira.
“Antes de tudo, é importante reconhecer os alunos como indivíduos capazes e que estão assustados por inúmeras questões, que vão desde a falta de habilidade nas práticas que envolvem a escrita até o peso que a responsabilidade dos processos seletivos já ocupam em suas mentes”, disse o docente.
“Tornar esta prática gradual e bem estruturada só é possível quando estabeleço uma base sólida de segurança na saúde mental dos meus alunos. Então a partir de um território sadio e acolhedor, consigo utilizar do direcionamento exigido através das competências para que os mesmos consigam escrever sobre qualquer coisa”, complementa Raul Felipe.
O professor do Prevupe explica ainda que a sua metodologia está voltada ao que chama de “PADUA” e que tem alcançado ótimos resultados. A sigla significa: Prática regular; Análise de modelos corrigidos que alcançaram boas notas; Discussão de temas e tópicos interessantes em sala; Uso de jogos de escrita, tempestade de ideias; e Abordagem gradual, começando sempre com tópicos simples e progredindo para mais complexos.
“O aluno contemporâneo precisa ter bagagem de mundo, conhecer um pouquinho sobre todos os nossos problemas sociais, uma vez que o tema dos processos seletivos sempre trazem temas transversais (que exigem diversos pontos de vista)”, afirmou o docente.
Olhar crítico e bagagem de vida
A estudante do Colégio Saber Viver, Letícia Suarez Queiroz, de 16 anos, está no 1º ano do ensino médio e deseja cursar medicina. Ela disse que vai fazer o Enem este ano como experiência e que tem buscado elevar o seu repertório cultural, por entender que o tema da redação pode ser uma questão desafiadora.
"Faz um tempo que temos na escola o contato com esse conceito de ampliar o nosso repertório sociocultural. Os professores já recomendam a utilização de séries, música, filmes e livros. Eu acho isso muito importante porque aqui na escola, nós utilizamos o método da Fernanda Bérgamo que diz que esse repertório pode ser a 'cereja do bolo', um complemento que faz a redação ficar 100% melhor", comenta Letícia.
Para a estudante do 3º ano da ETE Miguel Batista, Maria Clara Nascimento de Oliveira, de 17 anos, além do olhar mais crítico sobre os acontecimentos no dia a dia, não adianta escrever duas ou três redações por semana, se o aluno não vai conseguir corrigir os erros que eventualmente possam estar cometendo ao discorrer sobre o problema.
"O invés de fazer muitas redações, pego os eixos temáticos mais atuais e tento escrever sobre aquilo, pensar se errei mais na competência culta, na argumentação, então focar nesse tipo de coisa. Eu foco no que estou errando para tentar aprimorar e chegar num êxito maior", afirmou.
"Tudo que está acontecendo no mundo influencia sobre o tema. Nós estamos passando por um momento mais turbulento, principalmente no Brasil, de troca de governos e isso pode influenciar muito e talvez eles tragam mais minorias para os temas, nos problemas que circundam a situação humanitária. Apostaria mais nisso em analisar os problemas sociais", avaliou a estudante Maria Clara Nascimento.
Você sabe quais são as competências exigidas pelo Inep na redação?
Os candidatos que vão fazer o Enem 2023 devem seguir alguns critérios avaliados pelos organizadores da prova. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) exige cinco competências na redação. São eles:
Domínio da norma padrão da língua portuguesa; Compreensão da proposta de redação; Seleção e organização das informações; Demonstração de conhecimento da língua necessária para argumentação do texto; Elaboração de uma proposta de solução para os problemas abordados, respeitando os direitos humanos
"Um medo real é cobrado pela competência número cinco que diz que o candidato precisa apresentar uma proposta de intervenção para o problema desenvolvido. E não é só colocar a solução, eles tem que colocar a proposta de intervenção, com agente, ação, meio, objetivo e detalhamento. Se não tiver esses cinco, ele não bate os 200 pontos da competência cinco", destaca a professora Fernanda Bérgamo.
No entanto, ela reforça que quando se propõe uma solução, os alunos precisam compreender que isso se refere a tese que o candidato desenvolveu no texto. "Cabe ao aluno escolher teses que ele antecipadamente já saiba apontar soluções", afirmou a docente.