Dos cargos vagos para a magistratura no Brasil, 20% são reservados para pessoas negras, incluindo pretas e pardas, mas esses espaços não vêm sendo historicamente ocupados. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, citados pela presidente da Abayomi e procuradora federal, Chiara Ramos, hoje o país possui mais oito mil cargos vagos para a carreira de juiz ou juiza de Direito, sendo mais 1.600 reservados para pessoas negras.
“Poderíamos elencar diversas razões para que pessoas negras não sejam aprovadas ou sequer se inscrevam para concorrer a esses cargos, como as cláusulas de barreira, a falta de paridade nas condições para preparação, as crenças limitantes dessa parcela da população, que possuem raízes profundas nos estereótipos raciais antinegros”, explicou Chiara Ramos.
Para Lívia Nascimento, 26 anos, que foi aprovada nos concursos das Defensorias Públicas Estaduais de Rondônia e de Mato Grosso do Sul, é preciso observar que o racismo, a LGBTQIAP+fobia, o classismo e o capacitismo “ainda seguem operando de forma eficaz em ser perversa, limitando a possibilidade de participação nos espaços de poder e tomadas de decisões do país”.
Ela conheceu a Abayomi, iniciativa criada por juristas de Pernambuco e que oferece cursos de capacitação a um valor simbólico, além de oferecer bolsas de estudo, em 2020. Segundo Lívia, o senso do “quilombismo”, do trabalho em equipe e as trocas não só intelectuais a fizeram não desistir dos estudos.
Existe uma grande reivindicação para que os editais voltados para o Judiciário levem em consideração as desigualdades históricas, estruturais e interseccionais da população abrangida pela lei de cotas, para que sua efetividade não seja prejudicada.
“A exemplo da cláusula de barreira, que é a limitação quantitativa de avanço nas fases avaliativas do certame, quando se poderia estabelecer apenas um número mínimo de pontos em todas as fases; do remanejamento automático das vagas reservadas não preenchidas para a ampla concorrência, quando o justo é transferir primeiro as vagas reservadas entre as diferentes modalidades de cotas, já que todos os grupos (de pessoas negras, indígenas, com deficiência, entre outros) se encontram em vulnerabilidade, e somente no caso de sobrar vagas em todas as modalidades, é que se remanejada para ampla concorrência”, observou Lívia Nascimento.
FUNDAMENTOS DAS ANCESTRALIDADES NEGRAS E INDÍGENAS
Nas capacitações realizadas pela Abayomi Justistas Negras, além dos conteúdos tradicionais, também é abordado os fundamentos das ancestralidades negras e indígenas. Segundo Chiara Ramos, trabalhar na perspectiva da ética ubuntu, que está associada a uma ideia ampla de justiça, é uma peça fundamental na preparação de uma jurista negra ou indígena para um concurso do sistema de Justiça.
“Na perspectiva da ética ubuntu, toda realidade está integrada, conectando-se de maneira circular a partir de três dimensões complementares: a de nossas/os ancestrais; a das pessoas que estão vivas; e a das que ainda não nasceram. O que somos no presente guarda relações intrínsecas com a nossa ancestralidade – com aquelas/es que vieram antes de nós –, conectando-se também e de maneira indissociável com as pessoas que estão por vir”, explicou a presidente da Abayomi.
“Entender-se como parte integrante dessa tríade resulta na compreensão de si como elemento inerente a essa totalidade que, ao mesmo tempo, também nos compõe, do que decorre a obrigatoriedade ética de compromissos com a comunidade do ontem, do hoje e do amanhã”, completou.
Abayomi Juristas Negras lançou na última semana, o programa de amadrinhamento para mulheres negras e indígenas. O objetivo é conseguir parceiros para custear a participação delas em cursos preparatórios para concursos públicos na área da magistratura.
O apoio pode ser possível através do fornecimento de bolsas para a turma de base da metodologia de aprendizagem abayomi - MADA, que se trata de um estudo aquilombado.
Débora Gonçalves, co-fundadora da Abayomi, aponta que o principal objetivo do amadrinhamento é beneficiar essas mulheres - estudantes ou já formadas em direito, que estejam em situação de vulnerabilidade econômica e que tenham o desejo de fazer carreira na área jurídica. Os valores das bolsas podem ser consultados no site da instituição.
“Nós nos dedicamos para que a Abayomi atue como ponte para as conquistas dessas mulheres, mas precisamos de mais gente, para que juntos possamos puxar outras”, disse.