Com a volta às aulas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) faz uma alerta para que os municípios brasileiros priorizem uma etapa fundamental da trajetória escolar de crianças e adolescentes: a alfabetização.
O Unicef aponta que em Pernambuco, segundo dados do Saeb 2021, 56% das crianças do 2º ano do Ensino Fundamental da rede pública do estado não foram alfabetizadas na faixa etária esperada. Elas se somam a outras milhares de meninas e meninos no Brasil que estão na escola, sem saber ler e escrever.
O cenário nacional, que já preocupava antes da pandemia de covid-19, se agravou ao longo dela – saltando de 39,7% de crianças não alfabetizadas no 2º ano do Ensino Fundamental na rede pública no Brasil em 2019 para 56% em 2021.
“Ciclos de alfabetização incompletos impactam diretamente nessa caminhada, podendo gerar reprovações e abandono escolar. Quando não se aprende a ler e escrever na idade certa, a criança passa a ter mais dificuldade, acaba sendo reprovada e pode ser levada a abandonar os estudos”, afirmou a especialista em Educação, Verônica Bezerra, chefe do escritório do Unicef no Recife.
Os resultados obtidos pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) são formados por um conjunto de avaliações externas em larga escala e permite ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realizar um diagnóstico da educação básica brasileira e de fatores que podem interferir no desempenho do estudante.
O Saeb é realizado a cada dois anos para avaliar o desempenho de estudantes em língua portuguesa, matemática e outras disciplinas no 2º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e no 3º ano do Ensino Médio.
O Ministério da Educação (MEC) e o Inep estabeleceram, em 2023, a pontuação na escala do Saeb que define uma criança alfabetizada: 743 pontos. A definição da pontuação é resultado da pesquisa Alfabetiza Brasil, realizada com 251 professores alfabetizadores das cinco regiões brasileiras e das 27 Unidades da Federação e especialistas durante os meses de abril e maio do ano passado com intuito de identificar o conjunto de habilidades de leitura e escrita esperadas ao fim do segundo ano do Ensino Fundamental.
“Enfrentar esse desafio passa por duas estratégias principais e urgentes que precisam acontecer de forma simultânea: alfabetizar quem chega agora aos anos iniciais do Ensino Fundamental para garantir que aprendam a ler e escrever na idade certa e tomar medidas para alfabetizar quem ficou para trás, sem aprender, recompondo a aprendizagem com um apoio específico . Para isso é preciso investir em práticas pedagógicas de qualidade”, completou a especialista.
Também é importante a implementação de propostas de recomposição das aprendizagens voltadas aos estudantes que não aprenderam a ler e escrever até o 2º ano do Ensino Fundamental, e agora precisam de um apoio específico para recuperar o tempo perdido e avançar.
COMPROMISSO NACIONAL
Em junho do ano passado, MEC lançou o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, com o objetivo de assegurar que 100% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2° ano do Ensino Fundamental, além da recomposição das aprendizagens, com foco na alfabetização de 100% das crianças matriculadas no 3°, 4° e 5° ano afetadas pela pandemia.
Até o final de 2023, segundo o MEC, 100% dos Estados e mais de 90% dos municípios haviam aderido ao programa. “É essencial, agora, acompanhar de perto a implementação desse programa, avaliando as propostas de alfabetização que estão sendo desenvolvidas em cada município e os resultados concretos delas na redução do analfabetismo no País”, defende Mônica Dias Pintos, chefe de Educação do UNICEF no Brasil.
REGIME DE COLABORAÇÃO
O êxito das políticas voltadas para as práticas pedagógicas que foquem na alfabetização das crianças e adolescentes depende do regime de colaboração entre União, estados e municípios. As ações precisam ser monitoradas e avaliadas em um trabalho conjunto com os entes federados.
A secretária executiva de Gestão Pedagógica da Secretaria de Educação do Recife, Ana Selva, considera que, mesmo diante dos desafios evidenciados na pandemia, há avanços importantes desde os resultados indicados pelo Saeb 2021, nestes dois últimos anos.
“Avançamos na conscientização dos municípios que precisam sim, dar um olhar especial para a a fase do percurso escolar e pensar em estratégias que não sejam só específicas para o 2º ano do ensino fundamental, mas de todo processo de alfabetização que vem desde a pré-escola, para que possamos de fato contribuirmos e fortalecemos as práticas pedagógicas no sentido de que as crianças consiga ser alfabetizados no final do ciclo do segundo ano”, avaliou Ana Selva.
No Recife, desde 2021, está em vigor nas escolas o programa Primeiras Letras, que busca garantir o letramento dos estudantes da rede municipal na idade certa, ou seja até os sete anos de idade.
“O programa Primeiras Letras tanto tem relação com o Criança Alfabetizada do Estado, como também dialoga com o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, do governo federal. Entre nossas ações, temos um grupo grande de formadoras que atuam não só na formação mensal dos professores alfabetizadores, mas fazem também o acompanhamento nas escolas. Esse acompanhamento é fundamental para que de fato, as estratégias que você trabalha a nível de informação, possam acontecer no dia a dia”, explicou a secretária executiva.
Ela também destaca que na prática, o Recife tem trabalhado com foco na recomposição de aprendizagens, inclusive por meio de material próprio para ajudar no letramento dos estudantes. "Esse percurso não vem só acontecendo no nível dos anos iniciais, mas nos anos finais também", afirmou Ana Selva.
RECUPERAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Dentro das boas práticas voltadas à recuperação da aprendizagem, o Unicef destaca a estratégia Trajetórias de Sucesso Escolar, que tem sido realizada em parceria com as Secretarias Estaduais de Educação.
O objetivo é facilitar um diagnóstico amplo sobre a distorção idade-série e o fracasso escolar no País, e oferecer um conjunto de recomendações para o desenvolvimento de políticas educacionais que promovam o acesso à educação, a permanência na escola e a aprendizagem desses estudantes.
O site da estratégia disponibiliza materiais pedagógicos – com as experiências didáticas –, textos, vídeos e dados relativos às taxas de distorção idade-série, abandono escolar e reprovação, com recortes por gênero, raça e localidade, que mostram as relações entre o atraso escolar e as desigualdades brasileiras. Para essa estratégia, o Unicef conta com a parceria estratégica de Instituto Claro, Porticus, Itaú Social e Grupo Profarma.