Bolsonaro, os coveiros e a história da covid-19 no futuro

Bolsonaro vem tratando a questão das possíveis mortes e do infectados dentro de uma análise de probabilidades
Fernando Castilho
Publicado em 20/04/2020 às 23:00
Bolsonaro criticou manifestantes Foto: Foto: AFP


Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios,

Na vida pública, algumas frases marcam. “Fi-lo porque quí-lo”, de Jânio Quadros. “Não me deixem só”, de Fernando Collor. “Nunca antes na história dessa pais”, de Lula. Jair Bolsonaro pode ter cunhado a sua na noite desta segunda-feira: “Eu não sou coveiro”. O presidente respondia à pergunta de um jornalista sobre a quantidade de mortos em decorrência do novo coronavírus, durante fala em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.

De fato, não é. Mas só o tempo dirá se a frase, que não embute apreço pela vida das pessoas que estão morrendo na covid-19, poderá se tornar marca que ele terá que carregar pelo resto da vida, exatamente, em função do que ela representa diante de uma necessidade de cada vez maior de coveiros para sepultar os milhares de mortos.

O problema é que ela não é uma frase solta. O presidente mesmo quando se refere às vítimas da epidemia, relativiza o impacto da doença no Brasil.

Bolsonaro vem tratando a questão das possíveis mortes e do infectados dentro de uma análise de probabilidades. Na sua cabeça, o número de vítimas fatais é alto, mas inevitável. E não tem o mesmo valor que outras autoridades lhe dão.

E, também, porque é facilmente comparável à violência das cidades. E ao fato de o país ter um histórico de mais de 50 mil mortes violentas, por ano, travestidas pela sigla CVLI, um neologismo policial que define os Crimes Violentos Letais Intencionais.

O problema é que essa tragédia social é apresentada nos programas policiais de forma diluída ao longo do ano. Não ocupa 70% do Jornal Nacional, nem as primeiras páginas dos grandes jornais brasileiros como vem desde março. E nem exibe a imagem capturada por drones de covas rasas enfileiradas.

A diferença entre as mortes por CVLI e as da covid-19 é a prevalência da necessidade de um aparato médico e a riqueza de detalhes no atendimento das vítimas que tornam, cada uma delas, um drama que as pessoas normais associam em poder se ver dentro um cenário social cada vez mais próximo de suas casas.

O erro de Bolsonaro, e seus seguidores, é relativizar 1.000, 2.000 e talvez, nas próximas semanas, 5.000 ou mesmo 10 mil devido à perspectiva trágica em função da falta de suprimentos e até pessoal médico para atender a cada um desses personagens.

O que difere a perspectiva dos mortos por CVLI (entre eles o feminicídio) é o fato de que essas mortes por covid-19 vão acontecer com transmissão ao vivo e em escala crescente e forte cobrança de atitudes do Governo que ele comanda.

Não vai dar para usar apenas o quadro geral porque, cada um dos estados, contará seus mortos e exibindo as dificuldades no atendimento num número nacional que vai abrir, por semanas, os noticiários da TV.

Isso vai atingir também o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, se ele não demonstrar atenção com cada uma dessas vítimas, ou achar que a remessa de 10 ou 15 respiradores podem marcar a atuação do ministério nos estados. Ou suficiente para atender as demandas enquanto faz teste para entender o comportamento do vírus no Brasil.

O problema dos personagens dessas mortes é que, antes de chegar nos coveiros, passam por filas de desesperados nas portas dos hospitais, pelas salas vermelhas dos hospitais do setor público e pelos hospitais de campanha com cobertura, em tempo real nas redes sociais tão caras ao presidente.

E onde, a cada dia, os números de respiradores necessários são contados as centenas e até milhares até chegarem nos coveiros que estão sendo obrigado a tomar providências muito assustadoras até mesmo para quem fez do gesto de enterrar pessoas o seu ofício.

Por isso a frase de Bolsonaro assusta. Pelo que poderá vir a significar para ele no futuro.

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