Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios
No final de 1979, depois de uma pesquisa que dourou três meses, o jornal O Estado de S. Paulo, publicou uma série de reportagens sobre os gastos do ministros com despesas domésticas onde se descobriu que, apenas na casa do ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, o consumo de macarrão chegou a 2 mil quilos por mês. A reportagem gerou o que ficou conhecido como o “Escândalo das mordomias”.
O governo Ernesto Geisel reagiu furioso, acusou o jornal de sensacionalismo, assessores se queixaram de invasão de privacidade dos ministros e o Planalto distribuiu informações esclarecendo as compras. Mas, internamente, o general Geisel mandou dar “uma geral” nessa despesa inaugurando um linha de cuidados com o custeio do setor público que nos levou, anos depois, à venda das mansões do Lago Sul de Brasil e à Lei de Responsabilidade Fiscal. A reportagem foi profilática, embora no Congresso, pouca coisa tenha mudado.
A história vale para usar a fala do ministro Gilmar Mendes que, neste final de semana, disse que "o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável", o que gerou grande contrariedade entre os militares.
Ele se referia às políticas do Ministério da Saúde, chefiado, interinamente, pelo general Eduardo Pazzuello, no combate ao novo coronavírus.
Gilmar Mendes já estava incomodado com a “performance” do ministro interino há 57 dias no caro, e com o fato de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não dá sinais de que nomearia um novo titular tão cedo. Portanto, sua opinião já era conhecida.
Mas o frase usando o termo “genocídio” incomodou o estamento militar que considera sua participação nas ações da covid-19 uma missão. E entre os fardados missão dada é missão a ser cumprida. Ainda que incomode a tropa.
Isso explica a nota distribuída pelo ministro da Defesa e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na qual repudiam veementemente a acusação apresentada por Gilmar Mendes.
Mas assim como a reportagem do “Estadão”, lá em 1979, a perturbadora fala de Gilmar Mendes mais ajuda do incomoda aos generais.
Porque dá força a tese de que existem militar demais no governo Bolsonaro que se aproveita, não da sua capacidade, mas a exibe como instrumento de apoio.
Apesar da resposta dura do generais, especialmente quanto a essa imagem de “colar” a presença no Exército no combate à covid-19, a fala também serve de argumento do grupo que quer “mais quartel e menos gabinete em Brasília”.
E o generais pegaram exatamente a palavra de Mendes para esclarecer que “Genocídio” é definido por lei como “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (Lei no 2.889/1956). Trata-se de um crime gravíssimo, tanto no âmbito nacional, como na justiça internacional, o que, naturalmente, é de pleno conhecimento de um jurista.
Incomodou muito. Mas o lado terapêutico é que a agressão do ministro deve forçar ao presidente cuidar do ministério da Saúde além e sua recuperação da covid-19.
Até porque Pazzuello precisa voltar a tropa uma vez que não deseja ir para a reserva agora. Com todo direito e depois de anos de trabalho ele sonha com, ao menos, mais uma estrela.
Então, apesar da irritação a expressão “genocídio” usada por Gilmar Mendes, o evento vai ajudar a que a situação do Ministério da Saúde volte ao centro das atenções do Planalto.
Até porque foi, exatamente, essa longa interinidade e o envolvimento numa estratégia de combate a covid-19 - à qual tem sérias restrições - que deu margem a que um civil, como o Gilmar Mendes, se sentisse no direito de analisar a performance de um militar em missão com uma expressão tão dura.
Tipo: Presidente, estamos trabalhando duro e esse negócio só está nos prejudicando. Está na hora de o senhor incluir as Forças Armadas fora disso.
E está mesmo,