Por Fernando Castilho da coluna JC Negócios do Jornal do Commercio
No meio da corrida mundial para a obtenção de vacinas contra a covid-19, se desenrola nos mercados financeiros uma espetacular disputa que envolve, ao menos, seis grandes apostas cujas empresas controladoras programam grandes lucros.
As americanas Pfizer e Moderna podem ser as mais visíveis por usarem a nova tecnologia RNA mensageiro (em vez de injetar um vírus ou parte dele, a vacina gênica faz o nosso próprio corpo produzir a proteína do vírus). Depois do Viagra, na década de 80, a vacina contra a covid-19 é a maior aposta de sucesso da empresa americana.
Mas as empresas que usam a tecnologia de adenovírus também projetam grandes lucros. Em um mês, a ações da Pfizer saíram de US$ 36,02 para US$ 42,19 e as da Moderna de R$ US$ 87,17 para US$ 159,11. Elas como a AstraZeneca são negociadas na Nasdaq.
A AstraZeneca, que fornecerá vacinas para o governo federal através do Laboratório Federal Farmanguinhos, ainda não viu suas ações decolarem como as concorrentes.
E essa valorização deve acontecer muito em breve pela força de sua parceria com a Universidade de Oxford. As vacina da AstraZeneca atrasou seus teste finais porque um grupo de pessoas que estavam testando o imunizante teve resultados diferentes que mesmos positivos exigiu uma nova rodada de análises retardando por pelo menos dois meses sua possível aprovação. Em um mês, as ações da companhia permanecem nos US$ 56,27.
Mas nada se compara às expectativas das duas outras concorrentes. A chinesa Sinovac e a Sputinik V do Instituto russo Gamalea.
A vacina da Sinovac está no meio de briga entre os acionistas que fez suas ações serem retiradas do pregão da Nasdaq em fevereiro de 2019. Desconhecida nos países ocidentais, a Sinovac ganhou destaque mundial ao aparecer forte na corrida pela vacina ao lado da Pfizer e AstraZeneca. E no Brasil, pelo embate do governador de São Paulo, João Dória, com o presidente Jair Bolsonaro.
De todas as vacinas o caso mais estranho da Sputnik V. Sobre quem são os seus fabricantes. O Gamaleya Institute of Epidemiology and Microbiology recebeu recursos do Fundo Russo de Investimentos Diretos (FDIF), que além da pesquisa financiou a produção da Sputnik V nas instalações das empresas R-Pharm e Binnopharm, que fazem parte do Grupo Alium, holding farmacêutica que controla várias empresas.
Até ser anunciada ninguém fora do mundo acadêmico sabia da existência dessa pesquisa. Quando ela foi anunciada as pessoas correram para a Internet para saber quem era e onde era a sede do Gamaleya
A Sputnik V já foi vendida para Emirados Árabes, Arábia Saudita, Indonésia, Filipinas, Argentina, México e Índia.
No caso da Sputinik V, já se sabe que a tecnologia foi a de vetores adenovirais considerados extremamente seguros e mais fáceis de projetar. O Gamaleya trabalhava em outra vacina adenoviral contra a Síndrome Respiratória do Oriente Médio e adotou à mesma tecnologia. Assim ele pode pegar um atalho e já está vacinando os russos.
A Sinovac surpreendeu pela ousadia e rapidez na entrega fina. Comparada as gigantes Pfizer (US$ 51 bilhões) e AstraZeneca (US$ 24 bilhoes), a Sinovac é uma nanica — US$ 250 milhões. Mas a parceira do Instituto Butantã no desenvolvimento da vacina Coronavac é uma das apostas de investidores da China.
Existem outras curiosidades sobre a Sinovac. Já se sabe que um dos maiores investidores na Sinovac é o Ali Baba (gigante chinesa do ramo de comércio eletrônico) que bancou a construção de uma nova fábrica, a mesma que foi visitada pelos técnicos da Anvisa há 15 dias.
De qualquer forma, não se deve esquecer que além de equipamentos médico hospitalar e vacinas especialmente para animais, a China é fabricante de 35% dos insumos farmacêuticos ativos para medicamentos básicos importados pelo Brasil. Antes da pandemia pouca gente sabia é que o país asiático só perde para a Índia, que nos vende 37% desses insumos.
A ação política de Bolsonaro chamar a Coronavac de vacina de comunistas revela desinformação do presidente sobre seu parceiro. A AstraZeneca fechou acordo com a chinesa Shenzhen Kangtai Biological Products para acelerar a entrega da vacina. Ou seja, quando a AstraZeneca entregar suas vacinas é certo boa parte delas terão sido produzidas na China
A guerra das vacinas também revela estratégias de governo experientes. Apesar do apoio as AstraZenica e a Universidade de Oxford, o governo britânico não esperou por ele. Com a vacina da Pfizer pronta, iniciou imediatamente a vacinação da população.
Isso fez a AstraZeneca perder o mercado britânico inicial e enorme publicidade sobre seu produto. O que explica porque suas ações patinam nas bolsas de Londres e na Nasdaq.
Neste final de semana a gigante britânica anunciou a aquisição da farmacêutica americana Alexion Pharmaceuticals por US$ 39 bilhões (R$ 196,83 bilhões), o maior acordo de sua história, para fortalecer sua posição em imunologia e doenças raras.
Não foi um fato isolado. O acordo foi anunciado na semana em que a AstraZênica declarou estar fazendo mais pesquisas para confirmar se sua vacina contra a Covid-19 poderia ser 90% eficaz, potencialmente atrasando o lançamento.
Pode ser, mas o fato é que enquanto a vacina da rival Pfizer foi lançada no Reino Unido e deve começar a ser aplicada nos Estados Unidos a partir desta segunda-feira a AstraZeneca não tem uma vacina.
E mesmo que consiga a AstraZeneca terá que ter a aprovação de uma agência internacional. O governo Bolsonaro que apostou tudo na vacina britânica perdeu ao menos três meses na corrida por um imunizante.