Por Fernando Castilho, da Coluna JC Negócios, do Jornal do Commercio
Comerciantes, indústrias e prestadores de serviço amargam na terça e nesta quarta uma perda de negócios que jamais imaginaram, especialmente num ano em que a covid-19 fechou milhares de postos de trabalho e muitos deles perderam colaborares para o coronavírus.
> Segundo dia de greve de rodoviários no Grande Recife com oferta um pouco maior de ônibus
> Pessoas ficaram sem ônibus por causa de uma votação dos vereadores há um mês e meio
É a primeira vez em mais de 30 anos que eles têm suas empresas paradas e sem faturar porque o cliente não chegou porque não conseguiu pegar o ônibus. Muitos deles nem abriram porque sabiam que o cliente não chegaria.
Mas o que poucos deles lembram é que há pouco mais de um mês, em plena campanha eleitoral do segundo turno, o prefeito Geraldo Julio sancionou uma lei que os vereadores chamam de "Pegadinha do Ivan", numa referência ao vereador Ivan Moraes, do PSOL, que escreveu um projeto que simplesmente proibia que motoristas de ônibus cobrassem passagem enquanto dirigiam.
A surpresa veio quando a bancada do governo não derrubou o projeto para não dar argumento de Ivan junto a seus eleitores. Mas a surpresa maior veio quando o prefeito Geraldo Julio sancionou a lei.
Todo mundo sabe que vereador não legisla sobre assuntos metropolitanos. Se fosse assim, metade dos municípios já tinham saído do Consórcio Grande Recife. Mas o prefeito sancionou a lei.
O problema é que depois de uma greve que não estava no radar do Governo do Estado e terminou numa reunião no TRT6, o governador Paulo Câmara completou o serviço de Geraldo e se comprometeu a apoiar uma portaria que estendia a proposta de Ivan para toda a RMR.
Mas também permitiu que as empresas retirassem os cobradores de todas as linhas se achassem necessário.
O pessoal da Procuradoria Geral do Estado levou um susto: como assim? "Isso na justiça vai ser derrubado", avisaram ao Consórcio Grande Recife. O acordo foi assinado e a campanha eleitoral prosseguiu. Os empresários avisaram que iriam judicializar.
Ivan Moraes se reelegeu, boa parte da base do governo na Câmara também, e no segundo turno o assunto dupla jornada não foi mencionado. João Campos venceu as eleições e os empresários cobraram a fatura.
O Sindicato do Rodoviários também cobrou o compromisso. Acordo feito na Justiça tem que ser cumprido. Os empresários dizem que estão cumprindo a lei, que não vão manter cobrador em linha, que não tem passageiro. O resultado foi uma greve fortíssima do setor no Natal.
Desde a primeira greve de ônibus, ainda em 1979, o Recife não vinha uma greve com tanta força. Os rodoviários sabem que a guerra do cobrador é perdida. A bilhetagem eletrônica anulou a função do cobrador.
Mesmo que em 95% das linhas ainda apareça alguém com dinheiro para pagar a passagem, a tendência é isso acabar. A redução de renda nos ônibus é tão grande que nem assalto está tendo para levar o valor.
O resultado disso é que na melhor semana do ano, comércio, indústria e o setor de serviços perderam vendas e produção por dois dias, sem que nenhuma autoridade do Estado tenha se pronunciado. Certamente porque nenhuma delas anda de ônibus.
Mas a greve também tem um desafio sério. Independentemente do que possa ser definido, hoje, na reunião no TRT6, é importante ter presente que é verdade que motorista não pode dirigir e cobrar passagem e que, na maioria das linhas, o cobrador cada vez menos é acionado para recebê-la.
Mas o que não pode é o sistema não oferecer facilidade para essa compra se não deseja ter motorista cantando e assoviando.
Então é urgente que o Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife feche a possibilidade de compra de forma de créditos da maneira mais fácil possível.
Tecnologia para isso já existe e pode ser feita. Por exemplo, hoje já é possível comprar créditos em centenas de lugares para telefone celular. Portanto, é tecnicamente possível fazer essa compra e obter a recarga no próprio ônibus.
Até porque as empresas e o Estado no programa de crédito para os estudantes da rede pública já fazem isso com seus alunos e funcionários, que têm a recarga no próprio ônibus.
Mas é preciso atitude do Governo do Estado através do Consórcio Grande Recife. E que o Estado se pronuncie.
Já bastam as promessas não cumpridas de tarifa única na RMR, ar-condicionado em toda a frota e gestão de um sistema de BRT que virou piada nacional no setor.
Ou o Governo do Estado enfrenta a questão do transporte público, ou o passageiro vai continuar sendo a vítima de uma leniência absurda. E pagando a conta.
Não dá para ter gestos, como o que tomou dias antes da última eleição, sabendo-se que a PGR se pronunciaria contra. Transporte público não é instrumento eleitoral de governo.
Mas nem Geraldo Julio nem Paulo Câmara vão dar uma só palavra nessa crise. Não precisam. O serviço já foi feito e agora o TRT6 deve pacificar a questão. E a cidade volta a se preocupar com a questão da covid-19, que voltou com força total.
E, amanhã, véspera de Natal, ninguém vai nem se lembrar dela. Semana que vem, Geraldo Julio nem vai ser mais o prefeito. Na verdade, o prejuízo de greve de ônibus nos dois melhores dias de vendas do Natal é fatura que Geraldo e Paulo pagam para eleger João Campos.