Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios do Jornal do Commercio
Doada em 2005 ao Governo de Pernambuco pelo irmãos Antônio Ermírio, Ermírio Pereira, José Ermírio Neto e Maria Helena Scripilliti, a casa onde morou o empresário José Ermírio de Moraes, localizada a beira mar de Piedade, vai virar um quartel abrigando, em breve, o Grupamento de Bombeiros Marítimos - GBMar, encarregado de proteção a banhistas de orla.
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Certamente, não era esse o destino que os herdeiros do ex-senador por Pernambuco imaginavam quando, naquele ano, decidiram doá-la, em uma forma de preservar o belíssimo imóvel projetado pelo arquiteto Paulo Vaz, que fica dentro de um terreno de 3.700m² de frente para o mar sombreado por coqueiros.
Afinal, a casa havia sido palco de dezenas de reuniões de articulações políticas, a partir de 1960, quando Moraes decidiu entrar numa disputa eleitoral depois de ter atuando no setor público e virado líder empresarial.
Foi nessa residência onde Moraes recebeu senadores presidentes e empresários pernambucanos. Entre eles, estava o prefeito do Recife e candidato a governador de Pernambuco Miguel Arraes com quem Moraes se elegeu, em 1962, derrotando o usineiro João Cleófas.
Mas, atualmente, a casa está sendo depredada, abrigando um grupo de moradores de rua e da praia, que a utilizam para dormir, fazendo fogueiras nas dependências. Não há nenhuma segurança patrimonial no imóvel.
A casa de Moraes, ainda hoje, se destaca pelos espaços amplos, típicos da arquitetura moderna quando Oscar Niemeyer e Lucio Costa projetavam Brasília.
É uma construção térrea, que tem apenas uma área num piso superior, onde se localizavam os três dormitórios, pouco usados pelo filhos do empresário, cujas atividades estavam centradas em São Paulo.
Ermírio era pernambucano, de Nazaré da Mata, e descendente da aristocracia rural nordestina. Graduou-se engenheiro de minas, no Estados Unidos, e em 1921 regressou ao Brasil indo trabalhar em Minas Gerais. Em junho de 1923, retornou a Pernambuco para assumir a gerência da Usina Aliança que pertencia a sua família.
Mas acabou saindo para liderar as empresas do Votorantim. Em 1960, ele foi eleito presidente do Conselho de Representantes da Escola Técnica de Recife, já como estratégia para suas futuras articulações políticas no Estado.
Ermírio de Morais decidiu pleitear uma vaga no Senado nas eleições de outubro de 1962 e elegeu-se junto com Miguel Arraes. O presidente João Goulart nomeou Ermírio de Morais para a pasta da Agricultura.
Na pasta, ele aprovou o Estatuto do Trabalhador Rural, inspirado no Acordo do Campo feito por Arraes com os usineiros pernambucanos. Em 1970, tentou se reeleger senador por Pernambuco sendo derrotado pelo arenista Paulo Pessoa Guerra.
A casa foi construída no final da década de 50, pelo mesmo engenheiro que projetou a vizinha - hoje não mais existente - e fez parte da primeira fase da atuação de Moraes nos negócios da família em Pernambuco.
Com uma área de 2.665m², o imóvel foi desenhado no conceito de arquitetura modernista dos anos 60 com grandes espaços e novos materiais feitos no Brasil. Moraes já liderava a Votorantim grande produtora de alumínio e cimento.
Casa do senador José Ermírio em Piedade
José Ermírio estudou engenharia na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, onde conheceu Camilo Steiner seu amigo até a morte e que virou vizinho na residência de Piedade.
José Ermírio foi morar em Minas Gerais onde se casou com Helena, filha de um empresário de Votorantim, iniciando em seguida sua via de empresário em São Paulo. Camilo Steiner, que conhecera sua mulher Janet, nascida naquele estado norte-americano, se casou e veio residir no Recife.
Anos depois, Camilo que virou funcionário do Grupo Votorantim e morou na sua casa em Piedade por décadas. Moraes, por sua vez, usava a sua apenas nas suas vindas a Pernambuco.
Com a morte do empresário em 1973, os filhos decidiram doar a residência ao Governo de Pernambuco manifestando o desejo que ali fosse abrigado uma instituição cultural. Isso só veio a acontecer em 2013 quando o edifício abrigou a Estação Cultural Senador José Ermírio de Moraes, como um anexo do Museu do Estado de Pernambuco.
Dirigido na época por Margot Monteiro, ex-esposa do ex-presidente do TCU, José Múcio Monteiro, o museu fez a curadoria para uma projeto que visou levar para lá a arte popular pernambucana, uma das mais ricas do País, e ganhou status um museu exclusivo no Estado. O espaço funcionou na antiga residência do ex-senador até 2015 quando foi desativado.
E ainda no ano de 2015, ela abrigou uma edição da CasaCor que fez uma série de modificações para abrigar os ambientes de dezenas de arquitetos pernambucanos.
Naquele ano, a CasaCor Pernambuco, que comemorava sua 18ª edição, abrigou uma mostra de 46 arquitetos divididos em 30 ambientes, tendo como desafio trabalhar o tema Brasilidade. Terminada a mostra, o imóvel foi abandonado em definitivo.
Registada em nome da secretaria da Fazenda de Pernambuco desde 2017, a casa agora deverá ganhar uma função que, definitivamente, está longe de qualquer pretensão dos irmãos Moraes quando a doaram na expectativa de preservação.
A casa de José Ermírio de Moraes, segundo a Fundarpe, foi destinada em outubro de 2019 para ser a sede de uma unidade do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco para a instalação no local de um quartel do Grupamento de Bombeiros Marítimos - GBMar.
Segundo a Fundarpe, a proposta é de no local ser reservado um pequeno espaço expositivo em memória do senador José Ermírio de Moraes. Apesar de sua importância, ele não está classificado como Imóvel Especial de Preservação. O Recife tem uma legislação especial para esse tipo de edificações.
O projeto, segundo a instituição, foi aprovado pelo Grupo Votorantim, ex-proprietário do imóvel, e prevê a adaptação do imóvel respeitando a arquitetura e o valor histórico da casa principal.
A proposta do uso da edificação é servir de sede administrativa e operacional do GBMar, incluindo ainda a base para viaturas, embarcações e equipamentos, além de um memorial em homenagem ao senador pernambucano, mostrando sua trajetória, fotos e relatos. Hoje, o GBMar funciona num galpão próximo a residência na mesma praia de Piedade.
No momento, o projeto está na fase de levantamento de custos para a reforma e busca por parcerias para viabilização.
O novo uso é bem diferente quando na solenidade de doação em 2005. Aos herdeiros de Moraes, o Governo de Pernambuco informou que o imóvel, contaria também com um ateliê artístico, um espaço multimídia, duas salas de formação – que servirão para aulas de dança, teatro ou de temas relacionados à arte –, uma sala de reunião, café, além de um cine-auditório com 50 lugares, onde deverão acontecer atividades cineclubistas. Quinze anos depois, isso ficou na promessa.
Ao menos, em breve, o imóvel terá um destino. Embora sem qualquer ligação com o que Antônio Ermírio, Ermírio Pereira, José Ermírio Neto e Maria Helena Scripilliti o doaram numa solenidade no Palácio do Governo então ocupado por Jarbas Vasconcelos, aliás um dos grandes colecionadores de arte popular do Estado.