A história do rei Ricardo III que, na maior batalha de sua vida, caiu do cavalo - cujas ferraduras foram mal pregadas devido a pressa para que ele o montasse - quando o animal saiu em disparada e que o levou à celebre frase: “Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!”, serve para mostrar o drama do presidente Jair Bolsonaro forçado a retirar do Ministério da Saúde o general Eduardo Pazuello, e ter que alocá-lo num posto que assegure foro privilegiado no processo que corre contra ele no STF.
Bolsonaro avalizou o trabalho de Pazuello e o fez cumprir todas às suas ordens. Como militar da ativa, o general de intendência submeteu-se às mais duras humilhações constrangendo os colegas do Exército, mantendo-se firme na percepção de estar cumprindo uma missão.
Ficou na história sua frase “Senhores, é simples assim. Um manda, o outro obedece". Proferida num hospital onde estava doente de covid-19, uma dia depois de Bolsonaro mandá-lo recusar o contrato de compras de vacinas com o Instituto Butantã.
Interpretando sua passagem no Ministério da Saúde como uma missão, Pazuello foi o protagonista de uma desastrada gestão que o foi descredenciando gradativamente até que sua situação ficou insustentável e Bolsonaro teve que se render e substituí-lo.
Que fique claro: o presidente Jair Bolsonaro não queria nem quer demiti-lo. O fez a contragosto.
Ocorre que no meio de sua atuação na pasta, o STF acolheu um processo contra sua atuação no meio da crise de Manaus e isso deixou de ser um problema do presente para se tornar uma possibilidade real no futuro.
Bolsonaro sabe que o inferno espera Pazuello se o abandonar num processo numa vara de primeira instância. General da ativa, ele corre o risco até de ser preso se o juiz natural entender que ele cometeu crime de responsabilidade. Bolsonaro está disposto a qualquer coisa para ajudá-lo.
O presidente entende que não pode jamais "abandonar o soldado". E mesmo tendo escolhido um outro ministro - tão obediente como Pazuello - decidiu que vai alocá-lo num posto no Governo que lhe assegure o foro privilegiado.
Acredita que, no STF, os advogados da AGU poderão salvá-lo. E, de certa forma, salvar a si mesmo, pois no final sempre é possível que em sua defesa Pazuello possa afirmar que apenas cumpriu ordens. Confia que o general vai se manter fiel ao capitão.
O fato é que Pazuello virou um morto-vivo na esplanada. Continua ministro porque se Bolsonaro o exonerasse seu processo seria distribuído para uma vara federal em Brasília.
O presidente não pode nem o exonerar e colocar um interino para ocupar a pasta enquanto Marcelo Queiroga não entrega sua documentação pessoal. Terá que exonerá-lo e, ato contínuo, nomeá-lo para um outro posto.
O problema é que Pazuello não poderá ficar esperando que o STF o julgue. Se o ministro relator não entender que o processo não está pronto, sua permanência no novo posto será um salvo conduto com prazo de validade de 31 de Dezembro de 2022.
É uma situação inusitada. Demitido, com o substituto a seu lado, o general continua despachando enquanto o presidente busca um cavalo, ou melhor, um lugar para que fique protegido.
O que Bolsonaro parece não perceber e que a frase de Ricardo III teve consequências cantadas numa quadrinha bem popular dos que conviveram com a história escrita por James Baldwin:
“Por causa de um prego, perdeu-se uma ferradura;
por causa de uma ferradura, perdeu-se um cavalo;
por causa de um cavalo, perdeu-se uma batalha;
por causa de uma batalha, perdeu-se uma guerra;
por causa de uma guerra, perdeu-se um reino…
Por causa de um único prego, perdeu-se um reino inteiro!”