Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

JC Negócios

Por Fernando Castilho
castilho@jc.com.br
Coluna JC Negócios

Em 10 anos, Brasil precisará de R$ 700 bi para saneamento

Marco Legal do Saneamento Básico exigirá investimentos de R$ 700 bilhões até 2033 no setor de água e esgoto.

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Fernando Castilho

Publicado em 28/03/2021 às 10:50 | Atualizado em 28/03/2021 às 11:54
No Brasil 46% da população ainda vive sem acesso à rede de esgoto e 16% não são atendidos por rede de abastecimento de água - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Imagine um Brasil chegando à universalização de todos os serviços de saneamento básico, água potável para 99% da população, e coleta de esgoto para 90% das pessoas. Pois é. Pelo que decidiu há duas semanas o Congresso Nacional, esse Brasil é logo ali, em 2033.

O problema é que, hoje, 46% da população ainda vive sem acesso à rede de esgoto, e 16% não são atendidos por rede de abastecimento de água. Ah, existem de mais de mil lixões País afora. Dito de outra forma: em apenas 11 anos teremos que crescer 44% nos investimentos para esgoto e mais 15% em abastecimento d'água.

Pelas contas da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), esta empreitada não sai por menos de R$ 700 bilhões viabilizados. Como em 2019 o setor recebeu apenas R$ 14 bilhões, quer dizer que precisaremos de, pelo menos, mais de R$ 50 bilhões anualmente.

As chances de o setor público fazer isso sozinho são próximas a zero. Daí o Marco Legal do Saneamento pôs uma cunha que extingue a possibilidade de novos contratos de programa pactuados entre os titulares (municípios) e prestadores (empresas públicas estaduais de saneamento) sem licitação.

Na prática, isso abre espaço para os contratos de concessão pelos Estados e torna obrigatória a abertura de licitação, na qual podem concorrer prestadores de serviço públicos ou privados. E aí começou a reclamação dos governadores que já sabem que não vão fazer com que suas empresas tenham fôlegos para tanto, o que pode fazê-los perder o controle das companhias.

Uma parte já definiu que vai buscar parcerias com o setor privado. Três deles já realizaram leilões - Alagoas, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Outro grupo vai esperar a publicação das regulamentação para colocar placa de venda. Até porque o prazo para publicar as metas fixadas no Marco é daqui a um ano: 31 de março de 2022.

Depois de cinco anos tramitando no Congresso, o Marco Legal do Saneamento Básico foi aprovado em 15 de julho de 2020. O presidente Jair Bolsonaro fez alguns vetos e no último dia 17 Congresso manteve as alterações do presidente, contrariando a expectativa dos governadores, especialmente no Artigo 16, que permitia que os contratos fossem prorrogados por até 30 anos.

Com o veto, os contratos de programas que já estão em vigor serão mantidos até o final de sua vigência, condicionados à comprovação de capacidade econômico-financeira da contratada, o que abre a temporada de conversas entre governo e empresas privadas.

No governo a euforia é grande. O ministério do Desenvolvimento Regional reestruturou a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), já que o novo marco regulatório atribui novas competências à agência. Também pretende reformular três fundos regionais para que eles possam entrar no ramo das "fábricas de projetos", como já acontece com BNDES e a Caixa Econômica Federal. O que pode ajudar muito as empresas do Norte e Nordeste.

A Caixa quer entrar nesse negócio e criou o Fundo de Apoio à Estruturação de Projetos (FEP) para dar assistência na modelagem de projetos de saneamento e resíduos sólidos para 24 cidades - 7 isoladamente e outros 17 municípios repartidos em dois consórcios.

Encarregado de liderar as ações em nível de governo, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, estima que pelo menos dez companhias estaduais estarão fora do sarrafo, não vão alcançar os índices do decreto de universalização, admitindo que pode ser até mais. Pode mesmo.

O caminho das parcerias parece ser o natural. o presidente da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), Marcus Vinícius Neves, que também preside a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), diz que com isso o governo não perde o controle de sua companhia e ganha agilidade para a metas de universalização com mais recursos.

No Congresso os deputados de partidos de esquerda, como PSB, PT, PCdoB e PSOL, avaliam que o Marco antecipa a venda de companhias. E que haverá uma enxurrada de processos na Justiça por causa dos contratos já firmados, gerando tumulto no setor na hora que os municípios, isoladamente, organizarem a privatização dos serviços.
Mas a questão continua: Como o Brasil, vivendo as crises sanitária do coronavírus e a fiscal com o estouro no orçamento, vai atrair tanto dinheiro privado?

SETOR PÚBLICO NÃO CONSEGUIRÁ RECURSOS

Roberto Tavares - CLEMILSON CAMPOS/ACERVO JC IMAGEM

Enquanto a secretária do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, afirma que a manutenção dos vetos foi fundamental para garantir a concorrência pelos contratos, com licitações que beneficiarão os usuários, acadêmicos, dirigentes de movimentos sociais e especialistas não acreditam que seja possível atingir as metas fixadas para 2033.

O ex-presidente da Compesa, e que também dirigiu a Aesbe, Roberto Tavares, lembra que as empresas estaduais atendem 65% de toda a população urbana brasileira com 25 companhias. "Quando a nova lei traz uma exigência que obrigará o Brasil a quadruplicar o volume de investimento, a maioria não tem como atingir as metas". Para ele, a realidade vai mostrar que a maioria delas não tem capacidade econômico-financeira para o investimento exigido em todos os municípios.

Além disso, segundo Tavares, tem município que não quer estar dentro de uma microrregião de saneamento de uma unidade de saneamento como a lei orienta que os Estados façam. "Eles vão usar a prerrogativa de fazer isso, o que vai gerar problemas sérios. Acredito que, em alguns lugares, os modelos adotados de parceria com o setor privado, como em Pernambuco, serão êxito total, em outros lugares será um fracasso retumbante."

O secretário das Cidades do governo do Ceará, Paulo Henrique Lustosa, é mais otimista e lembra que o Estado aposta num megaprojeto de dessalinização com o setor privado.

O professor Luiz Roberto Santos Moraes, da Universidade Federal da Bahia, acha que o País caminha em direção oposta ao que o mundo vem seguindo. "Estamos induzindo a criação de um monopólio privado. O mundo caminha em outra direção, pois já testou esse modelo, e viu que não é satisfatório."

O coordenador do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) radicaliza. Ele diz que a "privatização é a cloroquina do setor que pode matar o doente em vez de resolver os problemas. O projeto vem embalado por uma campanha.

Comunidade na Lagoa Olho D'água, por trás do Bairro de Catamarã, em Candeias, Jaboatão dos Guararapes. Senado aprova novo marco do saneamento básico com a participação de empresas privadas e metas a srem cumpridas em 12 anos. O custo estimado da universalização no Brasil do serviço de tratamento de esgoto é de 0 bilhões no período. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

COMPESA BUSCA MAIS PARCERIAS

A presidente da Compesa, Manoela Marinho, está no grupo de gestores que teme uma privatização acelerada de companhias estatais, embora esteja a frente de uma empresa cujo governador já avisou que planeja investir pesado nos próximos anos, até porque os investimentos em recursos hídricos são uma das marcas de sua administração.

Marinho lamenta a manutenção dos vetos presidenciais que autorizavam a renovação dos contratos de programas em vigor por até 30 anos e possibilitavam a regularização das situações em curso em alguns municípios.

Mas ela diz que Compesa se manterá dando continuidade aos projetos que executa visando à universalização dos serviços de água e esgoto no Estado e está segura em atuar em conformidade com a legislação.

"A Companhia trabalha há 50 anos em prol do saneamento de Pernambuco, é hoje empresarialmente preparada. Temos a expertise do Programa Cidade Saneada, a maior parceria público-privada do País no saneamento. Mas vamos continuar trabalhando com os diversos tipos de modelagens e na captação e recursos com instituições financeiras", diz.

Marinho diz que uma dessas apostas é o Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Rio Ipojuca (PSA), que vai beneficiar 1,2 milhão de pessoas de 11 cidades do Agreste. O projeto prevê investimento de US$ 330 milhões, juntando recursos do governo de Pernambuco e do BID.

Além disso, ela cita o Programa de Sustentabilidade Hídrica de Pernambuco (PSH), que abrange obras de implantação de sistemas de esgotamento sanitário em Santa Cruz do Capibaribe e Surubim, e a elaboração de projetos para 16 municípios.

Obra da Compesa em Roda de Fogo - MANOEL LIMOEIRO/VOZ DO LEITOR

PENSION PLAN E BROOKFIELD JÁ NO BRASIL

Enquanto o debate está se aprofundando entre as empresas estaduais de saneamento sobre o que fazer antes que os contratos de gestão terminem, possíveis investidores começam a organizar sua estratégia de atuação. E já tem gente que chegou e ocupou espaços importantes, especialmente os canadenses Pension Plan e Brookfield.

O Brookfield Business Partners LP chegou em 2017, quando assumiu o controle dos 70% que antes pertenciam à Odebrecht S.A, já o FI-FGTS manteve sua participação de 30%. Com isso surgiu BRK Ambiental.

Hoje ela é a maior empresa privada de saneamento do País e está presente em mais de 100 municípios brasileiros, em 12 Estados, beneficiando a vida de 15 milhões de pessoas. O modelo de gestão de cada uma dessas SPE segue uma estrutura alinhada ao tipo de serviço prestado à população, atendendo às expectativas e necessidades de investimento locais.

Foi com ela que a Compesa fechou a parceria para um aumento da cobertura de saneamento para 53% até 2025, e de 90% até o ano de 2037 de 14 municípios da Região Metropolitana do Recife. Em 2013, quando iniciou o Programa Cidade Saneada, a cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgoto na RMR era de 30%.

Hoje, esse índice é de 37%. No começo, 25% eram de responsabilidade da Poder Público e 75% do Parceiro Privado. Com a repactuação, foram transferidos mais investimentos para a BRK Ambiental, que será responsável por 87% dos recursos previstos no programa.

O Brookfield é gigante global em gestão de ativos, com R$ 1,5 trilhão aplicados em negócios e investimentos em mais de 30 países. O outro gigante que chegou ao Brasil foi fundo de pensão Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) que, este mês, comprou 45% da Iguá Saneamento, com investimento total de R$ 1,178 bilhão.

A gestão da companhia continua sob comando da gestora IG4 Capital. E uma outra gestora canadense Alberta Investment Management Company (AimCO) detém parte relevante das ações da empresa. O CPPIB que usar a Iguá como uma plataforma para podermos continuar investindo e aposta na futura concessão da Cedae do Rio de Janeiro.

O Pension Plan tem cerca de R$ 2 trilhões sob gestão, com ativos em todo o mundo. A América Latina representa fatia de 3,7% do montante - dos quais o Brasil responde por aproximadamente de 50%. Os planos futuros também envolvem o setor de energia elétrica, telecomunicações e rodovias.

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