Embora tenham sido apresentados como uma necessidade decorrente da Reforma da Previdência, aprovada no ano passado pelo Congresso, os ajustes da Prefeitura do Recife na Autarquia Previdenciária do Município do Recife (Reciprev), na verdade, marcam o começo de uma longa jornada que mira readquirir a Capacidade de Pagamento B junto à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), caminho já percorrido pelo Governo de Pernambuco e que durou quatro anos.
Não será fácil, embora a situação do município seja atualmente um pouco melhor que a do Estado em 2017, quando foi rebaixado de B para C juntamente com 13 estados que ficaram impedidos de fazer novas operações de crédito. Mas também não será menos dolorosa.
E isso tem a ver com o discurso de fazer um governo diferenciado que João Campos prometeu, e que já se sabe agora, ao menos em termos de maiores investimentos, que isso terá de esperar.
O que só ficou conhecido depois da feroz campanha do segundo turno de 2020 foi que o ex-prefeito Geraldo Julio não avançou nesse processo e, de certa forma, “voltou uma casa” quando ano passado deixou de pagar a parte patronal da Prefeitura ao Reciprev, gerando um débito de R$ 54,96 milhões com o fundo.
A atual secretária de Finanças da PCR, Maíra Fischer, precisou assinar, já na primeira quinzena de janeiro, uma confissão de débito se comprometendo a pagar 60 prestações de R$ 916 mil.
Ou seja, assumiu uma dívida deixada por Geraldo Julio - que só será paga no final do primeiro ano de mandato do próximo prefeito.
Na verdade, o Recife foi classificado como Capag C em 2017. Mas enquanto o o governador Paulo Câmara definiu que faria todos os ajustes para voltar a ter a classificação B, o município do Recife não fez disso uma prioridade. Agora, com as dificuldades já no Reciprev, o prefeito João Campos decidiu iniciar o processo de ajuste.
Essa situação tem como consequência a necessidade de ajuste nas contas da Prefeitura a curto prazo, uma vez que precisava renovar ainda em janeiro o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), cujo acordo assinado junto ao TCE permitiu retirar o documento junto à Subsecretaria dos Regimes Próprios de Previdência Social, com validade até 19 de julho próximo.
O Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) é o documento que viabiliza a realização de transferências voluntárias de recursos pela União; a celebração de acordos, contratos, convênios ou ajustes, bem como de empréstimos, financiamentos, avais e subvenções em geral de órgãos ou entidades da administração direta e indireta da União; e a liberação de recursos de empréstimos e financiamentos por instituições financeiras federais.
É por isso que a Prefeitura do Recife precisa apresentar à Câmara Municipal um projeto de reforma de sua Previdência.
Na época, o argumento de Geraldo Julio era de que precisava de mais recursos para aplicar nas ações de combate à covid-19. Mas o Ministério Público de Contas não aceitou, e o conselheiro Carlos Porto exigiu que a PCR voltasse a pagar suas contas com o Reciprev, o que só foi feito na gestão de João Campos.
O desafio de Maíra Fischer é percorrer o mesmo caminho de Décio Padilha, que à frente da Secretaria da Fazenda, cuidou desse movimento.
Padilha tem dito que para chegar à sonhada Capag B, o Estado precisou percorrer uma longa jornada, pois os requisitos são reduzir o endividamento; gerar poupança corrente e adquirir liquidez.
Gerar poupança corrente quer dizer fazer cortes no custeio da máquina municipal, fazer o controle na despesa de pessoal e fazer toda uma reprogramação do investimento. No caso do Governo de Pernambuco, em dois anos, o Estado cortou despesas de R$ 1,040 bilhão.
No requisito liquidez, é preciso não gerar despesa nova ou obra sem a quitação dos débitos anteriores, e implementar um teto financeiro para as secretarias, inclusive com o controle das novas licitações e aditivos de contratos.
Finalmente, organizar a Dívida Consolidada Bruta, que representa o estoque da dívida total do município como empréstimos, refinanciamentos e até precatórios.
Finalmente, chegar a um comprometimento da despesa de pessoal que junte a Prefeitura e a Câmara menor que 57% da Receita Corrente Líquida.
Todo esse caderno de encargos terá que ser percorrido pelo Recife se quiser ampliar sua capacidade de investimentos em 2022.
Ontem, a Prefeitura anunciou um Plano de Ajuste Fiscal, ainda no primeiro mês do ano que vem, com previsão de economia de R$ 100 milhões em cortes no custeio e inicio de um robusto processo de modernização e transformação digital nos serviços públicos e processos internos.
A proposta da Prefeitura prevê o reajuste de pouco mais de 1 ponto percentual na alíquota de contribuição, passando de 12,82% para 14% - exigência para ser cumprida ainda neste ano - e a idade mínima para aposentadoria será fixada em 61 anos para mulheres e 64 anos para homens, abaixo do que o Governo Federal validou para o Regime Geral da Previdência.
A Prefeitura do Recife anunciou que fará uma mudança no Estatuto do Servidor Público Municipal com extinção da pecúnia da licença-prêmio, adequando-se aos modelos dos servidores do Governo Federal e do Governo de Pernambuco.
Além das mudanças no sistema previdenciário e no estatuto do servidor, a Prefeitura do Recife também vai fazer um Programa de Desligamento Voluntário para os servidores da administração indireta do município que estão sob o regime da CLT - Autarquias de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), de Urbanização do Recife (URB) de Serviços Urbanos do Recife (Csurb) e de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), além da Empresa Municipal de Informática (Emprel).
Tudo isso é muito importante, mas também quer dizer que João Campos corre o risco de virar um Paulo Câmara municipal, que primeiro precisou pagar os empréstimos do pai do prefeito, Eduardo Campos, para só num último ano de gestão poder ter dinheiro para um programa robusto de investimento, que ele anuncia para 2022.
O que seria uma profunda ironia.