Da reunião entre um diretor do Ministério da Saúde com um cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, dizendo-se representante de empresa americana, à ameaça do líder do governo de "enquadrar" a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que liberasse uma autorização especial, a segunda onda da pandemia do coronavírus no Brasil abriu uma "janela de oportunidades" dentro do governo Bolsonaro - assustado com o recrudescimento do número de mortes - que somente agora a CPI no Senado está revelando.
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Para se entender como, a partir de fevereiro, começou um embate entre os militares que Eduardo Pazzuello levou para o Ministério da Saúde e a atividade, tanto no Congresso Nacional, como nos corredores da pasta, de personagens muito suspeitos, é preciso olhar de novo o que aconteceu dos meses de fevereiro e março.
Para quem não lembra, na primeira semana de janeiro, morreram 6.906 pessoas. Elas passaram para 10.104 na primeira semana de março até chegar em 21.141, na 14ª semana epidemiológica que compreende a primeira quinzena de abril quando, em apenas um dia (8), morreram 4.249 pessoas.
Essa tendência que começou a desenhar já no começo de fevereiro marcou não apenas e mudança de atitude do governo Bolsonaro em comprar vacinas, como a efervescência dessas pessoas na pasta. Apenas quando, finalmente, foi fechado o contrato com a Pfizer, em março, as coisas começaram a mudar.
Mas antes tivemos a aprovação de leis que permitiriam a compra de outros imunizantes. Como a Medida Provisória 1.026, aprovada pela Câmara no dia 23 de fevereiro, que facilitou a compra de vacinas pelo Brasil reservando R$ 2,33 bilhões para a importação que incluiu ainda prazo de apenas sete dias úteis para a Anvisa avaliar o registro emergencial de imunizantes. Naquele dia, o Brasil registrou 1.386 óbitos.
Apenas no dia 19 de março, o Governo Federal assinou contratos com as farmacêuticas Pfizer e Janssen para a compra de 138 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Serão 100 milhões de doses do imunizante da Pfizer e 38 milhões da Janssen.
A Pfizer cobrou US$ 10, por dose, e deve receber US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,46 bilhões) pelas vacinas. A Janssen - braço de vacinas da Johnson & Johnson - também, cobrou US$ 10, por dose, fechando um contrato de US$ 380 milhões (cerca de R$ 2,07 bilhões). Naquele dia, morreram 2.815 pessoas vítimas da coronavírus.
O que se sabe agora é que, enquanto o número de casos subia exponencialmente, com a imprensa e as entidades médicas criticando a demora na compra dos imunizantes, o Governo começou a se movimentar para adquirir outros imunizantes abrindo a janela de oportunidades para os "corretores de vacinas".
No dia 4 de fevereiro, por exemplo, três semanas antes da Câmara aprovar a compra das vacinas da indiana Covaxin, da Bharat Biotech, e do Fundo Russo de Investimentos Diretos, dono da Sputnik V, o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), ex-ministro da Saúde, afirmou que iria pressionar politicamente e ameaça "enquadrar" a diretoria da Anvisa.
Curiosamente, no dia 25 de fevereiro, o então Diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias encontrou-se com cabo da PMMG, Luiz Paulo Dominguetti Pereira para negociar a compra de vacinas pelo governo Jair Bolsonaro.
A guerra pela venda de vacinas continuou durante todo o mês de março. No dia 23 daquele mês, o proprietário do laboratório União Química, Fernando Marques - que representava Sputnik V - acusou a Anvisa de barrar a vacina russa contra a Covid-19, por interesses políticos com a intenção é de beneficiar o governador de São Paulo, João Doria, no caso do Butantã, e o PT e o PCdoB, que têm a Fiocruz "na mão".
Naquele mesmo dia, também em Brasília, o reverendo Amilton Gomes de Paula presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) conversou no Ministério da Saúde, com o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis, Laurício Monteiro Cruz, oferecia as doses no valor de US$ 11, a unidade, com prazo de entrega de até 25 dias.
A conversa animada, num gabinete do Ministério da Saúde, aconteceu no mesmo dia quando morreram 3.251 pessoas. Ali, o revendo Amilton Gomes de Paula discutiu a venda pelo valor três vezes maior que o fechado pelo próprio Governo Federal, para a mesma vacina da AstraZeneca com a Fiocruz, (US$ 3,16) e o dobro do valor do Instituto Sérum, da Índia que cobrou U$ 5,25 dólares para entregar 2 milhões de doses numa entrega emergencial.
A confusão do Governo, seja na compra oficial de vacinas, seja na possibilidade de compra das vacinas russa e indiana mostra que a ideia de adquirir os imunizantes, só se tornou prioridade quando o número de mortes começou a subir. As mortes deixaram o Governo assustado que, ao que parece, saiu catando vacina onde pudesse encontrar para anunciar que estava atuando.
A própria vacina que Bolsonaro escolheu, a AztraZeneca, só teve o contrato final com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - para transferência de tecnologia para a produção de vacina contra a covid-19 totalmente no País - no dia 1º de junho.
No fundo, parece claro que quando as mortes subiram em março e abril foi que o Ministério da Saúde se deu conta da gravidade, partindo para conversas mais firmes. Mas aí o Brasil já tinha chegado a 12,8 milhões de infectados, em 1º de abril, e 4.249 mortes num único dia – 8 de abril de 2021.