Nos últimos anos, um pesadelo assusta prefeitos das capitais mais antigas do Brasil: Como devolver ao centro histórico a importância como local habitável seja de dia, seja à noite?
Ideias e conceitos não faltam para essa preocupação. Mas falta gente disposta a habitar esses espaços hoje degradados, a despeito de toda a infraestrutura existente nos bairros que abrigam prédios como mais de 50 anos e que poderiam ser habitados, desde que sejam restaurados em condições adequadas de habitabilidade, preferencialmente moradias.
São Paulo já escreveu uma nova legislação para isso. Rio de janeiro já definiu um programa, O Recife começa a discutir a ideia tentando um formato que combine moradia e hotelaria. E que atinja o bairro do Recife e a antiga Ilha do Vaz que abriga os bairros de São José e Santo Antônio.
Mas, enquanto a Prefeitura não sabe ainda o que fazer com o Centro, tem gente que já estudou, mapeou e até definiu um foco para esse mercado.
RETROFIT DO EDIFICIO SERTÃ
O empresário Bruno Castro e Silva, proprietário do conhecido Edifício Sertã, na Avenida Guararapes, restaurou e readaptou dezenas salas em 16 charmosos apartamentos (14 deles já locados) com um mínimo de 70 m² e máximo de 140m² destinados exclusivamente para locação a inquilinos jovens, estudantes e estão necessitando de estar perto de seus locais de trabalho e sem filhos viabilizando um modelo que pode servir de referência para o projeto de reocupação do Centro.
Para Castro e Silva, que já foi diretor geral da URB-Recife e do DER-PE, nos governos de Roberto Magalhães na Prefeitura do Recife e Governo de Pernambuco, o conceito que o poder público deve perseguir é o de titularidade do imóvel para que investidores interessados nesse mercado possam investir.
Ações como isenção de ISS, ITBI e IPTU, segundo ele, não são suficientes porque os proprietários desses imóveis não têm recursos para pagar essas taxas sem que haja um mercado que remunere o investimento.
Remissão de dívidas pode ser uma opção. Desde que o dono do imóvel esteja disposto a bancar a restauração se habitando aos créditos desse tipo de programa somente após colocar o prédio no mercado e com o novo habite-se da Prefeitura, sugere.
DESAFIO PARA AS CAPITAIS
A questão da revitalização de espaços urbanos como o Centro do Recife, de São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro é o foco de dezenas de profissionais ligados a arquitetura e urbanismo e dos movimentos sociais que desejam fazer de antigos prédios lar de centenas de milhares de pessoas hoje sem casa para morar.
Uma das questões mais desafiadoras é a questão da ocupação e realização de atividades noturnas. Para Castro e Silva existem questões centrais que precisam ser enfrentadas pela prefeitura seja no Recife ou em outra capital.
Para ele, a questão da titularidade é mais importante porque se o poder público exerce sua ação cobra judicialmente e executar os débitos fazendo leilão, um novo comprador interessado do mercado de locação vai se apresentar.
Existe um problema natural nesses imóveis, diz ele, que é questão de a propriedade estar nas mãos de herdeiros que não tem mais condições financeiras de restaurá-los. Mas eles veem nesse patrimônio um valor de mercado que não existe. Parte disso provocado pelo valor do IPTU cobrado pela prefeitura.
Segundo Castro e Silva, muitos proprietários acreditam que poderão resolver sua vida se vender a sala, o andar ou o prédio com base no valor venal que a prefeitura cobra o IPTU que ele, aliás, não paga.
O engenheiro e incorporador decidiu apostar no mercado que identificou para imóveis que sejam objetos de retrofit a partir de uma pesquisa que ele contratou a uma consultoria de mercado e que revelou o potencial para esse tipo de empreendimento para locação.
Gente com renda de até cinco salários-mínimos, jovem solteiro, nível superior ou médio com emprego, com trabalho formal ou com renda autônoma e que está temporariamente na cidade concluindo sua formação acadêmica.
PERFIL DE INQUILINO É JOVEM
O perfil de meus inquilinos bateu exatamente com a pesquisa, diz o empresário. Esse é um caminho a ser melhor analisado, especialmente por outros proprietários visand criar um programa que faça seus imóveis serem ocupados.
Como espaços de comercio, adverte Castro e Silva, não serão. O próprio desenvolvimento do e-commerce vai fazer as atividades de escritório e de comercio serem cada vez mais reduzidas.
Ele aborda uma questão importante sobre a tributação. Legalmente as prefeituras podem ajuizar dívidas de IPTU com débitos de mais de cinco anos e, a seguir, executar. O problema é que por terem sido classificados como comerciais, o IPTU tornar-se irreal e sem renda o proprietário deixa correr. Por isso Castro e Silva defende a execução e o leilão.
PREFEITURA ESTUDA PLANO
Para o secretário Desenvolvimento Econômico do Recife, Rafael Dubeux o cenário da capital pernambucana exige a combinação de dois públicos além do setor comercial e empresarial.
“Precisamos ter alguma vida noturna e o segmento de hotelaria pode ajudar por atrai um público de circula pelo espaço nesse horário" diz.
Para o secretário, iniciativas como a de Bruno Castro e Silva são uma esperança e a prova de que existe um mercado. Mas acredita que, sozinho o mercado não será capaz de devolver a sonhada habitabilidade.
Dubeux acredita que projetos como o de construção de novos hotéis com o perfil dos que já estão anunciados para o bairro do Recife e o sucesso de vendas dos dois residenciais em que serão transformados os silos do antigo Moinho Recife apontam uma direção.
Mas o desafio continua. O complexo de edificios da Avenida Guararapes foi construído na década de 1950 do século passado focado em atividades comerciais. São prédios que, teoricamente, podem ter um retrofit, mas a complexidade de voltar a ter uma titularidade que permita projetos que o transformem em residências é um desafio. Inclusive por dívidas aos condomínios que por sua vez também carregam grandes dívidas com seus antigos empregados.
GRUPO SER PROPRIETÁRIO
Curiosamente, alguns têm titularidade. Como o edifício Seguradora que chegou a ter obras antes da pandemia para ser um shopping vertical e os edifícios dos antigos institutos de servidores federais que foram adquiridos pelos controladores do Grupo SER para serem faculdades e estão vazios. Ou os prédios da Caixa Econômica Federal e do Bandepe. Além dos prédio do Diário de Pernambuco e Banco Nacional, na praça da Independência.
Parece claro que para devolver vida às áreas como o centro, primeiro é preciso identificar que parte da população estaria interessada. Depois, parece claro que programas de incentivos fiscais e até de remissão de débitos para investimentos em restauração não serão suficientes para impactar sozinhos esse movimento, E, finalmente, abordar a questão transito uma vez que o centro virou local de passagem ou apenas uma estação de transbordo sem a presença de veículos.
Uma das questões mais perturbadoras para os ultimos prefeitos foi como compatibilizar alguma atividade econômica no Centro do Recife. O esfriamento do comercio nos bairros de São José e Santo Antonio esvaziou até lojas nas Ruas Nova, Imperatriz e Duque de Caxias e degradou a Praça a Independência.
Parte disse fenômeno tem a ver com a modernização do setor com a migração para os bairros e shoppings que forma construídos na cidade e nos municípios da RMR. Mas existem questões estruturais. Na verdade, nenhum dos últimos prefeitos abordou a questão de frente. Sobrou um debate de um lago de urbanistas e do outro empresários sem que os donos dos imóveis fossem chamados.
Finalmente, existe a questão da mobilidade. O Centro virou uma estação de transbordo onde se passa pouco tempo esperando o ônibus ou trafegando em direção a outro ônibus.
FENÔMENO NACIONAL
A desocupação dos centros históricos é um fenômeno no Brasil, especialmente nas capitais mais antigas. Mas no caso do Recife alguns problemas formam somados como a decisão, na década de 70, de levar para o local os terminais e paradas de ônibus com a implantação do conceito de melhoria o deslocamento de passageiros a partir das conexões das linhas no Centro.
Sem tráfego de pessoas, sem carros, sem negócios no térreo, espaços como a Praça de Independência, Dantas Barreto e Praça do Carmo deixaram de ter vida comercial criando um vazio de milhares de salas comerciais cujos donos acreditam que, algum dia, a Prefeitura perdoe os débitos ou até execute a dívida desapropriando o imóvel pelo valor venal contido no carnê do IPTU, que hoje está completamente descolado da realidade de mercado.
Também nas duas maiores capitais do Brasil a questão da revitalização dos espaços e da reocupação do centro antigo desafia prefeitos. No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes lançou o projeto Reviver o Centro que dá isenções de IPTU e ITBI na primeira compra e bonificação construtiva na área central procurando estimular áreas onde para cada 100² de retrofit executado, o incorporador ganha o direito de fazer 40m² nutras áreas da cidade podendo, inclusive, o incorporador vender esses 40% a terceiros.
Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes criou, em julho, o programa Requalifica Centro estabelecendo incentivos fiscais para a revitalização de edifícios abandonados ou subutilizados.
SÃO PAULO CRIOU NOVA LEI
Como aconteceu no Recife, que ainda não tem um plano, empresas já estão se dedicando integralmente a novas intervenções urbanas e entrando no projeto. Um delas ja atuava no centro como criadora dos jardins verticais que cobrem os paredões da avenida 23 de Maio, uma das vias mais movimentadas da capital paulista.
A empresa Planta.Inc, pertence ao paisagista Guil Blanche e fez um mapeamento dos prédios subutilizados da região central da cidade já em 2012, mas só em 2018 pôde mergulhar de cabeça no assunto.
Seu projeto já está 100% ocupado por negócios de economia criativa. Tem a livraria Gato Sem Rabo, que trabalha só com livros escritos por mulheres, a pizzaria Divina Increnca, a galeria de arte contemporânea latino-americana HOA, o estúdio do estilista Alexandre Herchcovitch e, no Rooftop com vista para restaurante Cora, do chef argentino Pablo Inca.
A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, concluiu o projeto de restauração do Vale do Anhangabaú onde foram instalados 43 mil m² de novos pisos no local como pistas de skates, jardins pela concessionária Viva o Vale, que será a responsável pelo local nos próximos dez anos.