Saudada pelos consumidores no e-commerce, a chegada da gigante asiática Shopee, braço de comércio eletrônico da Sea Limited, está perto de dobrar sua aposta no Brasil e passou a incomodar players locais, como Magazine Luiza, Via (dona de Casas Bahia e Ponto Frio) e Americanas.
O motivo da preocupação não é uma questão de modelo de negócio, com a valorização da redução do tempo de entrega, mas com o fato da Shopee atuar num mercado cinzento chamado de cross border, onde teoricamente ocorre uma venda de pessoa física para pessoa física, não gerando tributação.
A operação da Shopee, por exemplo, já envolve mais de 1,5 mil funcionários. A companhia acaba de inaugurar seu segundo escritório na capital paulista, na região do Largo da Batata, em Pinheiros.
No balanço da Sea Holding, que tem sede em Cingapura, há um destaque sobre o crescimento no Brasil. Só no quarto trimestre de 2021, foram realizadas 140 milhões de vendas, levando a uma receita de US$ 70 milhões (cerca de R$ 350 milhões) no período, expansão de 320% na comparação com ano anterior.
Varejistas que atuam no mesmo segmento não gostam disso, e defenderam medidas urgentes para combater o mercado ilegal online. O problema é que nas vendas de produtos de outros países, o que acontece é que o vendedor se passa por uma pessoa física e se beneficia de poder importar mercadorias de US$ 50 dólares sem pagar impostos.
Investigações da Receita Federal nos contêineres importados por essas plataformas verificaram que se tratavam de milhares de pequenos pacotes com produtos declarados no valor de menos de US$ 50 dólares, mas de valor bem maior, R$ 500,00.
Entre 2018 e 2021, o cross border cresceu 67% ao ano, e já corresponde a 17% do varejo digital. Foram R$ 23 bilhões de faturamento em cross border em 2020, que já é superior ao faturamento online do segmento de vestuário. Em 2020, os consumidores de cross border somaram 37 milhões de clientes.
Eles se articulam para sugerir ao governo e ao Congresso que negociem uma MP (Medida Provisória) que englobe ações com validade imediata até o fim de maio.
O tema foi debatido no seminário “Negócios digitais x Ilegalidade: o Brasil que queremos”, realizado pelo IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) e pelo Poder360, com apoio da Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas) na semana passada, onde se discutiu a importância do varejo digital para o País e como a ilegalidade impacta a competitividade e compromete o desenvolvimento nacional.
A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, disse que os principais problemas enfrentados pelo setor relacionados ao tema devem ser enfrentados via uma lei ou uma MP.
O setor se preocupa, especialmente, com a venda de produtos falsificados, que desincentiva a criação de empregos formais no País. Liderado pelo IDV, o setor está organizando uma pauta completa sobre o assunto.
O País deixou de arrecadar até R$ 600 bilhões em 2020, o que corresponde a 11% do PIB (Produto Interno Bruto), ou 2 vezes o total do Orçamento federal para a educação e saúde.
Desse total, a maior parte (de R$ 320 bilhões a R$ 420 bilhões) corresponde à evasão de tributos e o restante (de R$ 140 bilhões a R$ 180 bilhões), são recursos que não foram arrecadados em tributos por trabalho sem registro. A estimativa é do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação).
O presidente do IDV, Marcelo Silva defendeu a necessidade de formalização da economia brasileira. O IDV representa empresas que apresentam nota fiscal, registram empregados e auditam os balanços. Um dos motivos da criação do instituto foi para o combate ao mercado ilegal.
O presidente do instituto disse que a informalidade no país passou a ser um tema banal. "Informalidade virou lugar comum". E insistiu que não se pode deixar de levar em consideração que nós estamos falando de ilegalidade.
"Sonegação é ilegal. Pirataria é ilegal. Descaminho é ilegal. Não registrar os empregados é ilegal”, afirmou Silva.
O varejo, especialmente as grandes plataformas ligadas aos grandes empresários dos setor, está preocupado. Em 2021, o e-commerce no País registrou aumento de faturamento de 27% em comparação com o ano anterior, de acordo com pesquisa da Neotrust, empresa que monitora 85% do setor no País.
Mas acompanhando o incremento das vendas online, a ilegalidade também ganhou espaço no ambiente digital. Do total de R$ 29 bilhões que deixaram de ser arrecadados pelo varejo em 2020, 70% correspondem às vendas online em sites estrangeiros, segundo estudo do IDV e da consultoria McKinsey, divulgado em 2021.
O setor quer estabelecer a equidade fiscal entre os agentes econômicos e reforçar como a ilegalidade impacta a competitividade do setor produtivo brasileiro e compromete o desenvolvimento nacional.
A evasão fiscal no Brasil somou de R$ 460 bilhões a R$ 600 bilhões em 2020, segundo estudo da IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) e a consultoria McKinsey. A indústria (até R$ 134 bilhões) e o comércio (R$ 125 bilhões) são os setores que mais registram evasão, segundo o instituto.
Segundo Marcelo Silva, o reflexo disso é que quando se faz o comparativo da taxa de desemprego do Brasil dos últimos dois meses com União Europeia, OCDE, Estados Unidos e o G7, observa-se que o Brasil está num patamar muito superior aos demais, e de modo cada vez mais estável, oscilando na casa dos 11,2%, quando os demais estão reduzindo essa taxa de desemprego depois da pandemia, como os Estados Unidos, que chegaram a uma taxa de 3,8% este ano.
Para o presidente do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda e secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, o Brasil se encontra diante do desafio de tentar implantar uma legislação que possa cobrar adequadamente os impostos do varejo dentro de uma realidade que exigirá saltar de um mundo tributário analógico para um comercio digital 5.0.
Para Décio Padilha, a legislação federal limita a desoneração do Imposto de Importação às remessas postais com valor de até US$ 50,00, desde que sejam endereçadas às pessoas físicas e é alto diante da renda média do brasileiro e de sua cesta habitual de consumo.
Isso acaba permitindo a subdeclaração dos valores das mercadorias; fornecimento de informações falsas; vendas sem notas fiscais e entrega de produtos falsificados.
Ele defendeu que as plataformas digitais (Sellers Informais/Irregulares) passem a exigir cadastramento de lojistas digitais por meio de documentação regular do Fisco e junta comercial nas operações nacionais. E uma nova Legislação Federal e Estadual imputando responsabilidade para as plataformas digitais quando ocorrer comercialização de mercadorias sem notas fiscais ou contrabandeadas/ descaminho.