Dois dos mais rejeitados sentimentos do ser humano movem o presidente Jair Bolsonaro, este relacionado ao crescimento da arrecadação dos estados em 2021 e a cobiça, no caso do presidente da Câmara, Arthur Lira, em relação ao destino dos lucros da Petrobras. E os dois juntos perpetraram o maior ataque a governadores e à estatal da história recente.
Ironicamente, a performance dos estados tem a ver com leis que Bolsonaro aprovou no Congresso, no chamado orçamento de guerra, por força da pandemia em 2020. Na ocasião, o Congresso autorizou os entes federativos não concederem reajustes aos servidores por dois anos.
Apenas essa decisão foi responsável pelo maior controle de despesas de custeio dos estados e municípios depois da aprovação na Constituição de 1988.
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Tão impactante que os governadores do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, cujas finanças estavam destroçadas, passaram a pagar seus servidores em dia, enquanto os demais começaram a fazer poupança.
O efeito pôde ser visto em 2021, quando os estados e municípios foram responsáveis pelos superávit primário, enquanto a União registrou déficit.
E esse efeito, associado à recuperação da economia como maior arrecadação de ICMS e mais o crescimento da arrecadação do mesmo imposto com a alta dos combustíveis, fez as receitas dos estados crescerem 21,43% ano passado, chegando a R$ 652,42 bilhões, segundo dados do Confaz.
A primeira consequência em 2022 foi um reajuste geral de governadores aos seus servidores, com alguns deles chegando a 20%. E em algumas categorias, zerando a defasagem. Prefeitos deram os reajustes de uma só vez já em janeiro e fevereiro.
Por outro lado, na União – que também não concedeu reajustes – o quadro era completamente diferente.
No orçamento de 2022, o Ministério da Economia não previu nenhum reajuste, criando um estresse que fez o presidente, sem consultar os seus ministros, prometer um reajuste apenas às categorias de policiais federais, abrindo uma crise que terminou sem qualquer reajuste em 2022.
Criou-se uma situação inusitada: governadores com caixa cheio concedendo aumentos e a União, que liderou proibição de reajustes em 2020 e 2021, sem caixa para isso.
Bolsonaro leu esse quadro de forma invejosa e abriu uma guerra contra os estados, acusando-os de estarem com os cofres cheios e de não ajudarem na questão do ICMS dos combustíveis. E para isso, contou com a ajuda e o empenho de Arthur Lira, que viu nos lucros da Petrobras uma forma de ajudar o presidente a se fortalecer na direção da Casa junto aos seus colegas.
O comportamento de Arthur Lira em relação à questão da Petrobras é mais agressivo que o próprio Bolsonaro.
Ele tomou a iniciativa de, ao ser informado dos aumentos que seriam aprovados, ameaçar o próprio presidente da empresa, José Mauro Coelho, de abrir uma CPI para investigar sua atuação à frente da empresa e de lhe perguntar se ele estava a serviço das concorrentes da Petrobras.
Numa ação furiosa, ele quer não apenas pressionar a Petrobras, mas até mesmo mudar a Lei das Estatais sobre a qual a empresa se ancora para agir, levando em conta as exigências da lei aprovada no Governo de Michel Temer depois da Lava Jato.
A lei da Estatais é considerada um marco por reduzir a interferência de políticos nas empresas, aumentar seus controles e normas de governança. Lira também quer mudar a tributação sobre o petróleo taxando as exportações e aumentando a tributação da petrolífera.
Tudo isso não estará em vigor até 2 de outubro, mas o presidente da Câmara quer, junto com o presidente, passar a imagem de que tem a força. E se usar a que vem demonstrando, pode mesmo, embora nada disso assegure que, na bomba, o preço vai baixar.
O problema é que tanto Bolsonaro como Arthur Lira têm ideias fixas de que o governo pode mesmo congelar os preços. Os dois acreditam que se conseguirem passar a ideia de que os preços não vão subir, ao menos, até outubro, Bolsonaro pode vencer a eleição.
Os dois rejeitam as explicações de que, com os preços do petróleo acima de US$ 120 o barril, a margem de atuação do Governo e da Petrobras fica muito estreita.
A própria ação comandada por Arthur Lira de mudar a tributação do ICMS dos combustíveis tende a se tornar inócua até dezembro, quando a Petrobras terá que fazer algum novo reajuste.
Mas ele segue determinado a apresentar uma redução nas bombas como uma ação da Câmara e do Governo. E acredita que a Petrobras tem que atuar com função social e reduzir os seus lucros. A Petrobras pode fazer isso. Mas pela lei das Estatais, terá que ser ressarcida pela União.
O comportamento radical de Lira e Bolsonaro vem se arrastando desde janeiro num embate que, primeiro, obrigou a Bolsonaro mudar a presidência da Petrobras e, agora, ter que mudar até o Conselho de Administração. Mas tem uma coisa que dificilmente eles poderão fazer ainda que mudem os conselheiros.
Fazer os dirigentes agirem contra o que manda a atual legislação. Isso porque, numa contestação, o dirigente responde com seu CPF. Ou seja, mesmo que José Mauro Coelho desejasse atender ao presidente, um passo errado o obrigaria a responder na Justiça brasileira e dos Estados Unidos.
É uma situação completamente diferente de Lira e Bolsonaro, que só respondem no STF. E nenhum dos dois tem qualquer cargo na Petrobras.
Assim, enquanto esbravejam, os dois presidentes atuam contra a empresa e contra os estados, que perderam e perderão mais dinheiro a partir de 2023.