A emocionante história de um padre que trazia cachorros de rua durante as missas até o altar da Paróquia de Santana, em Gravatá, no Agreste de Pernambuco, com o intuito de estimular a adoção surpreendeu até mesmo produtores da Netflix. Assim, o religioso João Paulo de Araújo Gomes, de 51 anos, é o único brasileiro a estrelar um dos quatro episódios da segunda temporada da série “Apenas Cães”, lançada neste mês e já disponível para pessoas ao redor de todo o mundo assistirem.
A série, que tem como premissa relatar "histórias comoventes que mostram os laços profundos formados entre cães e seus donos", descreve o trabalho social da igreja desde o surgimento até a atual atuação no município. O episódio de 48 minutos é leve e comovente, e proporciona ao povo pernambucano a oportunidade de ser protagonista em uma produção da maior plataforma de streaming do mundo.
Em entrevista à coluna Meu Pet, do JC, o padre contou só ter aceitado participar da produção para dar visibilidade a protetores e a outras pessoas engajadas na causa animal em Gravatá, e sob a condição de não ser mostrado como um herói.
"Às vezes, parece que sou o salvador da pátria, mas não sou. Só consigo socorrer e resgatar alguns cachorros. Conheço gente que tem entre 20 e 30 cachorros, que os alimentam e cuidam. Quando aceitei fazer o documentário, era para dar visibilidade para essas pessoas, que são os heróis. Meu trabalho é mudar a mentalidade das pessoas. Muitas dizem que os achavam invisíveis, mas que agora os veem”, explicou.
A relação dele com os animais "não foi planejada ou organizada, foi natural", disse. Natural do Recife, João Paulo chegou em Gravatá em 2013 e foi procurado pela equipe de um abrigo da cidade, que decidiu vender biscoitos para, com o faturamento, cuidar dos 98 animais. Ele, então, foi mais ousado: colocou como meta doar todos os cachorros.
"Criamos uma relação de amizade, vieram em outras missas e disseram que o abrigo não era um lugar adequado. Assim, pensei em trabalhar para fechar esse abrigo. Elas começaram a trazer os cachorros para a praça, alguns foram apresentados na igreja. Fizemos uma campanha bem ostensiva e fechamos o local em um ano e meio", contou.
Uma das cuidadoras do antigo abrigo e também uma das personagens mais importantes do episódio, a professora Maria Lindomar Barbosa, 59, atua na causa há mais de 10 anos. Para ela, que é o “braço direito” do padre há seis anos, é possível traçar um “antes e depois” da chegada do religioso na cidade. “Tem o antes e o depois do padre na causa animal de Gravatá. Ele mostrou os animais às pessoas com outros olhos, por ser uma pessoa influente. [Antes] os animais não eram vistos, as pessoas faziam pouco caso deles”, relatou.
Ao todo, foram três anos de gravações, com idas e vindas da equipe de cinegrafistas ao Brasil e conversas à distância, tudo feito sob sigilo até a série ser divulgada pela própria Netflix. A movimentação da equipe em Gravatá, que tem cerca de 80 mil habitantes, fez com que a população pensasse que o padre se candidataria às eleições municipais, segundo ele.
“Eles procuraram entrar mesmo na minha vida, a equipe viveu dias com a gente, gravou horas e horas para depois selecionar tudo e ficar com o resumo. Assinamos um acordo concordando que não podíamos dizer a ninguém. Como se tratava de uma equipe de seis ou mais pessoas filmando, despertava o interesse na cidade; muita gente pensou que eu ia ser candidato na eleição e achava que eu estava gravando o guia eleitoral”, afirma.
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Ações da Paróquia de Santana são mostradas pela produção, como a "benção dos animais", uma celebração com 30 minutos de duração na qual os bichinhos recebem a benção do padre, e a disponibilização de comedouros e bebedouros instalados nas paredes da instituição com ração e água para os cachorros.
Um pouco da intimidade do padre, que resgatou cinco cães e cuida deles como uma verdadeira família, também é transmitida. Um dos momentos mais emocionantes é quando uma de suas cadelas, a Cecília, que tem as patas traseiras paralisadas, ganha uma cadeira de rodas e pode voltar a andar. Outro, é quando o padre decide adotar Bianca, uma vira-lata dócil que ninguém mais quis, apesar de ter sido apresentada à igreja. Ao JC, João Paulo contou que Esmeralda, uma de suas filhas de quatro patas que também aparece no episódio, faleceu há cerca de um mês.
Apesar da visibilidade que teve, o padre relata que “o amor pelos animais é discriminado”. “Não é raro, quando fazemos postagens, as pessoas comentarem que o padre deveria estar preocupado com as pessoas. As pessoas esquecem que temos 18 obras sociais, e que o amor aos animais está interligado ao amor com as pessoas. A fé cristã tem uma preocupação com uma ecologia integral, não existe o cuidado com o ser humano quando você não tem cuidado aos animais e à natureza”, defende.
Entretanto, outros até mesmo se aproximaram da igreja ao conhecer o trabalho pelo bem estar dos bichos. “As pessoas não entendem uma igreja preocupada com os animais. Quando elas veem que um padre está preocupado com os animais, elas se encontram. Diariamente recebo mensagens de ateus e não-cristãos dizendo que tinham a visão de uma igreja chata, que não fala nada para a vida ou para o ser humano, e quando veem uma igreja que socorre o animal de rua, se interessam por ela”, disse.
Nas redes sociais do religioso, isso se revela. Em diferentes idiomas, telespectadores parabenizam o padre. "Pai, eu quero te agradecer por tudo que você faz por estes anjinhos sem asas, que Deus te abençoe por toda a eternidade", desejou um internauta, em espanhol. "Ó meu Deus. Eu estou apaixonado", disse outro, em inglês. "Muito emocionante, padre! É nítido o seu carinho e compaixão pelos animais, que o Senhor te abençoe grandiosamente sempre e que você continue sendo essa pessoa iluminada", afirmou mais uma, em português.
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