Contran suspende multa para pedestres e ciclistas, que entraria em vigor a partir de abril

Publicado em 15/03/2018 às 16:29
Foto: NE10


Foto: JC Imagem

 

O presidente do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e Conselho Nacional de Trânsito (Contran), Maurício José Alves Pereira, suspendeu nesta quinta-feira (15/3) os efeitos da Resolução 706 de 2017 que regulamenta a autuação de pedestres e ciclistas por infrações cometidas no trânsito. Para isso, o presidente assinou a deliberação 168. A multa para pedestres e ciclistas que, por exemplo, realizassem travessias fora da faixa de pedestres, já era prevista desde a criação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ainda em 1997, mas não havia regras para que fosse colocada em prática, o que foi feito no ano passado.

Segundo o Ministério das Cidades, o Contran prorrogou o prazo para março de 2019, que na avaliação do governo federal é tempo suficiente para que a matéria seja exaustivamente revisada. Oficialmente, o objetivo da suspensão, realizada no 60º Encontro Nacional dos Detrans (END), em João Pessoa (PB), é dar tempo para que os Detrans e órgãos municipais de trânsito possam discutir amplamente os procedimentos, regulamento e viabilidade da Resolução 706 na prática. A determinação de multar pedestres e ciclistas gerou muitas queixas quando regulamentada porque todos sabem que as cidades brasileiras de forma geral não oferecem a mínima infraestrutura para que as pessoas caminhem e pedalem com segurança. Por isso, não seria justo multá-las.

 

Aproveito a discussão para relembrar o Especial Multimídia #PELOCAMINHAR, que aborda a importância e o direito à caminhabilidade. Não apenas calçadas, mas arborização, travessias seguras e com prioridade semafórica, e iluminação. Acesse: http://especiais.jconline.ne10.uol.com.br/pelo-caminhar/ Na época em que a resolução foi feita, a polêmica foi grande. Assim como a pressão. Profissionais sérios, entidades e órgãos que defendem a mobilidade ativa e sustentável fizeram críticas severas à decisão. Não porque se negue que a responsabilidade no trânsito é de todos e que os pedestres e ciclistas provoquem acidentes. Mas porque eles são o lado mais frágil do trânsito e não contam com a infraestrutura e a proteção criadas e constantemente ampliadas que os motoristas têm quando estão ao volante.

 

Fotos: Diego Nigro/JC Imagem

 

A Resolução 706 do Contran entraria em vigor em abril deste ano – 180 dias contatos a partir do dia 25/10/2017 – e previa multa de R$ 44,19 para aqueles pedestres e ciclistas que atravessassem fora da faixa. O valor representa metade do valor de uma multa leve aplicada a motoristas de carro. Meli Malatesta, arquiteta e presidente da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), chegou a escrever um texto com diversos argumentos contrários à regulamentação.

 Confira na íntegra: Por Meli Malatesta

 

“Discretamente, sem qualquer debate público que pudesse gerar polêmicas, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) aprovou nesta quarta-feira (25) a Resolução 706/2017, que estabelece multas para pedestres (e ciclistas) que desrespeitem as normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro. Aprovada às pressas, na surdina, a resolução afeta a vida de todas as pessoas, porque todos somos pedestres. Assim, a partir de abril do próximo ano, pelo entendimento do órgão de trânsito nacional, conforme a declaração do diretor do Denatran, você estará sujeito a ser multado caso tenha que sair da calçada e caminhar pela pista porque a calçada é intransitável, cheia de buracos ou desníveis, como ocorre sistematicamente na maioria das cidades brasileiras. Também poderá ser multado se pressentir alguma ameaça em seu caminho e tiver que caminhar pela via, como recomendam os órgãos de segurança pública.

 

Exemplo de dificuldade de travessia na Avenida Norte Apenas para lembrar: # No Brasil, 66% das viagens diárias são feitas exclusivamente ou complementamente a pé. No entanto, os espaços públicos destinados à mobilidade urbana não acompanham esta proporção e priorizam os veículos e a velocidade; # Pedestres são obrigados a ceder sempre a prioridade ao veículo motorizado. As exceções são raras e confirmam a regra; # Os direitos dos pedestres, previstos pelo Código de Trânsito Brasileiro e pela Política Nacional de Mobilidade, não são colocados em prática pelo poder público; # Motoristas raramente são autuados por infrações contra pedestres. Assim, o desrespeito é sistemático; # O preparo dos motoristas pelos CFCs não é suficiente para garantir a prática dos direitos dos pedestres – mesmo onde há sinalização – sem que haja fiscalização. Com este ambiente absolutamente hostil, as autoridades ainda querem castigar o pedestre?

Creio que as pessoas que caminham desrespeitam a sinalização simplesmente para conseguir cumprir seus trajetos porque as calçadas são péssimas, os semáforos de pedestres são muito demorados e as faixas de travessia estão onde menos atrapalham os veículos e não onde é preciso – e mais lógico – atravessar. Parece-me que a intenção desta multa “pseudoeducativa” é aniquilar ainda mais o pedestre, apontando a ele “o seu devido lugar” para que não mais atrapalhe o tráfego e “cause prejuízos”.

 

 

Confira, também, o Especial Multimídia #ELESSÓQUERIAMPEDALAR, que fala sobre a dificuldade que a sociedade e a polícia ainda têm de ver o atropelamento de ciclistas como crime. Outra minoria nas ruas e que também será atingida pela nova resolução do Contran.

 

Acesse: http://especiais.jconline.ne10.uol.com.br/elessoqueriampedalar/  

 

NA CONTRAMÃO

Ao confrontarmos as condições do ambiente de caminhada nas cidades brasileiras e da dependência que as cidades têm de políticas que estimulem a caminhada para a sua sobrevivência, esta medida além de ser extremamente iníqua, vem na contramão do que acontece hoje na maior parte do mundo civilizado. Nelas se incentiva a população a deixar o carro em casa, usar o transporte público e pedalar.

Tudo para que as cidades fiquem menos poluídas, mas amigáveis e com sua população mais saudável. A resolução é também descabida porque quem anda a pé não passa por processo de habilitação para aprender como se comportar na via, seus direitos e deveres. Assim, autuar uma pessoa que não sabe onde e porque errou, é no mínimo impróprio e injusto. Antes de pensar em penalizar os pedestres, os conselheiros do Contran deveriam buscar a obrigatoriedade da Educação de Trânsito na rede escolar nacional, pelo menos no currículo escolar básico e secundário.

Recomendo que os responsáveis que prepararam, aprovaram e pretendem colocar em prática a Resolução 706 reflitam bem sobre o que isto significa. É claro que todo comportamento inadequado e irregular merece ser punido quando não tem justificativa. Mas, neste momento, as autuações de infrações relativas à mobilidade a pé são prematuras e certamente não conseguirão os resultados pretendidos”.

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