Transporte público como estratégia para reduzir as mortes no trânsito

Publicado em 04/08/2018 às 18:00
Foto: NE10


Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem  

 

O que o transporte público de qualidade tem a ver com a redução dos acidentes, principalmente, com a fatalidade no trânsito? Tudo. Quanto mais a população usar o transporte coletivo, menor a chance de se envolver em acidentes. A afirmação não é fundamentada em achismos. Mas em dados estatísticos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Os números mostram que os ônibus respondem por menos de 1% dos acidentes de trânsito do País. Em 2016, ano base dos dados, houve 180 mortes em colisões envolvendo ônibus (urbanos e rodoviários) no Brasil, o que representa menos de 0,5% do total de vítimas. Significa dizer que, para cada 200 mortes, uma foi de um passageiro que estava num ônibus.

 

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Por isso, o setor tem apostado na estratégia de usar o custo da mortalidade viária no País para convencer o poder público, em todas as suas esferas, a priorizar investimentos, principalmente, em corredores de ônibus – o ideal – e em faixas exclusivas que, embora não sejam o melhor modelo, já proporcionam ganhos de velocidade dos coletivos superiores a 50%, como acontece no Recife. “Diante desses dados, o que estamos esperando para salvar vidas?

Por que não investir no transporte público nas cidades? Até quando vamos ignorar que os automóveis e as motos são usados para o deslocamento de apenas 25% da população, respondem por 66% dos acidentes no País e, mesmo assim, têm quase a totalidade do espaço viário, com mais de 70% das ruas e avenidas?”, indaga o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira de Melo. O tema foi discutido durante o Seminário Nacional de Transportes Urbanos 2018 da NTU, realizado nos dias 31, 1 e 2 de agosto, em São Paulo.

Fotos: Osiris Bernardino/NTU

 

O uso do transporte público como mote para reduzir a violência e ampliar a segurança viária passa, ainda, por nuances econômicas. O trânsito que mata 45 mil pessoas e mutila 400 mil, em média, por ano, é o mesmo que gera um custo absurdo para a saúde pública brasileira. A NTU apresentou dados que apontam o valor de R$ 56 bilhões no ano de 2014 como custo com as mortes e ferimentos no trânsito, o que significa 1% do PIB nacional. Victor Pavarino, mestre em transportes urbanos pela Universidade de Brasília (UnB) e técnico da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil, apresentou dados ainda mais impressionantes sob a ótica da saúde pública e que justificam a estratégia transporte público de qualidade-redução de acidentes.

“Os custos com os acidentes de trânsito representam de 1% a 3% do PIB dos países, com impactos devastadores para os sistemas de saúde e de previdência. Além disso, o número de mortes é apenas a ponta de um iceberg no qual o conjunto de sobreviventes e/ou permanentemente incapacitados tem proporção de 20 a 50 vezes maior. 55% dos mortos no trânsito em 2016 estavam em carros e 11% em motos. Essas são importantes razões para o estímulo à migração da população ao transporte público. Além dos ganhos ambientais e de sustentabilidade para as cidades quando há o investimento em sistemas seguros de transporte”, afirmou durante o painel “O papel do transporte público no alcance das metas brasileiras em meio ambiente, saúde e desenvolvimento social”.

A urgência em qualificar o transporte público também se fundamenta em outros aspectos da saúde humana. Segundo Victor Pavarino, as lesões e mortes são os danos mais visíveis dos acidentes, mas há outras consequências sérias. “O trânsito denso e as viagens longas também têm sido associados a níveis mais elevados de estresse e outros danos à saúde mental. O crescimento desordenado em áreas urbanas provoca mais depressão entre a população, que também sofre com sobrepeso e obesidade em cidades nas quais o sistema viário é projetado prioritariamente para o uso transporte motorizado, sem infraestrutura e segurança para deslocamentos a pé ou por bicicleta. Sem falar dos danos da poluição sonora para a saúde humana”, acrescenta o especialista.

Para quem não sabe, a Meta 11.2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), na chamada Agenda 2030, determina aos países signatários – o Brasil entre eles – “proporcionar acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preços acessíveis para todos, melhorando a segurança no trânsito, notadamente por meio da expansão do transporte público, com atenção especial às necessidades daqueles em situação vulnerável, mulheres, crianças, pessoas com deficiências e pessoas idosas”.

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E lembrando que, antes da Agenda 30, o Brasil é signatário da Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito, definida em 2011, na qual governos de todo o mundo se comprometem a tomar novas medidas para prevenir os acidentes no trânsito, que matam 1,25 milhão de pessoas/ano e é a nona causa de mortes em todo o mundo, mutilando, ainda, de 20 a 50 milhões de pessoas/ano. A Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito também é coordenada OPAS/OMS. Destacando que, apesar das assinaturas e de 2020 estar ali, o Brasil ainda luta para conseguir reduzir em 10% os acidentes no trânsito.

Foto: Diego Nigro/JC Imagem

“Precisamos parar de falar em mobilidade urbana para falar em mobilidade humana. Estamos falando de vidas, de pessoas. A cada 12 minutos uma pessoa morre no trânsito brasileiro. O Brasil é o quarto país do mundo que mais mata no trânsito. São dez vezes mais mortes do que as provocadas pela dengue. Gastamos R$ 56 bilhões por ano para cuidar dos mortos, feridos e mutilados. Com esse dinheiro, poderíamos construir 1.800 novos hospitais e 28 mil novas escolas. Até quando viveremos isso? Um trânsito mas seguro passa, sem dúvida, pela educação e conscientização da população, mas a ampliação do uso do transporte público seria uma estratégia fundamental para a segurança viária”, ensina José Ramalho, diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), ONG que pesquisa e atua na educação de trânsito e segurança viária.

 

 

 

TELEMETRIA

 

Mas por que o transporte público responde por menos de 1% dos acidentes de trânsito no País? É lógico que o fato de a frota de ônibus ser infinitamente inferior a de automóveis influencia, mas há um investimento em condução segura e tecnologia realizado pelas empresas operadoras que precisa ser destacado. Principalmente em tempos dos sistemas de Telemetria para fazer a gestão de frotas, adquiridos pelos empresários não só para realizar uma operação mais segura, mas também para reduzir custos.

 

 

E, nesse investimento, quem se beneficia é o passageiro. Vamos a um exemplo prático com a São Judas Tadeu, empresa que faz a ligação da área Sul da Região Metropolitana com o Recife. Depois da instalação da Telemetria, dois anos atrás, houve uma grande redução na quantidade de eventos nas viagens. Os eventos são frenagem e arrancadas bruscas e excesso de velocidade, por exemplo. “Reduzimos de 650 para 187 eventos por dia. É como se, numa viagem de 37 quilômetros, houvesse apenas quatro eventos. É muito pouco. Com o sistema, nossos ônibus passaram a ser minuciosamente monitorados e qualquer imprudência do motorista é imediatamente registrada”, explica Allan Cardoso, gerente de manutenção. Forçados a andar na linha, os motoristas dirigem com mais prudência e, consequentemente, evitam acidentes. Os condutores que não tinham ‘eventos’ registrados, inclusive, passaram a ser premiados pela empresa. Em um semestre, foram distribuídos R$ 12 mil em prêmios aos motoristas. “A Telemetria nos permitiu esse controle e todos ganham: o passageiro, porque viaja num veículo conduzido com segurança e prudência; o motorista, porque é premiado; e a empresa, porque reduz custos. Comprávamos 30 pneus por mês e passamos a comprar apenas 20”, exemplifica o gerente.

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