Cicclofaixa do Bongi foi inaugurada em agosto, com menos de 3 km. Recife avança lentamente na prioridade viária à bicicleta. Fotos: Guga Matos/JC Imagem
O caminho ainda é muito, muito longo para que a Região Metropolitana do Recife, especialmente a capital, chegue perto de ser uma região ciclável, ou seja, com infraestrutura para que ciclistas pedalem com segurança. Domingo passado, o JC publicou amplo material sobre a revolução que Fortaleza, a capital cearense, está promovendo na ciclomobilidade local. Uma semana depois voltamos a falar de bicicleta porque a Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo) divulgou esta semana a edição 2018 do Ideciclo, o Índice de Desenvolvimento da Estrutura Cicloviária criado pela entidade para avaliar a qualidade – sob a ótica da segurança e do conforto – das ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas disponíveis em parte da RMR. E o cenário continua péssimo quando comparado com o primeiro levantamento, em 2016. O crescimento da infraestrutura foi ínfimo – Recife implantou apenas 13 quilômetros em dois anos, considerando ainda trechos que estão em obras – e, de forma geral, a RMR continua sem comprometimento com a prioridade e a segurança do ciclista. Quem pedala segue, como já o era em 2016, sendo jogado para vias onde incomoda menos. É fato.
O Ideciclo ultrapassou, pela primeira vez, os limites do Recife e alcançou outras duas cidades: Olinda e Paulista. A infraestrutura ciclável, entretanto, chegou a ser analisada pelos ciclistas em sete cidades da RMR, mas por falta de informação das prefeituras, não foi possível calcular o Ideciclo de todas. Ficaram de fora o Cabo de Santo Agostinho, São Lourenço da Mata, Ipojuca e Jaboatão dos Guararapes. Evoluímos muito pouco em infraestrutura ciclável. Não só em extensão, mas na escolha das vias para receber as ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. As gestões públicas continuam optando por afastar os ciclistas das vias principais (arteriais e coletoras) –, colocando-os nas vias secundárias (locais), que não precisam de proteção porque já são cicláveis. Pelo Ideciclo, quanto mais estruturas existirem em vias rápidas, que melhor conectam os pontos, maior o índice. Por isso, não foi à toa que o Recife teve uma evolução quase insignificante. O Ideciclo de 2016 foi 0,059, enquanto o de 2018 subiu para apenas 0,079.
“A estrutura ciclável do Recife passou de 39 quilômetros em 2016 para 52 quilômetros em 2018. Ou seja, aumentou apenas 13 quilômetros. Se o Plano Diretor Cicloviário (PDC) tivesse sido implantado pelo governo do Estado e Prefeitura do Recife, a RMR deveria estar com 190 quilômetros de malha nesses quatro anos. E somente o Recife estaria com 120 quilômetros”, revela Daniel Valença, da Ameciclo. Dos 52 quilômetros existentes hoje no Recife, o Ideciclo analisou apenas 48 quilômetros. Não houve tempo de percorrer a Ciclofaixa Bongi, inaugurada em agosto, na Zona Oeste do Recife, nem os primeiros quilômetros da Ciclofaixa Setúbal, ainda em execução.
O Ideciclo constatou, ainda, o que os ciclistas reclamam há muito tempo: que a pouca infraestrutura implantada, principalmente pela Prefeitura do Recife, ignora completamente o projetado pelo PDC. “Exatamente porque a gestão pública quer tirar o ciclista das vias onde todo mundo quer andar para colocá-lo nas ruas que não precisariam de proteção porque já têm pouco tráfego”, explica Daniel Valença.
AS PIORES
A pior estrutura ciclável do Ideciclo 2018 foi a ciclovia existente na Avenida Norte, no trecho entre a Ponte do Limoeiro e a Avenida Agamenon Magalhães, em Santo Amaro. Originalmente, a avaliação tinha eleito como a pior, pela segunda vez consecutiva, a ciclofaixa da Rua Paula Batista, que conecta os equipamentos da Estrada do Encanamento com a Estrada do Arraial, entre os bairros de Casa Amarela e Casa Forte, na Zona Norte do Recife. Mas a ciclofaixa passou por uma requalificação feita pela prefeitura e a avaliação negativa terminou sendo desconsiderada, segundo a Ameciclo. Outra observação importante é que as ciclovias mais antigas figuram entre as três piores – é o caso dos equipamentos da Avenida Inácio Monteiro (Engenho do Meio) e da Estrada do Encanamento (Casa Forte/Casa Amarela)), mostrando que a manutenção do poder público é precária.
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LADO POSITIVO
O lado positivo do Ideciclo 2018 é que ele apontou uma evolução sob alguns aspectos das estruturas cicláveis implantadas a partir de 2016. A pintura das rotas está mais evidente (o que seria esperado, já que são relativamente novas), há mais sinalização vertical e horizontal – principalmente nos cruzamentos viários – e a largura das ciclovias e ciclofaixas está sendo mais respeitada. Lembrando que esses equipamentos precisam ter as seguintes medidas: no caso das unidirecionais (uma única direção), mínimo de 1,2 metro e máximo de 1,5 metro. Já as bidirecionais (sentido duplo), devem ter mínimo de 2,2 metros e máximo de 2,5 metros.
A segurança também melhorou entre as melhores estruturas avaliadas no Ideciclo. Segundo a Ameciclo, as três mais bem avaliadas não têm situação de risco para o ciclista, como é o caso do trecho de ciclovia na Praça da República, no Centro do Recife, onde a segregação do tráfego foi feita com mini blocos de concreto. “E muito desse melhora se deve, sem dúvida, à persistência dos cicloativistas em sugerir mudanças para dar mais segurança a quem pedala. Mesmo sem haver diálogo com o poder público, como está acontecendo hoje em dia”, ressalta Valença. É preciso considerar, entretanto, que muitas das ciclovias e ciclofaixas bem avaliadas têm extensões muito pequenas. Entre as dez melhores estruturas recifenses, pelo menos 4 são do Eixo Cicloviário Recife-Olinda. A Ciclovia da Via Mangue, primeira colocada no Ideciclo 2016, caiu para 6º lugar. A ausência de qualquer arborização pesou. Outro ponto que a avaliação destaca é que, entre as dez melhores, apenas duas foram construídas pela CTTU – o que reforça o discurso dos ciclistas de que a prefeitura vem ‘acomodando’ a bicicleta onde é possível no lugar de colocá-los onde eles querem estar e o PDC determinava. Veja o exemplo da Ciclofaixa Setúbal, que a CTTU está implantando na Zona Sul do Recife
Linha verde e vermelha: O que estava previsto no PDC. Linha azul: Traçado adotado pela CTTU CONCURSO Durante o lançamento do Ideciclo foi lançado um concurso de ideias para requalificar as dez piores estruturas cicláveis. O concurso é aberto a arquitetos e urbanistas e vai premiar, em dinheiro, as melhores propostas. Mas todas as ideias, se tiverem viabilidade de execução, serão aproveitadas e protocoladas. A ideia é apresentá-las ao poder público. As estruturas que serão alvo do concurso são: Avenida Brasília Teimosa Estrada do Forte Avenida Consul Joseph Noujaim Estrada do Arraial Avenida General Mac Arthur Avenida Inácio Monteiro Estrada do Encanamento Rua Mauriceia Avenida Norte Avenida Beira Rio Premiação: 1º Lugar: R$ 500 2º Lugar: R$ 300 3º Lugar: R$ 200 O edital está disponível em: http://bit.ly/concursoideias2018 ou em bit.ly/concursoideciclo2018 ou em ideciclo.ameciclo.org
Nova estrutura no Bongi não chegou a ser avaliada no Ideciclo RESPOSTA DA PCR “A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) informa que trabalha diariamente para expandir e aperfeiçoar a estrutura cicloviária da cidade, sempre buscando interligar as rotas umas às que estão sendo implantadas, bem como aos equipamentos de interesse público, incentivando a intermodalidade. A CTTU tem canais de diálogo abertos para discutir a elaboração e a implantação de projetos para melhorar a mobilidade no município. As demandas oriundas da população são recebidas e analisadas pela equipe técnica. Atualmente, existem 52 km de rotas cicláveis na cidade, sendo 28 km implantados a partir de 2013, dobrando a malha ciclável da cidade em pouco mais de cinco anos de gestão. Os projetos implantados levam em conta as diretrizes do Plano Diretor Cicloviário da RMR. O município é responsável pela Rede Complementar, que deve priorizar o atendimento aos bairros e polos de interesse público, como parques, praças, mercados públicos e terminais de ônibus”.