Objetivo dos estudos é fomentar conhecimento para estimular políticas voltadas para a mobilidade ativa no País. Foto: Freepik
O movimento que percebe a bicicleta como assunto de gente grande, como modal transformador das pessoas e, consequentemente, das cidades, segue firme e forte. Os estudos resultantes da mais recente edição do Desafio Mobilidade Itaú-Cebrap, programa de formação em pesquisa com foco no poder e na capacidade de interferência das bicicletas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com o Itaú Unibanco, são um exemplo dessa força. Um dos destaques da segunda edição, apresentada em São Paulo semana passada, é a pesquisa sobre a relação entre poluição, saúde e ciclismo.
O estudo, feito pelo ciclista, educador físico e sociólogo Eduardo Rumenig, doutorando da USP, constatou que o benefício gerado pelo exercício físico ao se pedalar é maior – acreditem – que o mal de se inalar poluentes. Ou seja, é preferível pedalar e se expor a ser um sedentário que faz tudo de automóvel. Mesmo numa cidade como São Paulo, base do estudo e onde uma média de três mil pessoas morrem anualmente, em média, por problemas de saúde agravados pela poluição do ar, segundo pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade, entidade da sociedade civil que busca o viver saudável nas cidades.
“É fato que os ciclistas inalam maior quantidade de poluentes, seguidos pelos motoristas e, por fim, pelos pedestres. Mas, mesmo mais expostos à poluição, já que aspiram mais o ar poluído devido à ventilação no ato de pedalar, os ciclistas apresentam menor risco relativo de mortalidade. Nossas conclusões, inclusive, corroboram outros estudos que já diziam que a atividade física pode mitigar as externalidades negativas dos materiais particulados (MP). Considerando as viagens médias diárias dos paulistanos (entre 24 e 48 minutos), constatamos ser improvável que os riscos da exposição à poluição superem os benefícios à saúde decorrentes do uso do transporte ativo – ciclistas e pedestres”, explica Eduardo Rumenig.
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A conclusão do estudo dá o recado – que muitos sabem, mas que segue ignorado: que adotar a bicicleta e o deslocamento a pé são as melhores opções para as cidades e deveriam ser apropriadas pelos gestores públicos, mesmo diante de níveis alarmantes de poluição atmosférica.
“Políticas cicloinclusivas são fundamentais como alternativas para combater os problemas deflagrados pelo uso excessivo do transporte privado motorizado – lembrando que a emissão veicular responde por 70% da poluição ambiental e 40% da emissão de gases de efeito estufa. Elas contribuem para reduzir a poluição atmosférica urbana e seus efeitos adversos à saúde. Por isso dizemos no estudo que pedalar, e caminhar, é preciso. Dirigir não é preciso”, destaca o autor do estudo, intitulado Riscos e benefícios do transporte ativo na cidade de São Paulo sob a perspectiva da saúde. Embora aplicado na cidade de São Paulo, Eduardo Rumenig alerta que o cenário pode, sem dúvida, ser reproduzido nos principais centros urbanos do País.
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Outros quatro estudos foram produzidos na segunda edição do Desafio Mobilidade Itaú-Cebrap e abordaram temas importantes para fomentar a produção de conhecimento sobre mobilidade por bicicleta no Brasil. Entre eles, dois destacam a importância de as gestões públicas adotarem a política ciclável de forma igualitária nas cidades. Ou seja, sem beneficiar apenas as áreas nobres, como acontece atualmente em todo o País, e chegar à periferia. A perspectiva da desigualdade social é mostrada no estudo que comparou o uso da bicicleta e a infraestrutura disponível em duas áreas do Rio de Janeiro que são próximas geograficamente, mas extremamente distantes socialmente – Barra da Tijuca e Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade.
Mais uma vez, embora o cenário da pesquisa seja o carioca, a discrepância entre as realidades para quem pedala se repete em todo o País, inclusive no Recife. Na capital pernambucana, por exemplo, o sistema de compartilhamento de bicicletas públicas – Bike PE – está presente apenas na área central e em bairros de classe média. A infraestrutura ciclável, embora seja encontrada pontualmente na periferia, é bem maior nas áreas nobres. O estudo mostra que, embora as áreas mais populosas e de maior uso da bicicleta no Rio sejam as Zonas Norte e Oeste, respectivamente, elas têm menos infraestrutura disponível (28%, mas incluindo aí, principalmente, a Barra da Tijuca, que é bairro nobre). Já a Zona Sul, que tem 9% da população, dispõe de 31% das ciclovias e ciclofaixas.
A desigualdade social na oferta da estrutura ciclável também é evidenciada na comparação entre a capital fluminense e Fortaleza, capital do Ceará, no Nordeste. Em Fortaleza a oferta de ciclofaixas e ciclovias se concentra na área mais rica da cidade – tem mais de 50% das estações do sistema Bicicletar – o bike sharing de lá. A capital cearense, no entanto, leva vantagem porque a região, juntamente com o Centro, concentra o maior número de empresas e negócios da cidade. No Rio a região mais beneficiada é apenas turística. Os outros dois estudos que compõem a publicação do segundo Desafio Mobilidade abordam as condições da infraestrutura cicloviária paulistana e o panorama dos acidentes com ciclistas em São Paulo.