Na maior parte da América Latina atingida pela covid-19 os transportes públicos estão na UTI lutando para sobreviver! Poucos receberam socorro financeiro. Nosso principal modo de transporte público é o ônibus, que desde o início dos anos 2000 perde passageiros. Os motivos antigos são amplamente conhecidos, porém a partir de 2010 surgem outros fatores para a queda de passageiros: aplicativos de carona e de compartilhamento e novos negócios derivados do modelo Uber. Milhões de pessoas passam a ser atendidas através de aplicativos. Desde então, os efeitos da digitalização, da internet e da portabilidade e conectividade dos equipamentos deram origem a uma explosão de novos negócios e mudanças comportamentais da população.
Confira a série de reportagens O FUTURO DO TRANSPORTE PÚBLICO NO PÓS-PANDEMIA
O pós-pandemia exige financiamento social do transporte público
Novo conceito de transporte público no pós-pandemia
A pandemia acelerou este quadro. Quem agir imaginando que a queda de passageiros é apenas conjuntural e que com subsídio, uma tarifa mais baixa e uma dose de vacina tudo voltará ao normal, estará irremediavelmente optando pela saída de cena. Estará agindo como os operadores de carruagens do início do século passado que pediam proteção legal contra os bondes e carros sem tração animal para evitar a queda de passageiros que o setor vinha sofrendo. O mundo mudava e aparentemente a viseira não cobria apenas a visão dos cavalos.
Os trabalhos e ações que podem ser executados de forma remota em boa medida passarão a ser feitos em casa. A quarentena acelerou este processo e o uso de toda uma cadeia de serviços via internet. De casa podemos trabalhar em grupo ou participar de seminários com dezenas de pessoas. O compartilhamento de dados em nuvem aumentou a eficácia das equipes. Doravante, não toleraremos deslocamentos de três horas para discutir presencialmente etapas de um projeto. Não viajaremos por qualquer motivo.
Muitas empresas renegociaram os espaços físicos que ocupavam e fazem rodízio de seus funcionários em instalações menores. Um dos maiores grupos financeiros do país já definiu: haverá a opção de se trabalhar apenas um dia por semana na empresa. O resto, em casa. Se o ensino à distância já crescia no nível universitário, agora tornou-se inevitável, ao menos em alguns dias da semana, até para o segundo grau. Que tal uma aula com vídeos, imagens, gráficos e inserções de debates e pesquisas on-line no lugar de uma lousa perante uma plateia sonolenta? Que tal um encontro uma vez por semana com avaliações e debates presenciais?
Frente a esse quadro, os cenários e algumas medidas para os transportes públicos sobre pneus poderiam ser discutidas tendo por base que:
* Antes de tudo, a concessionária deverá conhecer detalhes sócio-econômicos e comportamentais dos seus clientes, antigos passageiros cativos. Boa parte dos dados está disponível no sistema de bilhetagem eletrônica. Veja recente pesquisa feita pelo BID e Moovit sobre os passageiros do transporte público em cidades da América Latina. (https://blogs.iadb.org/transporte/es/esto-es-lo-que-los-usuarios-de-transporte-publico-tienen-que-decir-durante-la-pandemia/).
* A concessionária deverá ter contato direto com seus clientes através das redes sociais. A UBER faz isso com centenas de milhões de clientes, enviando mensagens personalizadas a cada um. Não é possível deixar de fazer o mesmo para alguns milhares de passageiros, relembrando que a cada dia são menos cativos do seu serviço e a busca pela fidelização será fundamental.
* Os sistemas troncais segregados, principalmente no formato BRT, sobreviverão. Porém deverão estar integrados a todos os outros modos em operação na cidade ou região metropolitana.
* Os sistemas intermediários com veículos de médio porte deverão ter a operação completamente digitalizada, com sistemas de voz e dados on-line informando os passageiros quanto à localização e lotação do ônibus em tempo real.
* A integração de todos os entes da mobilidade deverá buscar os conceitos do MaaS.
Por Jurandir Fernandes – Presidente da Divisão América Latina UITP