Como se não bastasse o medo da contaminação pelo coronavírus, a superlotação do transporte coletivo nos horários de pico e uma espera maior devido à redução da frota, a população da Região Metropolitana do Recife poderá ter que enfrentar uma paralisação de motoristas e cobradores de ônibus em breve. Embora a negociação entre rodoviários e empresários devesse ter acontecido desde os meses de junho e julho (a data base da categoria é 1º de julho), ela começou a pouco mais de um mês e tem sido pouco amistosa. Nunca o foi, mas esse ano, devido à crise do coronavírus que tem afetado o transporte público, está ainda pior.
Pelo menos essa é a percepção dos rodoviários. A categoria realizou uma assembleia extraordinária em dois horários distintos desta quarta-feira (10/9) para repassar o pouco avanço das negociações com o setor empresarial, definir pontos inegociáveis - como a dupla função de motoristas - e algumas estratégias quase de guerra: como dar autonomia ao sindicato para instauração do dissídio coletivo sem necessidade de assembleia, após diversas tentativas de negociação. Além disso, dar informações sobre a reintegração dos demitidos durante a pandemia e sobre o atraso no pagamento de salários. O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) não quis se pronunciar sobre as negociações com a categoria, o que reforça a impressão de que o processo será mais difícil este ano.
O clima entre rodoviários e empresários de ônibus nunca esteve tão ruim. Além de encarar uma nova gestão do Sindicato dos Rodoviários desde dezembro de 2019, que agora tem Aldo Lima como presidente, com quem o setor empresarial nunca teve diálogo, enfrenta os efeitos da pandemia do coronavírus, que levou praticamente 50% da demanda de passageiros e abriu um crise sem precedentes no transporte público. De março para abril de 2020, início da pandemia, as empresas de ônibus demitiram - segundo denúncia feita formalmente ao Ministério Público do Trabalho (MPT) pelo sindicato - três mil profissionais, antes mesmo de o governo federal aprovar a Medida Provisória 936/2020, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Houve uma reversão parcial das demissões, mas após muitas disputas judiciais encabeçadas pelo MPT.
“A negociação está bem difícil mesmo e sabemos que vai ficar cada vez mais. O setor empresarial estava muito acostumado com a antiga direção do sindicato, que o comandou nos últimos anos. Fizeram muitos acordos que não beneficiam a categoria e que não iremos aceitar. As demissões em massa ainda no início da pandemia são uma demonstração de como o setor empresarial de ônibus da RMR enxerga e trata os trabalhadores. Conseguimos reverter uma parte dessas demissões com a ajuda do MPT, que entrou com ações públicas contra cada uma das operadoras, mas mesmo assim ainda não conseguimos a reintegração de todos e ainda enfrentamos atraso de salários e rescisões indevidas”, diz Aldo Lima. Não é à toa que no último mês os rodoviários têm feito protestos e impedido a saída dos coletivos das garagens de empresas que, segundo acusam, seguem demitindo e atrasando o pagamento de salários.
O fim da dupla função de motoristas - resultado da retirada dos cobradores das linhas de ônibus e da ampliação do uso do cartão eletrônico VEM - é o principal ponto de atrito entre patrões e empregados. E não é para menos. Segundo dados oficiais do governo de Pernambuco, 267 linhas de ônibus estão operando atualmente na RMR sem cobrador. Considerando o total de linhas do sistema antes da pandemia (399), representa 67%. Se a comparação for com as linhas em operação na pandemia (351, 48 a menos que o pré-pandemia), sobe para 76%.
Confira a pauta de reivindicação dos rodoviários:
Em relação ao reajuste salarial, a luta dos rodoviários é pela atualização do piso salarial. Estão defendendo um piso salarial mínimo de R$ 1.300, sendo que para motorista seria de R$ 2.800, para espachantes/fiscais de R$ 1.800 e para cobradores de R$ 1.400. A terceira rodada de negociação acontecerá no dia 17/9.
MPT
O MPT em Pernambuco entrou com 14 ações civis públicas contra as empresas de ônibus da RMR e conseguiu oito liminares favoráveis à reversão das demissões, sendo quatro deferidas ainda no primeiro grau e outras quatro restabelecidas pelo plenário do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Uma liminar ainda será apreciada, uma foi negada ainda no primeiro grau e outra indeferida pelo plenário do TRT, que ainda irá apreciar outros três recursos.