O fardo que virou o trânsito brasileiro é mais uma vez evidenciado por estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), numa parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) da ONU. O Brasil perdeu quase 500 mil vidas em onze anos - de 2007 a 2011. São, em média, 45 mil mortes por ano. E, como se não bastasse, ainda gastou, no mesmo período, R$ 1,5 trilhão com essas colisões e atropelamentos. Um trânsito que mata muito, mutila demais e ainda custa R$ 132 bilhões por ano. Em Pernambuco, a mesma violência - as colisões com motos foram ainda maiores do que na região Nordeste, por exemplo: aumentaram 33 vezes, e o Estado gasta, anualmente, R$ 6,1 bilhões com suas vítimas da mobilidade.
Essas conclusões constam no estudo Impactos Socioeconômicos dos Acidentes de Transporte no Brasil, que busca quantificar o gasto que o País vem tendo ao longo dos anos devido à incapacidade do Estado e da sociedade em fazer um trânsito seguro. A análise, que considerou os números de óbitos do DataSus, do Ministério da Saúde - que inclui internações e reembolso de gastos -, e aplicou o Valor Estatístico da Vida (VEV), estimado em R$ 2,26 milhões a valores de dezembro de 2018, não só contabiliza o prejuízo como indica algumas das causas dessa conta alta. Uma delas é o fato de o País ter negligenciado a segurança viária sob diversos aspectos, mas principalmente aqueles que protegem os pedestres - que ao lado do motociclistas, são as grandes vítimas do trânsito. O trânsito brasileiro matou, de 1996 a 2018, 205 mil pedestres e 165 mil motociclistas, por exemplo.
A análise aponta, inclusive, a gravidade de o País ter, durante algum tempo, optado por soluções com níveis precários de segurança e proteção individual, tendo como resultado acidentes graves. E sugere que é necessário inverter a lógica que sempre predominou no Brasil, como a implantação de vias com traçados que privilegiam os veículos em detrimento dos pedestres e ciclistas, por exemplo. Ou o fato de o País não adotar soluções de segurança viária nas ruas, avenidas e estradas mais amigáveis com a população e mais tolerantes com os erros dos motoristas.
“A guerra do trânsito é grande e antiga. Nesse levantamento, ficou constatado que o Brasil avançou pouco. Os números seguem altos nesses onze anos analisados, com pontuais reduções. Revela que, ou não fizemos nada para proporcionar um trânsito mais seguro, ou fizemos pouco, ou, ainda, que estamos fazendo o mesmo de anos atrás. Com o estudo queremos mostrar as perdas para que toda a sociedade tenha percepção do quanto está gastando. São bilhões por ano”, alerta Erivelton Guedes, coordenador técnico do estudo.
“O levantamento é um alerta de que estamos pagando muito caro por um trânsito inseguro. Tanto em vidas como em custo. A sociedade precisa entender isso. Não adianta apenas esperar pela figura do Estado para resolver tudo. Só a educação das pessoas, a consciência de que um acidente de trânsito é um conjunto de fatores e que temos que ser responsáveis nele. Você pode não ingerir álcool para dirigir, mas se distrair mexendo no celular, por exemplo”, observa Paulo César Pêgas, autor do estudo. O fato de existirem regras federais, estaduais e municipais para o trânsito brasileiro e modelos diferentes para o registro de ocorrências foram problemas também identificados no estudo.
Os apelos feitos pelos pesquisadores ganham força quando informam que, atualmente, o Brasil ocupa o terceiro lugar em óbitos de trânsito no mundo, com 38.651 mortes durante 2017. Perde apenas para a Índia e a China, respectivamente com 150.785 e 58.022 mortes. O estudo do Ipea/Cepal contabilizou pedestres, motociclistas, ocupantes de automóveis, ciclistas, e ainda meios de transporte aquaviários, ferroviários e aéreos. A avaliação considera uma série de fatores, como a quantidade de indenizações pagas por morte e por categoria de veículo. “Queremos ajudar na formulação de políticas públicas,. Por meio da análise dos custos sociais e financeiros envolvidos em um acidente, é possível dar novas diretrizes às políticas de transporte e também impactar o sistema de saúde e o sistema previdenciário”, acrescenta Paulo César Pêgas.
PERNAMBUCO E AS MOTOS
Pernambuco, assim como a região Nordeste, tem o mesmo trânsito violento e caro do País. E, novamente, mais um estudo constata o dano provocado pelas motos. Enquanto as colisões de trânsito duplicaram no Brasil entre 1996 e 2017, as que envolveram motos aumentaram 16 vezes. Na região Nordeste, o envolvimento das motos foi 24 vezes maior e, em Pernambuco, aumentou 33 vezes.
ATLAS DA VIOLÊNCIA: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/85
O ESTUDO NA ÍNTEGRA:
O Estado gastou, por exemplo, R$ 6,1 bilhões com as vítimas do trânsito, o equivalente a 4,8% do gasto nacional. Desse total, R$ 1,2 bilhão gastos com pedestres, R$ 3 bilhões com motociclistas e R$ 1 bilhão com ocupantes de automóveis. “Veja que praticamente 50% do custo foram com vítimas da moto. Os motociclistas também representam 50% dos óbitos. E poderemos ver esses números aumentarem ainda mais. Com a pandemia do coronavírus tememos que haja uma corrida para o transporte individual e, no caso do Nordeste, ainda maior para a motocicleta. Por tudo isso que precisamos orientar as políticas públicas para reduzir esses danos e preservar vidas”, reforça o autor do estudo.
VÍTIMA
Quem já foi vítima do trânsito reconhece a importância de estudos como o do Ipea. “A realidade da violência no trânsito precisa estar sendo sempre mostrada para que as pessoas sejam mais responsáveis ao volante. Eu, por exemplo, fiquei paraplégico por beber e dirigir. Não me importava até que, em 2001, alcoolizado, capotei em alta velocidade e fiquei sete dias em coma. Desde então, estou numa cadeira de rodas. E, por pouco, não provoquei a morte de uma pessoa que estava comigo", ensina Thiago Saúde, vítima do trânsito e hoje educador na Operação Lei Seca.