Apesar de ter sido sancionada pelo prefeito Geraldo Julio (PSB), a Lei 18.761/2020 que proíbe motoristas de acumularem a função de cobrador nos ônibus do Recife segue sem previsão de ser colocada em prática. E, a principal dúvida - como uma lei municipal será operacionalizada num sistema de transporte metropolitano? - continua sem resposta. Nesta terça-feira (10/11), o governo de Pernambuco - responsável pela gestão do sistema de transporte por ônibus na capital e na região metropolitana - informou que a nova lei será encaminhada para análise da Procuradoria Geral do Estado (PGE). E que a operacionalização será feita de acordo com a orientação da PGE.
Segundo nota oficial encaminhada pelo Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), órgão executivo que gerencia o sistema de transporte metropolitano, a consulta é necessária para esclarecer os próximos passos sobre a abrangência e aplicabilidade da nova lei municipal. A consulta seria encaminhada à PGE até o fim desta semana. Ninguém do órgão nem da Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco (Seduh), no entanto, quis falar sobre o assunto.
A Lei 18.761 foi sancionada pelo prefeito Geraldo Julio no dia 30/10, três dias depois de o Projeto de Lei 05/2019, que a originou, ter sido aprovado pela Câmara Municipal do Recife, depois de um ano e meio em tramitação e cinco adiamentos para ir a plenário. Na sanção, a Prefeitura do Recife afirmou oficialmente que o prefeito sancionaria por entender que a dupla função de motoristas compromete a segurança do serviço de transporte e expõe os trabalhadores. Pelo texto da lei, o transporte por ônibus do Recife tem até o dia 1º de dezembro para se readequar às novas exigências, ou seja, retirar os motoristas da dupla função.
Pelo menos na teoria, a nova lei que proíbe a dupla função de motoristas irá atingir diretamente 40% das linhas em operação no Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP). Esse percentual representa as linhas que circulam apenas no Recife: 161 das 399 existentes antes da pandemia. Além disso, 76% (290) das linhas do sistema metropolitano têm como destino a capital pernambucana. E atualmente, segundo informações oficiais do CTM, 67% das linhas do sistema estão operando sem cobradores e com os motoristas atuando, em quase toda sua totalidade, na dupla função, ou seja, dirigindo, recebendo dinheiro e passando troco.
Considerando a frota de antes da pandemia, o percentual de linhas sem cobradores sobe para 76%. E 2.386 motoristas estão atuando na dupla função. Em julho, o governo de Pernambuco liberou a retirada em massa dos cobradores de ônibus devido à crise econômica provocada pela pandemia da covid-19. “Nós estamos aguardando esse prazo de 1º de dezembro para ver o que será feito. Até lá, estamos fazendo articulações e definindo estratégias para forçar a implementação da lei”, afirmou Aldo Lima, presidente do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco.
Os rodoviários protocolaram um pedido junto ao CTM para que todas as demissões de cobradores sejam canceladas pelo órgão sob dois argumentos: a convenção coletiva da categoria que permitia a dupla função desde que o motorista concordasse perdeu a validade porque não foi renovada este ano e, pelo Artigo 167 do regulamento do STPP, a retirada de cobradores precisa ser autorizada pelo Conselho Superior de Transporte Metropolitano, colegiado que representa a autoridade máxima nas decisões do setor.
OUTRAS LEIS
Enquanto a lei que proíbe a dupla função de motoristas não entra em prática no Recife, outros projetos semelhantes começam a ser aprovadas e discutidos na RMR. No dia 5/11, a Câmara Municipal de São Lourenço da Mata, no Grande Recife, aprovou por unanimidade um projeto contra a dupla função dos motoristas rodoviários no município. De autoria do vereador Deto de Lages (MDB), o PL 43/2020 é uma cópia da proposta aprovada no Recife. Para entrar em vigor, no entanto, o texto precisa ser sancionado pelo prefeito Bruno Pereira (MDB).
Um dia depois (6/11), foi a vez de a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) receber um segundo projeto de lei prevendo o fim da dupla função de motoristas, dessa vez em todo o Estado. A deputada estadual Fabíola Cabral (PP) protocolou o PL 1.636/2020, que prevê, ainda que as empresas que não cumprirem a determinação tenham a prestação dos serviços suspensos e sejam impedidas de participar de qualquer licitação do Estado. Um outro projeto, entretanto, já tramita na Casa desde o ano passado, de autoria da co-deputadas Juntas (PL 471/2019). Segundo a assessoria de imprensa da Juntas, os dois PLs deverão correr “casados” e estratégias para defender a constitucionalidade da proposta já estão sendo definidas. O objetivo é retomar a tramitação do PL na Alepe em breve e utilizar a nova lei do Recife como referência para viabilização uma aprovação.
GREVE À VISTA
Para criar ainda mais tensão no setor, os motoristas e cobradores de ônibus ameaçam entrar em greve. Realizam assembleia no dia 17/11 para discutir questões da campanha salarial 2020/2021 e, também, a possibilidade de deflagrar uma paralisação da categoria nos próximos dias. A assembleia acontece em dois horários, pela manhã e à tarde, na sede do Sindicato dos Rodoviários, localizado em Santo Amaro, área central do Recife. Motoristas, cobradores e fiscais já está sendo convocados nas garagens e pelas redes sociais.