O que está ruim ficará ainda pior. Se o passageiro tem sofrido com a superlotação dos ônibus e metrôs em todas as capitais e grandes cidades do País, a partir de agora não terá sequer uma perspectiva de ver a situação melhorar em meio a uma pandemia. O presidente Jair Bolsonaro vetou nesta quinta-feira (10/12) o Projeto de Lei 3.364/2020 que previa socorro de R$ 4 bilhões para os sistemas de transporte público devido à crise sanitária da covid-19. Polêmico desde o começo, o PL vem se arrastando desde os primeiros meses da pandemia, tendo sido aprovado com lentidão pelo Congresso Nacional.
O PL tinha como objetivo compensar as perdas provocadas pela crise, com a redução de até 90% dos passageiros dos sistemas por alguns meses, e, principalmente, evitar que em 2021 as passagens dos ônibus e metrôs tenham um aumento generalizado, o que não seria suportado pela população. Na verdade, desde o começo o projeto foi visto de uma forma pequena, apenas como uma ajuda financeira a empresários de ônibus e metrô. Tanto pelo governo federal como por alguns setores econômicos e institucionais do País. Por isso tanta demora no trâmite e aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado. E, agora, o veto da Presidência da República. Entre os argumentos para vetar, o de que a ajuda financeira extrapolaria o período de calamidade pública devido à covid-19.
Entre os que defendem o PL, o argumento é de que a ajuda não é para os empresários, mas para o sistema de transporte público coletivo, que responde por 86% dos deslocamentos motorizados do Brasil. Ajudaria a equilibrar financeiramente o setor e, assim, ampliar a oferta do serviço e reduzir a superlotação dos ônibus e metrôs na pandemia. A rejeição ao socorro é, na visão dos defensores, mais uma demonstração de que o transporte público é adequado apenas aos discursos políticos. Na prática, ninguém se preocupa com ele. E defendem que a ajuda financeira estaria sob o controle das gestões públicas (estados e prefeituras), com regras para a sua utilização. E que, além disso, deveria provocar mudanças que permitiriam deixar legados importantes para o setor com transparência, ferramentas de fiscalização e contrapartidas em faixas exclusivas de ônibus, ciclovias e redução de emissão de poluentes.
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REGRAS
Pernambuco, por exemplo, esperava pela ajuda para conseguir ampliar a frota de ônibus, reduzindo o problema da superlotação nos horários de pico do sistema. A expectativa era de que o transporte público coletivo da RMR recebesse R$ 104,4 milhões. Pelo menos essa era a conta que o governo de Pernambuco tinha feito diante da liberação dos R$ 4 bilhões para Estados e municípios socorrerem seus sistemas de transporte por ônibus e sobre trilhos.
Pelas regras da proposta - elaborada pelo Ministério da Economia após discussões com gestores públicos e operadores privados - os Estados e municípios que se enquadrarem nas exigências da futura lei irão dividir os recursos da seguinte forma: 30% para os Estados e 70% para os municípios. A divisão entre os municípios seguirá critérios do número de habitantes (a partir do IBGE) e apenas para cidades com mais de 200 mil habitantes. Os recursos, no entanto, terão que ser utilizados exclusivamente para garantir o reequilíbrio econômico dos contratos e a adequação do serviço para atender aos padrões sanitários exigidos para garantir a saúde da população. Ou seja, só poderão ser repassados às empresas operadoras com esse objetivo.
Nas contas do governo de Pernambuco, os R$ 104,4 milhões que o Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP) receberia para socorrer o setor são a soma dos valores que o Estado teria direito por ser o gestor do transporte metropolitano, com as quantias que o Recife e Olinda poderiam receber por serem as duas únicas cidades da RMR que aderiram ao Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM). A gestão estadual receberia, sozinha, R$ 44,3 milhões. Sete municípios pernambucanos estariam aptos a solicitar a ajuda: Recife (48,5 milhões), Jaboatão dos Guararapes (R$ 20,7 milhões), Olinda (R$ 11,6 milhões), Caruaru (R$ 10,6 milhões), Petrolina (R$ 10,3 milhões), Paulista (R$ 9,7 milhões) e Cabo de Santo Agostinho (R$ 6 milhões).
DESESPERO
O setor de transporte urbano está em polvorosa com o veto. Vinha, desde o início da pandemia, fazendo articulações para que o PL fosse votado e aprovado. Não contava com o veto. Achava que o trabalho mais difícil tinha sido superado. Agora, ainda atordoado, calcula um prejuízo de R$ 9 bilhões no setor de ônibus e de R$ 7 bilhões no sobre trilhos. E prospecta a redução do serviço, já que é a tarifa do passageiro quem paga quase a totalidade do custo dos sistemas na maioria das cidades. Diante do veto, não pouparam críticas.
Alegam que o transporte público, embora garanta o deslocamento da grande parte da população, inclusive aquela que atua na linha de frente do combate ao coronavírus, foi menosprezado pelo governo desde o início da pandemia. Enquanto setores econômicos, como aviação civil e energia elétrica, receberam socorros imediatamente. A expectativa agora é se os deputados federais e senadores irão derrubar o veto, o que deve acontecer numa sessão conjunta das duas Casas e no prazo de até 30 dias.
FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
“Com perplexidade, prefeitas e prefeitos das maiores cidades do País recebem a informação do veto do presidente da República ao PL 3364/2020. Cabe lembrar que a intensa negociação deste projeto Emergencial, envolvendo União, parlamentares, estados e municípios, se arrastou por longos oito meses,
justamente pela morosidade que o governo federal imprimiu ao processo. E, agora, alega na justificativa do veto que a Lei “poderia ultrapassar o período de calamidade”.
O veto ao auxílio emergencial trará ainda mais dificuldades ao setor que já enfrentava uma grave crise. situação que se tornou ainda mais devastadora com a pandemia. Somente o sistema de transporte por ônibus atende mais de 40 milhões de pessoas/dia no Brasil, especialmente nas médias e grandes cidades e é fundamental para a economia. Por isso, seu iminente colapso é um desafio a ser enfrentado pelos eleitos e reeleitos já nos primeiros dias de governo, quando contratualmente as tarifas deverão ser revistas e, eventualmente, reajustadas.
Longe de ser uma solução estruturante, o auxílio representaria um esforço do governo federal para a retomada econômica, a partir deste que é um serviço essencial e um direito constitucional do cidadão. Brasília demonstra não ter aprendido com as manifestações de 2013. Alguns gabinetes lavam as mãos e alegam se tratar de uma responsabilidade exclusivamente local, como não se tratasse de uma política
pública evidentemente federativa e estratégica para o País. O resultado dessa omissão federal poderá ser um apagão de proporções desconhecidas.
Agora, resta aos governantes locais lutar pela derrubada do surpreendente veto e avaliar urgentemente os impactos de mais uma procrastinação da União. A FNP reforçará o debate para retomar essa agenda federativa com as instituições e técnicos da área, o governo Federal e com o Congresso Nacional. O veto ao projeto é prejudicial ao direito dos usuários de transportes, e o governo joga fora a oportunidade de melhorar a mobilidade e a qualidade de vida nas cidades durante e após a pandemia”.
NTU
“A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), entidade representativa das empresas operadoras de ônibus urbanos e metropolitanos, com mais de 500 associadas em todo o País, reconhece a sensibilidade do governo federal e especialmente do Ministério da Economia em compreender a crise pela qual passa o transporte público, um dos mais impactados pelos efeitos da pandemia e mais estratégicos para o funcionamento das cidades, que resultou na construção de uma proposta de auxílio emergencial no valor de R$ 4 bilhões para o setor que foi amplamente discutida e consensuada. Por essa razão, manifesta sua estranheza e frustração com o anúncio do veto integral ao Projeto de Lei 3364/2020 pelo próprio governo que conduziu a elaboração da proposta.
A NTU entende que há uma profunda incoerência neste veto, visto que o Executivo reconheceu a necessidade do socorro ao setor e sua importância para a retomada da economia; reconheceu que os protocolos sanitários e o distanciamento social aumentaram os custos dos operadores; previu fontes de recursos para o auxílio; indicou a necessidade de reestruturação desse serviço essencial e, para isso, até criou obrigações para os municípios em contrapartida à liberação dos recursos. A Associação lembra ainda que a construção da proposta que o Governo apresentou ao Congresso contou com o envolvimento direto dos parlamentares Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do Governo no Congresso e vice-líder do Governo no Senado, e de Ricardo Barros (PP-PR) e Hildo Rocha (MDB-MA), respectivamente líder e vice-líder do Governo na Câmara dos Deputados. Eduardo Gomes e Hildo Rocha foram os relatores do projeto de lei.
Para o presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha, o Governo Federal precisa apontar uma solução para a situação crítica na qual o transporte coletivo se encontra, especialmente no momento em que os casos de Covid-19 voltam a subir no Brasil. “A ocasião exige uma oferta de serviço de transporte público cada vez maior para minimizar riscos de contágio, o que só aumenta o desequilíbrio econômico-financeiro das empresas. O auxílio é absolutamente necessário e já deveria ter sido viabilizado há meses. Não faz sentido o veto nesse momento”, avalia o presidente.
De acordo com a NTU, esse serviço público essencial, que também é um direito social, está presente em 2.901 municípios brasileiros, atendendo mais de 85% da demanda de viagens por meio do ônibus coletivo urbano. O setor congrega mais de 1.800 empresas privadas, com uma frota de 107.000 ônibus e com a geração de 405 mil empregos diretos e cerca de 1,2 milhão indiretos. Empregos que estão ameaçados: segundo o Painel do Emprego no Transporte da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o transporte coletivo urbano foi o mais afetado pela pandemia no segmento transporte, tendo perdido 27.697 postos de trabalho no primeiro semestre deste ano devido à pandemia. Além disso, segundo estimativa da NTU, o setor amarga um prejuízo de R$ 8,8 bilhões até o momento.
“Esperamos que o Governo reconsidere a decisão, porque o setor não tem mais como garantir a continuidade do serviço no elevado nível de oferta exigido durante a pandemia, segundo os protocolos sanitários. Os ônibus não terão mais condições de operar”, afirma Otávio Cunha”.
ANPTrilhos
A Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), entidade que representa os operadores de sistemas de metrô, trem urbano e Veículo Leve sobre Trilhos, recebeu com indignação a decisão presidencial de vetar o auxílio ao transporte. A falta de recursos afetará milhões de brasileiros que só têm o transporte público como meio de deslocamento.
“O setor se ressente da falta de medidas específicas para tratar da crise econômica do transporte público brasileiro, muito embora, ele esteja classificado, pelo próprio governo Federal, como um setor essencial, indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, afirmou o presidente da ANPTrilhos, Joubert Flores.
O transporte público é um serviço essencial à população, previsto na constituição brasileira, e é utilizado, principalmente, no percurso casa-trabalho. Essa não é uma crise exclusiva dos operadores brasileiros. O sistema de mobilidade urbana em todo o mundo foi duramente afetado e diversos países tomaram rápidas medidas em socorro ao transporte para garantir a mobilidade e a recuperação das economias locais. A ANPTrilhos se surpreendeu com o veto à Lei do socorro emergencial, fundamental para a manutenção do atendimento à população, que será a maior prejudicada caso os sistemas entrem em colapso.
O setor vive sua maior crise e, desde o decreto da pandemia e de estado de calamidade pública, em março, os sistemas metroferroviários brasileiros acumulam um déficit de mais de R$ 7 bilhões, somente em termos de receita tarifária. Mesmo diante da falta de recursos, os operadores não mediram esforços para manter o atendimento à população, fazendo todas as adequações possíveis para a manutenção do serviço, entretanto, com o alongamento da crise, que não tem perspectiva de finalização, o setor não está sendo capaz de suportar os graves impactos.
Setores como aviação civil e energia elétrica foram rapidamente socorridos pelo governo Federal, mas o setor de mobilidade, que garante o deslocamento do cidadão nas cidades, incluindo aqueles que trabalham na linha de frente para o combate ao coronavírus, tem sido relegado pelas autoridades.
A ANPTrilhos apela à Presidência da República para que o socorro ao setor seja reavaliado, de maneira célere, para que se possa garantir o atendimento à população brasileira, que já está sofrendo com impactos sociais e financeiros da pandemia”.
Embora os problemas graves do transporte nas cidades sejam anteriores à pandemia, as regras que o Projeto de Lei determinavam, as quais o Idec ajudou a construir durante o debate na Câmara, ajudariam a garantir qualidade e frequência para os usuários durante a pandemia e poderiam deixar legados importantes para o setor com transparência, ferramentas de fiscalização e contrapartidas em faixas exclusivas de ônibus, ciclovias e redução de emissão de poluentes. O veto ao projeto é prejudicial ao direito dos usuários de transportes, e o governo joga fora a oportunidade de melhorar a mobilidade e a qualidade de vida nas cidades durante e após a pandemia”.