O Recife é a mais nova capital brasileira a aderir a um programa nacional e oficial de segurança viária. A cidade virou parceira do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) e, com isso, ganhou o certificado “Laço Amarelo", que simboliza o comprometimento com políticas públicas para reduzir mortes e lesões no trânsito. De fato. Com essa inclusão, o prefeito João Campos ganha os méritos, mas também a cobrança - agora ainda mais fundamentada - para que adote iniciativas que priorizem os mais fracos nesse monstro chamado trânsito: pedestres e ciclistas. Os carros terão que ficar em segundo plano. Mesmo.
Confira a série Por um novo transitar
Não é mais acidente de trânsito. Agora, a definição é outra nas ruas, avenidas e estradas do Brasil
Há 15 anos o Recife desliga a fiscalização eletrônica à noite
Trânsito brasileiro mata demais, mutila e custa muito caro
A Coluna Mobilidade publica a notícia da parceria entre a capital pernambucana e o ONSV, organização não-governamental referência nacional na luta pela segurança viária brasileira como ferramenta para salvar vidas, para que esse gesto pese nos ombros da Prefeitura do Recife. Pese no sentido da responsabilidade ainda maior. A parceria com o ONSV não poderá ser apenas uma troca de cumprimentos entre representantes dos dois lados e a entrega de um certificado. Terá que ser muito, muito mais do que isso.
É fato que o Recife tem avançado na priorização de pedestres e ciclistas, sem dúvida. Mas é preciso lembrar que a capital pernambucana é a única cidade do País que há 15 anos desliga toda e qualquer fiscalização eletrônica, inclusive as de velocidade. O prefeito João Campos garantiu que mostrará resultados. “A gente defende a segurança viária. E, além de ter o certificado Laço Amarelo, vamos seguir realizando ações concretas que promovam a segurança no trânsito como a implementação de ciclofaixas e as ações de educação e fiscalização. Desta forma, salvamos vidas. No dia 19 maio, assinei já tinha me comprometido com o movimento ‘Ruas pela Vida’, lançado pelas Nações Unidas para fomentar desenhos urbanos com velocidades de até 30 km/h e equipamentos sustentáveis na via, com o objetivo de reduzir as mortes no trânsito. São gestos que demonstram nosso compromisso com a segurança dos recifenses”, afirmou João Campos.
FISCALIZAÇÃO É DESLIGADA HÁ 15 ANOS
Apesar dos esforços técnicos da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), conseguindo reduções médias de 50% nos sinistros de trânsito com vítimas - não é mais acidente de trânsito que se define. Entenda por quê -, o Recife é um péssimo exemplo sob a ótica da segurança viária. E não é de hoje. Faz 15 anos. Desde 2006, quando, por força de decisão judicial, a cidade passou a desligar todo e qualquer equipamento de fiscalização eletrônica de trânsito, sejam os que controlam a velocidade, como os de avanço de semáforo. Não se tem notícia de outra cidade brasileira que faça o mesmo.
Na época, o juiz José Marcelon Luiz e Silva, então na 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou o desligamento dos equipamentos das 22h às 5h (em 2006 eram apenas os bandeirões, chamados de lombadas). O magistrado foi favorável a uma ação civil pública do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que teve como autora a promotora Andréa Nunes. O Recife tinha apenas três equipamentos (Na Cabanga, na Avenida Alfredo Lisboa e na Avenida Abdias de Carvalho) e o argumento do MPPE era de que havia um aumento no número de assaltos nessas áreas. Embora os registros não fossem, comprovadamente, nos pontos onde havia fiscalização eletrônica. A CTTU recorreu até onde foi possível, mas em 2012 a apelação foi julgada pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que confirmou a sentença de 1º grau. E, em 2013, a decisão transitou em julgado, ou seja, não cabia mais recursos para modificação da sentença.
O mais grave é que os números da própria gestão municipal mostram o estrago que esse desligamento promove não só moralmente - porque estimula o desrespeito aos limites por condutores infratores -, mas também na prática. O horário das 22h às 5h respondia por até 40% de todas as mortes provocadas por colisões e atropelamentos na cidade entre 2014 e 2016. Para alarmar ainda mais, é importante lembrar que os registros foram feitos quando a frota circulante de veículos sofre uma redução de 60%. Os dados comprovam o que estudiosos da segurança viária alardeiam há anos no País: que a fiscalização eletrônica de velocidade e de avanço de semáforos é ainda mais importante à noite porque é nesse turno quando o condutor mais acelera e ainda arrisca misturar bebida e direção.