Trânsito, transportes e mobilidade urbana, com Roberta Soares

Mobilidade

Por Roberta Soares e equipe
COLUNA MOBILIDADE

Ponte no lugar errado e ciclofaixa estreita. Confira as críticas à retomada das obras da Ponte Iputinga-Monteiro, no Recife

Para ter impacto sobre o sistema viário da capital, especialistas defendem que o local da construção é equivocado. Além disso, a estrutura para mobilidade ativa fica a desejar

Cadastrado por

Roberta Soares

Publicado em 14/09/2021 às 16:25 | Atualizado em 15/09/2021 às 11:49
A Ponte Iputinga-Monteiro foi orçada em R$ 48 milhões e, agora, na retomada, custará R$ 38 milhões, sendo R$ 27 milhões na licitação já realizada e R$ 10,9 milhões investidos anteriormente - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Um dia depois de o prefeito João Campos (PSB) anunciar a retomada das obras de construção da Ponte Iputinga-Monteiro, ligação entre as Zonas Norte e Oeste do Recife e que ficou paralisada por sete anos, choveram críticas ao projeto, às adequações feitas a ele e, principalmente, ao valor que custará diante dos benefícios que promoverá para a circulação da cidade. É apontada, inclusive, como um grosseiro equívoco de localização. E as críticas são feitas por especialistas renomados, como o engenheiro e professor de transporte da UFPE, Fernando Jordão, e Germano Travassos, engenheiro civil e consultor em mobilidade urbana.

Vale lembrar que a Ponte Iputinga-Monteiro foi orçada em R$ 48 milhões e, agora, na retomada, custará R$ 38 milhões, sendo R$ 27 milhões na licitação já realizada e R$ 10,9 milhões investidos anteriormente. A principal crítica é em relação ao local onde o equipamento começou a ser erguido ainda em 2012, na gestão do PT que tinha à frente o ex-prefeito João da Costa. A atual gestão está apenas mantendo a mesma localização. Os técnicos alegam que, dessa forma, a passagem não atenderá da forma correta a chamada Terceira Perimetral do Recife, traçada ainda nos anos 1980 como um dos eixos principais do transporte público de toda a Região Metropolitana do Recife a partir do Sistema Estrutural Integrado (SEI), a integração de ônibus pernambucana.

DESCASO Além de ter sido abandonada durante anos pelo poder público, prejudicando a população, obra foi julgada irregular pelo TCE, que sugeriu ajustes. URB diz que acatará - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

“A ponte está sendo construída no local errado. Onde está, não dará sequência ao que definimos como Terceira Perimetral. É mais um dos erros e equívocos cometidos pelos gestores por diversas razões, entre elas evitar custos com desapropriações. O erro foi ainda em 2012, quando a prefeitura escolheu o local onde as obras começaram “dessa ponte como sequência da terceira perimetral. A concepção do SEI foi ignorada por completo e, ainda naquela época, alertamos. Onde está, a ponte apenas conectará dois bairros ribeirinhos (Monteiro e Iputinga), que não têm significância para o tráfego da cidade. A proposta da ponte era que ela integrasse um corredor perimetral de transporte público. Da forma correta, a Terceira Perimetral tem muito mais efeito sobre a cidade do que o Arco Metropolitano, por exemplo”, alerta Fernando Jordão, que colaborou, em 1985, como coordenador da futura Linha Sul do Metrô do Recife.

Fernando Jordão, professor da UFPE e especialista em transporte metroferroviário - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

O local correto para construção da Ponte Iputinga-Monteiro seria mais abaixo do Rio Capibaribe, na diretriz da Rua Dona Olegarinha e alinhada com a Rua da Harmonia, até a Avenida Norte. Essas vias, de fato, é que integram a Terceira Perimetral - defende o especialista. “Onde está, a ponte apenas ligará a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) à Avenida 17 de Agosto. Vai ser mais um dos equívocos do Recife, como foram a Ponte Joaquim Cardozo, que liga as Ilhas Joana Bezerra e do Leite no ponto errado, e o Viaduto das Cinco Pontas, que não acrescenta nada e será demolido em breve. Nos restará adaptar o sistema viário, o que também custará caro, para dar utilidade a ela”, reforça Fernando Jordão.

Novo traçado da Ponte Iputinga-Monteiro - Divulgação PCR
Ponte Iputinga-Monteiro - Divulgação PCR

MOBILIDADE ATIVA

As críticas não param por aí. Deixando de lado o papel de corredor de transporte, a Ponte Iputinga-Monteiro também é criticada sob o aspecto da mobilidade ativa. Embora a Prefeitura do Recife tenha destacado na retomada das obras que está inovando ao prever a implantação de uma estrutura para bicicletas na passagem, ciclistas criticam o tipo e a largura do equipamento. Vale lembrar, ainda, que a criação de infraestrutura para modais ativos é obrigatória pela Lei de Mobilidade Urbana, de 2012, e que não existia na época em que a ponte foi iniciada.

Pelo projeto atual, serão construídas calçadas e ciclofaixas de 1,5 metro de largura em cada lado. Na visão de quem pedala, será dado mais espaço para o automóvel do que para a mobilidade ativa. Serão 7,20 metros disponíveis para duas faixas de carro, enquanto a ciclofaixa terá 1,5 metro. Outro aspecto é a escolha de ciclofaixa no lugar de ciclovia, que daria mais segurança para quem pedala. Sem controle de velocidade que impeça os veículos trafegarem acima de 40km/h, a ciclofaixa não protegerá o ciclista.
Sobre as calçadas, é alegado que a largura adotada é a mínima exigida por lei. E que ela é insuficiente: se um cadeirante se encontrar com outro na ponte, por exemplo, um deles terá que ceder ao outro porque uma cadeira de rodas tem 70 centímetros.

Prefeito do Recife anuncia retomada das obras da ponte Monteiro-Iputunga - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Retomada obras da Ponte Iputinga-Monteiro - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Entrevista com Germano Travassos

JC - Como o senhor vê a retomada das obras de construção da Ponte Iputinga-Monteiro?

Germano Travassos - Com um misto de tristeza e decepção, pois esta não seria a ponte mais importante a ser construída sobre o Rio Capibaribe.

JC - Na sua opinião, ela será importante para a circulação no Recife ao conectar duas regiões distintas e com poucas ligações como as Zonas Norte e Oeste?

Germano Travassos - Uma ponte é uma infraestrutura viária muito cara e importante para ser construída apenas para ligar os dois lados do rio. Ela tem que estar alinhada com o sistema viário, numa visão mais ampla, articulando e estruturando regiões e não ligando dois bairros.

Germano Travassos, engenheiro civil, especialista em mobilidade urbana - JC IMAGEM

JC - A Ponte Iputinga-Monteiro é apontada como o trecho que faltava para dar continuidade à Terceira Perimetral do Recife. O senhor concorda?

Germano Travassos - Não concordo. A ponte da Terceira Perimetral estaria alinhada com a Rua Dona Olegarinha, para no futuro se articular com a Rua da Harmonia e chegar à Avenida Norte. O PDTU/RMR (Plano Diretor de Transportes Urbanos) de 2005 simulou a ponte com as duas localizações e os resultados dela articulando a Terceira Perimetral foi amplamente mais viável. Essa informação era do conhecimento do técnico da PCR, que acompanhou o estudo. Não sei porque a PCR prosseguiu com a ideia da ponte no local menos importante.

JC - A Ponte Iputinga-Monteiro foi construída no local errado? Qual seria o local correto?

Germano Travassos - Eu não diria no local errado, mas menos relevante para estruturação do sistema viário do Recife.

JC - Na sua opinião, a Prefeitura do Recife deveria desistir do projeto e refazê-lo no local correto ou manter o que foi construído e adaptar o sistema viário do entorno para facilitar o acesso à ponte?

Germano Travassos - No local noticiado, a ponte ligará apenas a Avenida Maurício de Nassau à Avenida 17 de Agosto/Avenida Apipucos. No local previsto para a Terceira Perimetral, ela articularia este corredor estrutural de Boa Viagem até a Avenida 17 de Agosto, passando pelas Avenidas Recife e San Martin, podendo chegar à Avenida Norte. Esta ligação, além de reduzir o tráfego na Segunda e na Quarta Perimetrais, ainda permitiria concluir um dos mais importantes corredores do SEI - Sistema Estrutural Integrado -, malha fundamental do transporte público da RMR.

A Ponte Iputinga-Monteiro repete o equívoco da Ponte Joaquim Cardozo. Uma pena que também tenha o nome de um grande engenheiro, Jaime Gusmão, ambos defensores da racionalidade e da boa engenharia.

Retomada obras da Ponte Iputinga-Monteiro - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Retomada obras da Ponte Iputinga-Monteiro - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

 

PREFEITURA DO RECIFE

A Coluna Mobilidade tentou de todas as formas conversar com a Prefeitura do Recife antes de produzir esta reportagem, exatamente para pontuar as críticas. Solicitou, inclusive, uma entrevista com a Secretária de Infraestrutura do Recife, Marília Dantas, mas não conseguiu. Foi informado pela gestão municipal que o posicionamento seria apenas por nota oficial. Confira a resposta encaminhada:

“A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) esclarece que a Ponte Engenheiro Jaime Gusmão é um importante investimento para a mobilidade da área e suprirá uma necessidade de interligação entre as duas margens, já que não existe nenhuma ponte para veículos num trecho de quase 5 km do rio.

Atualmente, as pontes mais próximas ao longo do Capibaribe nesta região são a ponte da BR-101 e a ponte-viaduto Governador Cordeiro de Farias, que liga os bairros da Torre e Parnamirim. Por exemplo, a nova ponte reduzirá a distância entre o Parque de Exposições do Cordeiro e a Praça de Casa Forte dos atuais 6,7 km (via Torre-Parnamirim) e 8 km (via BR-101) para apenas 4,39 km. Motoristas indo do Parque do Caiara para o Parque Santana hoje precisam percorrer 5,1 km (via Torre-Parnamirim) ou 7,7 km (pela BR-101), distância que cairá para 3,82 km com a nova ponte.

Vale destacar que o sistema viário da ponte, atualmente em fase final de elaboração do projeto executivo, criará uma via semiperimetral ligando a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) à Avenida 17 de Agosto. Esta obra incluirá a requalificação de 15 vias do entorno nas duas margens, totalizando 4,5 km. A URB lembra também que ciclofaixa é uma novidade do atual projeto, que não estava previsto no anterior, e terá duas faixas com 1,5m de largura cada, perfeitamente adequadas às necessidades dos ciclistas.

Por fim, a URB acrescenta que já tem estudos avançados para implantação de outras pontes em locais diversos da região, inclusive com travessias exclusivas para pedestres, otimizando a mobilidade na cidade”.

CONFIRA O NOVO PROJETO

 Novo Projeto Ponte Iputinga_Monteiro by Roberta Soares on Scribd

Tags

Autor

Webstories

últimas

VER MAIS