COLUNA MOBILIDADE

Metrô do Recife: passageiros não aguentam mais tanto descaso. É preciso uma solução, seja na gestão privada ou na pública

Sistema pernambucano mal consegue recursos até para se manter. Há anos opera com bem menos do que precisa. Investimento é coisa do passado

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Roberta Soares

Publicado em 20/04/2022 às 17:09 | Atualizado em 20/04/2022 às 20:58
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Já está se tornando cansativo falar sobre os problemas técnicos e operacionais do Metrô do Recife, um sistema que atende a 300 mil passageiros da capital e de outros três municípios da Região Metropolitana: Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho.

Antes da pandemia, atendia a 400 mil diariamente.

Confira a série de reportagens Metrôs - Uma conta que não fecha

Mas, na luta diária por uma mobilidade urbana mais social - e por isso mais justa -, é impossível ignorar as constantes quebras do sistema metroferroviário metropolitano. O único do Estado, vale ressaltar.

A paralisação da Linha Centro nesta quarta-feira (20/4) é só mais uma consequência do sucateamento a que o metrô vem sendo submetido há anos e potencializado desde 2019, quando o governo federal tomou a decisão de que iria repassar os sistemas da CBTU para a gestão privada.

Severino Soares/JC Imagem
Usuários do Metrô do Recife enfrentam sufoco na manhã desta quarta para se locomover - Severino Soares/JC Imagem


Pelo menos aqueles que conseguir repassar, já que são tantos os problemas em todos os cinco metrôs operados pela CBTU (Recife, João Pessoa, Natal, Maceió e Belo Horizonte - este último já na fase de transferência para concessão pública), o que poderá afastar potenciais interessados.

Diante de tantas dificuldades, é impossível não levantar a questão: será que transferir a operação para a iniciativa privada seria a solução para o Metrô do Recife?

Não há resposta certa nem simples. Não estamos falando de receita de bolo. Ao contrário, os exemplos no País e mundo confirmam que a situação é bem mais complexa do que conceder ou não à iniciativa privada.



No Brasil, por exemplo, temos metrôs concedidos que não deram certo e outros que funcionam bem - não é correto chamar privatização porque os sistemas não serão vendidos, apenas terão a operação concedida à iniciativa privada por um período.

As linhas 4 (Amarela) e 5 (Lilás) do Metrô de São Paulo são um exemplo do privado que oferta um bom serviço. São concessões da CCR Mobilidade - um dos maiores grupos do País e que, talvez, tenha interesse no sistema pernambucano, por exemplo.

Mas, o mesmo Metrô de São Paulo tem outras quatro linhas geridas pelo Estado de São Paulo que são referência nacional e mundial. De tanta expertise, o sistema público já atua como privado na operação de outros metrôs do País.

Ou seja, a gestão pública pode ser bem feita.

E não estamos falando de pouca coisa: a rede metroviária da cidade de São Paulo é composta por seis linhas, totalizando 104,4 km de extensão e 91 estações, por onde passam mais de 5 milhões de passageiros diariamente.

Ao mesmo tempo, existem exemplos do privado mal feito, mal operado. Como é o caso do sistema de trens metropolitano do Rio de Janeiro - a SuperVia, que já teve três gestores privados diferentes nos últimos dez anos e segue tendo problemas quase todos os dias.

Por isso - como acontece no transporte público -, tudo passa por decisão e vontade política de priorizar.

RECUPERAR METRÔ DO RECIFE CUSTARÁ CARO

O sistema pernambucano caminha para ser repassado à gestão privada, numa concessão pública semelhante à que está sendo implantada pelo governo federal no Metrô de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

O processo em Minas Gerais, inclusive, está avançado. A desestatização da CBTU na Região Metropolitana de Belo Horizonte foi aprovada pelo governo federal e a previsão é de que o sistema receba um total de R$ R$ 3,7 bilhões, considerando todos os investimentos e aportes.

O Governo Federal vai investir R$ 2,8 bilhões para viabilizar a construção da Linha 2 do metrô mineiro que atende Belo Horizonte e cidades próximas, além de obras de modernização e ampliação da Linha 1, intervenções previstas no processo de desestatização da CBTU. O aporte é fruto de um acordo alinhado entre o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o Ministério da Infraestrutura e o governo de Minas Gerais.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Em 2018, a quantidade diária de passageiros transportados nos ônibus em grandes cidades brasileiras foi 60% menor do que era registrado em meados da década de 1990 - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Além dos recursos federais, o Executivo mineiro vai aportar outros R$ 428 milhões, o que elevará o montante de investimentos para R$ 3,2 bilhões. Os investimentos totais estão estimados em R$ 3,7 bilhões e serão complementados pela iniciativa privada, que terá o direito de explorar os serviços. A concessão prevê a execução de investimentos para modernização e ampliação da Linha 1 e para a construção da Linha 2.

A CBTU-MG teve a desestatização qualificada no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), por meio do Decreto n. 9.999/2019, e a elaboração dos estudos necessários ao processo de desestatização e concessão estão sendo conduzidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O processo será semelhante para o Metrô do Recife - caso seja, de fato, aprovado. Os estudos seguem sendo feitos também pelo BNDES e têm avançado. No caso do sistema pernambucano, a última estimativa de investimentos necessários para deixar o metrô “apresentável” a uma possível concessão privada seria de R$ 1,5 bilhão.

Os valores foram informados, ainda em agosto de 2021, pela Secretaria Executivo de Parcerias e Estratégias de Pernambuco, que integra a Secretaria de Planejamento e Gestão e coordenada as Parcerias Público Privadas (PPPs) do Estado.

MAIS UMA QUEBRA

As primeiras informações são de que a pane que paralisou os dois ramais da principal linha do Metrô do Recife - a Linha Centro - foi provocada pelo rompimento de um cabo da rede aérea na Estação Ipiranga

A unidade estratégica para os dois ramais. Quando ela tem problemas, atinge a operação para Jaboatão e para Camaragibe ao mesmo tempo.

Como já dito, a quebra ganha visibilidade porque interrompeu a operação da Linha Centro por um dia inteiro. Mas a agonia dos passageiros é diária com a prestação de um serviço ruim.

Faltam trens para a operação, o que repercute no intervalo entre as composições. Inclusive nos horários de pico.

Intervalos maiores significam trens mais lotados e menos conforto para o passageiro. E tudo isso ao preço de R$ 4,25 - a tarifa mais cara do Estado, superando até a dos ônibus, que aumentaram este ano para R$ 4,10.

Há dias em que o intervalo na Linha Sul ultrapassa os 20 minutos, mesmo no pico.

A CBTU, no entanto, contesta essas informações. Diz que a média dos intervalos no sistema como um todo é de 11 minutos e trinta segundos no pico.

A Linha Centro estaria com intervalos de 8 minutos no pico e de 17 minutos nos ramais. No vale (fora pico), é de 10 minutos. Já nos ramais, é de 20 minutos no vale.

Na Linha Sul a situação é ainda mais crítica: intervalos de 9 minutos e 30 segundos no pico e de 13 minutos e 30 segundos no vale.

A Linha Diesel (operada pelo VLT) também tem problemas. O Ramal Cajueiro Seco/Cabo opera com dificuldades e o Ramal Curado/Cajueiro Seco está parado há dias.

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Aviso informa sobre problema técnico no Metrô do Recife - Severino Soares/JC Imagem


INVESTIMENTO FICOU NO PASSADO


O Metrô do Recife mal consegue recursos até para se manter. Há anos opera com bem menos do que precisa. Investimento é coisa do passado.

Para 2022, teve R$ 85 milhões aprovados para custeio (despesas básicas de operação), mas até agora apenas R$ 37 milhões foram liberados. A necessidade seria de, pelo menos, R$ 150 milhões.

Também não houve orçamento para investimentos em 2022. As informações são oficiais da CBTU.


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