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Fim da Lei Seca: desobrigar o uso do bafômetro é desmoralização da legislação, defendem médicos do tráfego

Nesta quarta-feira (18/5), essa possibilidade será analisada pelos ministros do STF no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Abrasel e Confederação Nacional do Comércio

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Roberta Soares

Publicado em 18/05/2022 às 12:43 | Atualizado em 18/05/2022 às 12:45
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Deixar de punir com multa os motoristas que se recusam a fazer o teste do etilômetro para atestar o consumo de álcool é desmoralizar a Lei Seca. Esse é o entendimento de entidades que lidam diariamente com a matança que o trânsito brasileiro promove nas avenidas e estradas do País - mais de 30 mil mortos e pelo menos 300 mil mutilados por ano.

E nesta quarta-feira (18/5), essa possibilidade será analisada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que poderá dificultar em muito a aplicabilidade da legislação que marcou e marca um divisor de águas na matança promovida no trânsito brasileiro.

Flávio Adura, diretor científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), reforça que os ministros do STF têm uma responsabilidade sem precedentes nesse julgamento, que poderá ser adiado, é importante avisar. Em 2021, houve dois adiamentos.

“O fim da recusa seria o pior que poderia acontecer com a Lei Seca. Se houver a revogação por inconstitucionalidade, o Brasil verá o número de mortos, sequelados e mutilados no trânsito aumentar consideravelmente. É, de fato, a desmoralização da legislação”, alerta Flávio Adura.

“Isso aconteceu no começo da Lei Seca, mas o governo sancionou a Lei 12.760, que validou a punição administrativa para aqueles que se recusavam se submeter ao teste de alcoolemia. Se isso cair, vamos retroceder em tudo que conquistamos até hoje”, segue.

Álcool e direção: crimes de trânsito aumentaram 25% nos últimos 12 meses em Pernambuco

DAY SANTOS/JC IMAGEM
Antes de mais nada, é preciso relembrar que o trânsito no País promove a morte de mais de 30 mil pessoas por ano, deixa outras 300 mil mutiladas e ainda custa R$ 132 bilhões à saúde e à economia públicas, segundo estudo do Ipea - DAY SANTOS/JC IMAGEM

“A sociedade já aceitou a Lei Seca. Temos exceções, lógico, mas uma boa parte da sociedade tem consciência de que não deve beber e dirigir. Já usa um aplicativo de transporte para se deslocar. Temos muitos jovens fazendo isso. Se houver alguma flexibilização, todo o trabalho educativo será perdido. Por isso não acredito que os ministros do STF irão ser favoráveis a esse retrocesso”,a firma Flávio Adura.

O diretor científico da Abramet lembra, ainda, que as estatísticas mostram que o álcool tem perdido o protagonismo nos casos de mortes e ferimentos no trânsito.

OS QUESTIONAMENTOS

Embora já tenham se passado 14 anos desde a sua criação, a Lei 11.705 de 2008, mais conhecida como Lei Seca, é alvo de um pedido de inconstitucionalidade há 12 anos movido pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC).

As entidades alegam que a legislação fere os princípios da isonomia, razoabilidade, proporcionalidade e equidade, além da liberdade individual, econômica e da livre iniciativa. As entidades também defendem que a inconstitucionalidade da Lei Seca ocorre porque o cidadão não pode ser punido quando se nega a realizar o teste do bafômetro, uma vez que essa negativa é expressão do exercício do seu direito de não produzir prova contra si mesmo.

 

ARTES JC
Aumento dos casos de alcoolemia em Pernambuco - ARTES JC

E que não seria qualquer concentração de álcool no sangue que influenciará o motorista. Além disso, a penalidade administrativa seria aplicada da mesma forma, independentemente da quantidade de álcool aferida pelo etilômetro ou bafômetro.

Em resumo, a Abrasel e a CNC questionam três pontos: a multa para quem recusa o teste do etilômetro, a privação do direito de ir e vir de quem fica retido numa blitz e o fato de a lei ter "criminalizado boa parte da população adulta", como explica a entidade.

DESMORALIZAÇÃO

Isentar de atuação o condutor abordado pela fiscalização que se recusa a fazer o teste do etilômetro/bafômetro - como acontece atualmente - é um golpe de morte sobre a Lei Seca.

Para se ter ideia, em Pernambuco - um dos Estados do Brasil onde a Lei Seca é mais efetiva - mais de 80% das autuações são por recusa, ou seja, quando o motorista se nega a fazer o teste, mas o consumo de álcool fica evidente para a fiscalização.


ALTERAÇÕES

Logo quando foi criada, a Lei 11.705 não previa a punição para os condutores que recusavam o teste. Houve, inclusive, uma decisão no STJ criando uma jurisprudência sobre a permissibilidade. Mas o Congresso Nacional e o governo federal, convencidos da importância da legislação, aprovaram e sancionaram a Lei 12.760, de dezembro de 2012, que autorizava, entre outras coisas, a constatação da alcoolemia mesmo diante da recusa.

A lei alterou o Artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que passou a prever que os condutores que se recusassem a “ser submetidos a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa” estariam cometendo uma infração gravíssima, com multa de dez vezes o valor (atualmente de R$ 2.934,70) e suspensão do direito de dirigir por um ano.

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