Embora prevista em Lei Municipal desde 2018, a regulamentação dos aplicativos de transporte privado de passageiros está virando uma verdadeira lenda urbana no Recife. O serviço segue sem qualquer fiscalização da prefeitura da capital, impedida de agir por uma decisão da Justiça de Pernambuco favorável à empresa 99.
E o que é pior: não há qualquer previsão de a disputa judicial ter desfecho e, assim, a legislação começar a ser cumprida. A Prefeitura do Recife diz que está recorrendo da decisão obtida pela 99 - dada liminarmente e depois confirmada pela 4° Vara da Fazenda Pública da capital.
Já o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) confirma o recurso da gestão municipal, que agora apela em Segundo Grau para reverter a decisão, mas também não dá qualquer previsão. O recurso, inclusive, não tinha sequer sido distribuído na semana passada.
“O processo de NPU 010170-96.2020.8.17.2001, que tramita na 4ª Vara da Fazenda Pública da capital, já está sentenciado, tendo sido o pedido da parte autora (99) julgado procedente. Foram apresentadas apelações pelo município do Recife e pela CTTU (Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife), e também houve apresentação de contrarrazões da parte autora, e a ação seguirá para julgamento no Segundo Grau. Ainda não houve distribuição da ação com as apelações a serem julgadas na 2ª Instância”, explica o TJPE.
A 99, embora autora da ação impetrada ainda em 2020 para garantir que os motoristas-parceiros do aplicativo pudessem rodar no Carnaval daquele ano, agora diz que não comenta processos que ainda permanecem em andamento na Justiça. E a Uber, que também é beneficiada diretamente pela situação, explica que não comentará a ação movida pela concorrente - o que faz sentido.
Para muitos motoristas-parceiros, o adiamento do início da fiscalização é comemorado. “Eu sei que a briga é entre eles, mas sempre sobra para o motorista. Sei que, quando a fiscalização começar, ficaremos mais vulneráveis”, afirma Guilherme José da Silva, que roda na Uber e na 99 desde 2018.
REGULAMENTAÇÃO TRAVADA
Pelo menos no Recife, a fiscalização dos aplicativos deveria estar acontecendo desde 2018, quando a Lei Municipal 18.528/2018 foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo então prefeito Geraldo Julio (PSB).
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O embargo declaratório, instrumento que questiona a decisão do juiz da 4° Vara da Fazenda Pública da Capital, Djalma Andrelino Nogueira Júnior - quem concedeu a liminar à 99 - foi negado. Agora, o município entrou com apelação para tentar modificar a sentença e aguarda o julgamento do recurso.
A 99 conseguiu uma liminar ainda em 2020 e teve a decisão confirmada em abril de 2021 pela 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital. A decisão provisória foi dada pelo juiz às vésperas do Carnaval 2020. Assim como até hoje, a 99 não havia se cadastrado na CTTU e poderia ter problemas com a fiscalização.
Na decisão, o magistrado proibiu a CTTU de exigir credenciamento da 99 e dos motoristas cadastrados no aplicativo para atuação na cidade e de impor qualquer tipo de obstáculo, penalidade ou sanção à empresa e aos motoristas-parceiros durante o Carnaval. E ainda determinou multa diária de R$ 30 mil no caso de descumprimento da decisão. Em abril deste ano, ao proferir a sentença, a 4ª Vara manteve a lógica anterior.
Entendeu que a exigência de prévio credenciamento e compartilhamento de dados excedem a competência municipal. E que as questões relativas à eventual violação do direito usuário/consumidor já são objeto do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor. “E a exigência quanto à regularidade dos veículos é de responsabilidade do condutor/proprietário”, diz a sentença.
E seguiu afirmando que nem mesmo a taxa pelo uso do sistema viário - que algumas cidades do País começam a usar para ampliar a infraestrutura para bicicletas ou financiar o transporte público coletivo - deve ser cobrada.
“Também descabem as exigências de preço público, seja por desbordar da competência legislativa municipal, seja porque não há prestação de serviço de interesse público envolvido. A mesma sorte ocorre com a exigência de fixação de tarifa, também fora da competência municipal e contrária ao modelo de negócio de intermediação de transporte privado, cujo preço depende das condições de momento do mercado, configurando violação à livre iniciativa."
FISCALIZAÇÃO DIFÍCIL
Em abril, diante da confirmação da sentença da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, a Prefeitura do Recife confirmou estar de mãos atadas porque seria de difícil operacionalização fiscalizar os motoristas das empresas cadastradas e deixar de fora os da 99.
“Momentaneamente, devido a questionamentos sobre o processo na esfera judicial, a fiscalização não pode ser colocada em prática, pois existe uma ação da empresa 99, cujo processo está em tramitação na Justiça. Com relação à cobrança da taxa pelo uso do sistema viário, a mesma não está sendo feita devido à indefinição judicial sobre o processo de regulamentação”, diz o posicionamento oficial da CTTU em abril.
Agora, o município confirma que segue tentando reverter a decisão. “Em resposta à alegação da 99 de que a Lei Municipal n° 18.528/2018 vai de encontro à decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Lei Federal n° 12.587/2012, a Prefeitura do Recife moveu apelação junto ao poder judiciário alegando que, na verdade, o STF dá, em sua decisão, a possibilidade de regulação dos transportes por aplicativos”, explica a CTTU.
A apelação segue à espera de julgamento. E, até lá, a fiscalização do Transporte Remunerado Privado Individual de Passageiros (definição legal dos aplicativos) está suspensa em cumprimento à restrição judicial.
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