O que houve com a Polícia Rodoviária Federal, nossa famosa PRF, no segundo turno das eleições para a Presidência da República mais disputadas da história da democracia brasileira? O que foi feito com a instituição PRF, colocada para realizar bloqueios contra ônibus de eleitores nas estradas federais próximas aos centros urbanos do Nordeste?
A decisão do diretor-geral, Silvinei Vasques, reconhecidamente apoiador do presidente Jair Bolsonaro, de mostrar uma “eficiência operacional”, vamos chamar assim, não frequente no dia a dia da corporação - principalmente porque não tem estrutura humana e física para isso -, levou a PRF da invisibilidade à polêmica nacional.
Por causa da luta política contra a medida do Passe Livre - gratuidade dada à população por 378 cidades e capitais neste segundo turno -, a corporação deixou de ser aquela instituição que historicamente nunca se envolveu em confusões para ganhar o noticiário nacional. E de uma forma controversa.
Com todo respeito aos PRFs, policiais que sempre foram referência no Brasil de uma das poucas instituições que são base para estatísticas de segurança viária no País - fundamental destacar esse ponto -, é impossível não fazer a leitura do uso político da polícia. Sobremaneira no Nordeste, onde os esforços para a realização de bloqueios foram concentrados.
Números da própria PRF apontam que o total de abordagens a ônibus de transporte de passageiros feitas no domingo (30/10) foi mais do que o dobro em comparação ao 1º turno. Documento ao qual o portal G1 e o jornal Folha de São Paulo tiveram acesso apontou que a corporação fez 619 abordagens a ônibus até as 17h do domingo, horário em que se encerra a votação em todo o País.
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Esse total é 108% maior do que as abordagens a ônibus realizadas no dia 2 de outubro, data do 1º turno. E com predominância no Nordeste, o que reforça o caráter político da decisão, travestida de operacional pelo diretor-geral Silvinei Vasques.
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Isso porque todos sabem que é no Nordeste onde está a base eleitoral do ex-presidente Lula, que venceu a disputa contra Bolsonaro. E que o Passe Livre no transporte público iria beneficiar o seu eleitorado.
Os números de abordagens comprovam esse raciocínio:
272 no Nordeste (49,5%)
59 no Norte (10,7%)
48 no Sudeste (8,74%
48 no Sul (8,74%)
Não estamos aqui dizendo que a PRF não deveria estar nas ruas cumprindo seu papel de polícia de trânsito, principalmente nas rodovias brasileiras, onde a fatalidade dos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se diz. Entenda) é ainda maior do que nas vias urbanas devido à velocidade desenvolvida pelos motoristas.
O trânsito brasileiro matou 32 mil pessoas em 2020 e mais de 70% dos registros foram de vítimas de rodovias.
E que os ônibus que fazem o transporte de passageiros devem receber uma atenção maior porque o risco é ainda mais efetivo. Veículos velhos, sem condições de segurança, com pneus carecas e motoristas sem a habilitação correta, devem ser impedidos de circular, sem dúvida.
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Mas o esforço para ampliar essa fiscalização não deveria ter sido feito apenas no segundo turno das Eleições 2022, quando o candidato do diretor-geral da PRF tentava a reeleição na Presidência e estava atrás nas pesquisas. Ah, e sobremaneira no Nordeste, reduto eleitoral do adversário do presidente.
Ainda mais por uma corporação que sofre com a falta de investimentos - em Pernambuco, por exemplo, são apenas 17 postos em todo o Estado. Em 2021, eram 11. E, em 2010, eram 21. E é comum dirigir por quilômetros sem ver um PRF no caminho. O cenário é o mesmo no País, mesmo com um acréscimo de 54% de 2021 até agora, segundo dados oficiais da PRF.
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E essa leitura não é feita apenas por nordestinos, brasileiros contrários a Bolsonaro ou cidadãos que não se enquadram em nenhuma das definições. É feito também pela própria corporação. Por PRFs que estão revoltados com o uso político da instituição.
A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), por exemplo, se posicionou sobre a situação, afirmando que está acompanhando as denúncias. “A FenaPRF está acompanhando atentamente os desdobramentos das denúncias de que PRFs estariam, por ordem direta do Departamento, atuando em operações que afetam transporte de eleitores neste domingo (30)”.
“A Federação defende o estrito cumprimento de dever legal por parte de cada PRF e reafirma que ordem judicial não se discute, se cumpre! A FenaPRF reforça seu compromisso com a democracia e com o Estado Democrático de Direito”.
Ah, e por falar em invisibilidade da PRF, não podemos deixar de lembrar do caso Genivaldo, morto asfixiado na mala de um veículo oficial da PR, também no Nordeste. E das inúmeras motociatas promovidas pelo presidente-candidato Bolsonaro sem respeito à regra principal para qualquer condutor de motocicleta: o uso do capacete pelos ocupantes, condutor ou passageiro.