“Mas ele não passou por nenhum radar de velocidade, mesmo desligado”, explica a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU).
Não importa. A reativação da fiscalização eletrônica de velocidade à noite, assim como a ampliação dos equipamentos nas ruas e avenidas da cidade, têm um efeito moralizador para a sociedade.
Quando o poder público - por força judicial, destacamos de novo - deixa de notificar os condutores que excedem a velocidade à noite e de madrugada, é como se desse uma espécie de “aval social” para que os infratores sigam desrespeitando os limites de velocidade - infração que lidera as estatísticas de multas na maioria das cidades brasileiras.
Apesar dos esforços técnicos da CTTU, que vem conseguindo reduções de sinistros e vítimas no trânsito, a capital desliga toda a fiscalização eletrônica da cidade à noite há 17 anos. Inclusive e, principalmente, os radares de velocidade.
E a responsável é a Justiça de Pernambuco. Desde 2006, quando, por força de decisão judicial provocada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), a cidade desligou todo e qualquer equipamento de fiscalização eletrônica de trânsito, sejam os que controlam a velocidade, como os de avanço de semáforo. Não se tem notícia de outra cidade brasileira que faça o mesmo.
Não é mais acidente de trânsito. Agora, a definição é outra nas ruas, avenidas e estradas do Brasil
Por que reduzir a velocidade limite das ruas e avenidas é fundamental? Entenda
Na época, o juiz José Marcelon Luiz e Silva, então na 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou o desligamento dos equipamentos das 22h às 5h (em 2006 eram apenas os bandeirões, chamados de lombadas). O magistrado foi favorável a uma ação civil pública do MPPE, que teve como autora a promotora Andréa Nunes.
VÍDEO mostra colisão com MC BIEL XCAMOSO:
26%
dos sinistros de trânsito registrados no Recife em 2020 aconteceram nos períodos da noite (18h à 0h) e da madrugada (0h às 6h). 35% pela manhã, 38% à tarde, 22% à noite e 4% de madrugada
60%
é a redução da frota circulante de veículos nos horários em que os registros de sinistros são maiores, o que é ainda mais alarmante. O mesmo vale para a letalidade das colisões nesses horários
O Recife tinha apenas três equipamentos (na Cabanga, na Avenida Alfredo Lisboa e na Avenida Abdias de Carvalho) e o argumento do MPPE era de que havia um aumento no número de assaltos nessas áreas. Embora os registros não existam, comprovadamente, nos pontos onde havia fiscalização eletrônica. A CTTU recorreu até onde foi possível, mas em 2012 uma apelação foi julgada pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que confirmou a sentença de 1º grau.
Até hoje, o município diz estar de mãos “atadas” sobre a questão. “À época da decisão judicial, a CTTU entrou com recurso para tentar revertê-la. Atualmente a determinação da Justiça se encontra transitada em julgado”, informou por nota a autarquia.
O mais grave é que os números da própria gestão municipal mostram o estrago que esse desligamento promove não só moralmente - porque estimula o desrespeito aos limites por condutores infratores -, mas também na prática.
Dados da autarquia que já foram base de uma reportagem da Coluna Mobilidade mostraram que o horário das 22h às 5h respondia por até 40% de todas as mortes provocadas por colisões e atropelamentos na cidade entre os anos de 2014 e 2016. Para alarmar ainda mais, é importante destacar que os registros foram feitos num período em que a frota circulante de veículos sofre uma redução de 60%.
Os dados comprovam o que estudiosos da segurança viária alardeiam há anos no País: que a fiscalização eletrônica de velocidade e de avanço de semáforos é ainda mais importante à noite porque é nesse turno quando o condutor mais acelera e ainda arrisca misturar bebida e direção.
O Primeiro Relatório Anual de Segurança Viária da capital, realizado pela CTTU e Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global, reforça o equívoco que é o desligamento da fiscalização eletrônica à noite.
Em 2020, os períodos da noite (18h à 0h) e da madrugada (0h às 6h) responderam por 26% dos sinistros de trânsito na capital. 35% pela manhã, 38% à tarde, 22% à noite e 4% de madrugada.
E que, quando observada a letalidade dos sinistros, o período da madrugada se destaca. Enquanto pela manhã o percentual de mortes foi 0.049, à tarde de 0.039 e à noite de 0.077, a madrugada foi de 0.214 no ano de 2020.
Mesmo diante desses dados, a capital segue desligando a fiscalização eletrônica à noite.
Sob a cômoda situação de que está impedida de agir pela Justiça, a CTTU argumenta que tem intensificado a fiscalização de trânsito, especialmente durante as madrugadas.
“Desde a quinta-feira (6/4), foram feitas mais de 2 mil abordagens em áreas com denúncias de rachas e excesso de velocidade. Além disso, os condutores também realizaram teste do bafômetro para coibir a alcoolemia”, diz a autarquia, destacando que as ações têm feito o Recife diminuir o índice de mortos no trânsito. Em 2021, foram 18% vítimas a menos que em 2020.