Operação da PF mostra que quando o investigado é Bolsonaro a procuradoria nem sempre vê indícios de crime

Leia a coluna Política em Brasília
Romoaldo de Souza
Publicado em 03/05/2023 às 22:19
Polícia Federal realizou Operação Venire, que teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suspeita de adulteração em seu cartão de vacina Foto: WILTON JUNIOR/Estadão Conteúdo


Quando o arquiteto Lúcio Costa (1902-1988) rabiscou os primeiros traços de Brasília ele dividiu a capital federal por setores. Comercial, bancário, autarquias, ministérios, sede dos Poderes da República. A cidade foi crescendo e hoje a Procuradoria-geral da República está no Setor de Administração Federal, Sul; o Supremo Tribunal Federal fica localizado na Praça dos Três Poderes, ao lado do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional; e, no Setor Comercial Norte, está a Polícia Federal.

Ou seja, geograficamente falando, é “cada um no seu quadrado”, como diz a música. Mas quando se trata de um processo de investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aí o “sistema” segue diferente roteiro. A Polícia Federal bate à porta do ministro Alexandre de Moraes, do STF, indicando que Bolsonaro não é flor que se cheire e que precisa de autorização para se aprofundar nas investigações. Moraes para, ler os argumentos dos investigadores e pode a opinião da Procuradoria. É “tiro e queda”, a PGR quase sempre não enxerga indícios de supostas traquinagens e recomenda o arquivamento do processo.

Dessa vez, na operação Venire, que apura denúncia contra um grupo “capitaneado pelo tenente-coronel, Mauro Cid”, não foi diferente. "Os elementos de informação incorporados aos autos não servem como indícios minimamente consistentes para vincular o ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro e a sua esposa, Michelle Bolsonaro, aos supostos fatos ilícitos descritos na representação da Polícia Federal, quer como coautores quer como partícipes" escreveu a vice-procurador-geral da República, Lindôra Araujo. Mas, ao se referir ao ex-ajudante de ordens do então presidente ela está convencida de que “Mauro Cesar Barbosa Cid teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência do ex-Presidente da República” concluiu. Já a Polícia Federal jogou luz na dúvida da sub-procuradora. "Obviamente, Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro têm plena ciência de que os dados de vacinação em nome de sua filha menor de idade são ideologicamente falsos. Ainda assim, o certificado digital de vacinação contra a Covid-19 foi emitido no dia 27/12/2022, em língua inglesa, na véspera da viagem da adolescente para os Estados Unidos da América”, aponta o relatório da PF.

De sua poltrona reclinável, olhando as águas do Lago Paranoá - construído artificialmente por orientação de Lúcio Costa para “abrandar os efeitos da baixa umidade por essas pairagens” - Alexandre de Moraes tomou partido e ficou com a Polícia Federal. “Não há qualquer indicação nos autos que conceda credibilidade à versão de que o ajudante de ordens do ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro [Mauro Cid] pudesse ter comandado relevante operação criminosa, destinada diretamente ao então mandatário e sua filha, sem, no mínimo, conhecimento e aquiescência daquele”, sentenciou. Mudanças nesse script estão sendo esperadas somente a partir de setembro deste ano, quando o titular do cargo, Augusto Aras, deixa o comando da Procuradoria-Geral da República.

CONSELHO DE ÉTICA DEVE INVESTIGAR DEPUTADO POR FRAUDE NO CERTIFICADO DE VACINA
Um dos alvos da operação Venire [“Venire contra factum proprium” ou ”vir contra seus próprios atos”], o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ) disse ontem que “não há motivos para temer” e que “as investigações devem, seguramente, provar o contrário daquilo que estão afirmando”. O parlamentar fluminense é apontando como um dos integrantes do grupo que falsificou certificados de vacina contra a covid-19. “Não há dúvida de que é caso a ser investigado pelo Conselho de Ética. Nós só vamos aguarda os desdobramentos das investigações da Polícia [Federal] para apresentarmos requerimento nesse sentido”, disse ao JC, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ). Gutemberg Reis esteve recentemente na China, quando integrou a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Presos na operação Venire
•Tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro;
•PM Max Guilherme, assessor especial e segurança do ex-presidente;
•Sérgio Cordeiro, assessor especial e segurança de Bolsonaro;
•Secretário de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha;
•Sargento do Exército Luís Marcos dos Reis, ex-integrante da equipe de Mauro Cid;
•Ailton Gonçalves Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL-RJ em 2022.

Alvos da operação
•Jair Messias Bolsonaro (PL), ex-presidente da República
•Tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens
•Gabriela Santiago Ribeiro Cid, esposa de Mauro Cid
•Gutemberg Reis de Oliveira, deputado federal pelo MDB-RJ
•Luís Marcos dos Reis, sargento do Exército, ex-integrante da equipe de Mauro Cid
•Farley Vinicius Alcântara, médico que teria envolvimento no esquema
•João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo de Duque de Caxias (RJ)
•Max Guilherme Machado de Moura, segurança de Bolsonaro
•Sergio Rocha Cordeiro, segurança de Bolsonaro
•Marcelo Costa Câmara, assessor especial de Bolsonaro
•Eduardo Crespo Alves, militar
•Marcello Moraes Siciliano, ex-vereador do RJ
•Ailton Gonçalves Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL-RJ em 2022
•Camila Paulino Alves Soares, enfermeira da prefeitura de Duque de Caxias
•Claudia Helena Acosta Rodrigues Da Silva
•Marcelo Fernandes de Holand.

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