O assassinato de Jonathas Oliveira, de 9 anos, filho do presidente de uma associação de moradores no Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco, expôs um conflito de terra que já dura anos na localidade. E é a principal linha de investigação da Polícia Civil para esclarecer o crime chocante, ocorrido na última quinta-feira (10).
Mas essa disputa não é um caso isolado, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape). Levantamento aponta que, ao todo, há forte disputa por terras em oito municípios - a maioria na região da Mata Sul.
As situações são semelhantes: famílias que vivem da agricultura, após a falência das usinas onde trabalhavam, e que agora brigam contra os responsáveis por arrendar aqueles espaços.
"No Engenho Roncadorzinho, vivem mais de 70 famílias agricultoras, cerca de 400 pessoas. Mais de 150 crianças. Após a falência da Usina Santo André, há 22 anos, essas famílias não foram indenizadas e continuaram morando no local. Sobrevivem da plantação", relatou o advogado da Fetape, Bruno Ribeiro.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), há 10 anos a Agropecuária Javari arrendou o engenho e iniciou o plantio e colheita de cana-de-açúcar. Anos mais tarde, começaram os conflitos.
"A Javari queria expandir o plantio e passou a usar agrotóxicos que contaminavam a água usada pelos trabalhadores. Há três anos, interrompeu o plantio, mas entrou na Justiça para que as famílias fossem despejadas do engenho. Na 1ª instância, a Justiça não concedeu as liminares. Em segunda instância (em outubro de 2021), os desembargadores decidiram enviar para a Vara de Conciliação, para que as partes entrassem em acordo, mas não houve ainda audiência. A morte do menino nos surpreendeu porque, no último ano, não estava havendo conflitos", explicou Ribeiro.
A coluna Ronda JC não conseguiu contato com representantes da Javari. O TJPE foi procurado para esclarecer o andamento do processo, mas não houve resposta.
"Os casos de violência contra a comunidade vêm sendo denunciados há vários meses, sem que medidas efetivas sejam tomadas por parte do Estado para solucionar a tensão e a violência no local", pontuou a Pastoral.
AS DISPUTAS
Bruno Ribeiro afirmou que os conflitos por terras em Pernambuco vêm se agravando nos últimos dois anos, justamente na pandemia da covid-19. "Já enviamos vários ofícios ao governador Paulo Câmara alertando sobre o problema."
O levantamento da Fetape aponta para disputas em seis municípios da Mata Sul: Maraial, Jaqueira, Catende, Barreiros, Tamandaré e Rio Formoso. Itambé, na Mata Norte, e Moreno, no Grande Recife, também fazem parte da lista.
O conflito no Engenho Barro Branco, em Jaqueira, é um dos que mais preocupa a CTP. No espaço onde funcionava a Usina Frei Caneca, há 19 anos desativada, vivem cerca de 1,2 mil famílias de agricultores. O engenho já foi arrendado várias vezes (área de mais de 4 mil hectares), mas os conflitos e ameaças às famílias tiveram início em 2018.
Entre 2018 e 2019, mais de dez boletins de ocorrência foram registrados na delegacia da cidade pelos moradores, mas a situação só se agravou. Intimidações de seguranças armados e destruição dos plantios passaram a ser frequentes, segundo a CPT. Em 2020, 17 episódios de violência foram documentados e encaminhados às autoridades. No ano passado, cerca de dez.
Em 22 de abril de 2021, famílias da comunidade foram surpreendidas por 14 seguranças fortemente armados, encapuzados, com spray de pimenta e cães de guarda, de acordo com relatos à CPT. O grupo chegou em motos e carros atirando para o alto e para o chão, além de apontarem armas para os agricultores. Ninguém ficou ferido.
"O clima permanece muito tenso. E o governo do Estado precisa intervir", disse Ribeiro.
AÇÕES
Procurada, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário informou que o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (Iterpe) está realizando reuniões e levantamentos topográficos nos municípios de Jaqueira, Maraial e Catende.
Sobre a situação de Jaqueira, a pasta disse que também está fazendo um diagnóstico, realizando reuniões com os posseiros e "mantendo tratativas com a prefeitura, referente a quatro assentamentos, ocupados por integrantes de quatro movimentos sociais, para discutir a concordância dos trabalhos e posterior continuidade das ações".
Disse ainda que recursos necessários foram obtidos juntoà Secretaria da Fazenda.
Já a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) informou que "vêm realizando articulações com as polícias Militar e Civil a fim de garantir a proteção da família e de todos os moradores da comunidade do Roncadorzinho".
A SJDH afirmou ainda que vem somando esforços com as demais secretarias estaduais, Ministério Público, Poder Judiciário e entidades da Sociedade Civil com a finalidade de "desenvolver uma resolução pacífica para os conflitos agrários, atuando para proteger as comunidades vulneráveis".
INVESTIGAÇÕES DE CRIME
As investigações sobre o assassinato Jonathas Oliveira serão acompanhadas também pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Nesta terça-feira (15), haverá uma reunião do promotor de Justiça do município com o delegado titular de homicídios de Palmares, Marcelo Queiroz, designado para apurar o fato. O promotor vai cobrar detalhes do que foi descoberto pela polícia desde a última quinta-feira, quando houve o homicídio.
Os pais da criança prestaram depoimento ontem à tarde na Delegacia de Barreiros. Geovane da Silva Santos, pai do menino, foi o primeiro a ser ouvido. Demorou cerca de duas horas e meia. Depois foi a vez da mãe. A ouvida durou pouco mais de uma hora. Ambos saíram ser falar com a imprensa. O delegado também não foi autorizado a dar declarações.
Presidente da associação dos agricultores de Roncadorzinho, Geovane também foi atingido por tiro no ombro depois que sete homens encapuzados invadiram a casa da família.
"Eu já estava deitado com a minha esposa quando ouvi o estrondo na porta. Quando saí do quarto já recebi o tiro. Eles passaram por mim e eu fugi para a casa do meu cunhado. Só ouvia os tiros e pensava que eles tinham matado a minha família", contou, em entrevista à TV Jornal, no último sábado.
Jonathas se escondeu com a mãe embaixo da cama. Mesmo assim, num ato de crueldade, os assassinos atiraram no menino. Outras três crianças que estavam na residência não foram atingidas.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que a Delegacia Seccional de Palmares e a Delegacia de Barreiros estão dando apoio nas investigações conduzidas pelo delegado Marcelo Queiroz.
COBRANÇA
Em carta, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife cobrou do governador Paulo Câmara empenho pessoal na solução do assassinato de Jonathas.
"A Comissão de Justiça e Paz impactada, como toda a sociedade, pela brutalidade do crime, (...) espera seu empenho pessoal na rigorosa apuração do atentado. Esse crime bárbaro , perpetrado por sete homens encapuzados e fortemente armados, que não hesitaram em atirar no menino indefeso, escondido sob a cama com sua mãe, não pode ficar impune. Apelamos ao senhor governador que disponibilize todos os meios ao alcance do Estado para solução e punição dos responsáveis", afirma trecho da carta.
Desde que ocorreu o crime, o governador Paulo Câmara não se pronunciou sobre o caso.