COLUNA RONDA JC

Há 9 anos, Pernambuco comemorava 24 horas sem homicídio. Por que isso nunca mais se repetiu?

Pernambuco registrou uma média de 10,7 assassinatos por dia ao longo dos três primeiros meses deste ano. Não só isso: os números de roubos também voltaram a crescer nos últimos meses

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Raphael Guerra

Publicado em 29/04/2022 às 7:00
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Poucos devem lembrar, mas o dia 29 de abril de 2013 foi motivo de muita comemoração no governo de Pernambuco. Pela primeira vez na história do Pacto pela Vida, programa de segurança pública criado em 2007, o Estado passou 24 horas sem o registro de homicídio.

"Esse é um fato histórico. É um presente de aniversário do Pacto (pela Vida)." Essas foram as palavras do então governador de Pernambuco, Eduardo Campos (falecido em 2014), no dia seguinte, durante uma coletiva de imprensa destinada a anunciar o resultado positivo. Campos celebrava o sucesso na redução dos assassinatos - fruto de investimento pesado, planejamento e duras cobranças por metas. O ano de 2013, inclusive, foi o de melhor resultado da história: 3.100 mortes violentas.

O marco de 24 horas sem homicídio em Pernambuco, no entanto, nunca mais se repetiu. Após nove anos, completados nesta sexta-feira (29), a sensação é de que o combate à violência está mais difícil e de que a gestão estadual atual, ao contrário da anterior, se mostra mais apática ao assunto e pouco motivada em investir em recursos e em efetivo policial para atingir melhores resultados.

Como mostrou a coluna Ronda JC, na semana passada, Pernambuco registrou uma média de 10,7 assassinatos por dia ao longo dos três primeiros meses deste ano. Não só isso: os números de roubos também voltaram a crescer nos últimos meses.

Nos períodos de aumento da violência, o governo estadual costuma culpar a crise econômica, diz que o problema da criminalidade é nacional, entre outros argumentos. É fato que tudo isso contribui de alguma forma para o avanço da violência. Mas o Estado, como fez nos primeiros anos do Pacto pela Vida, precisa tomar para si - de forma muito firme - a responsabilidade da segurança pública.

Quem não lembra da Patrulha do Bairro nas ruas do Estado? Pois é. As viaturas da Polícia Militar passaram a circular em setembro de 2012. E logo foram aprovadas pela população. Não se tratava só de um sentimento de mais segurança para quem caminhava pela rua, tinha um pequeno comércio ou simplesmente botava uma cadeira na calçada para conversar com os vizinhos. Dados da própria Secretaria de Defesa Social mostram que houve 5.574 ocorrências nos Crimes Violentos Contra o Patrimônio (que englobam os roubos e furtos) nos seis primeiros meses da Patrulha do Bairro - comparando com o mesmo período anterior.

Os anos se passaram e as viaturas sumiram das ruas. A dupla de policiais militares caminhando pelas ruas - outra ação de reforço nos primeiros anos do Pacto pela Vida - também quase não é mais vista. E não é difícil entender: há um déficit de mais de 10 mil policiais militares no Estado. O governo sabe disso, mas faz concursos públicos com pouca frequência. E assim que uma turma nova se forma - como ocorreu em janeiro deste ano -, já é para cobrir o buraco que não para de crescer.

Na Polícia Civil, responsável pelas investigações dos crimes ocorridos no Estado, a situação não é diferente. Faltam policiais para dar conta de tantos inquéritos. E as delegacias, em sua maioria, seguem fechadas à noite e nos fins de semana - apesar dos antigos apelos da população. Registrar um boletim de ocorrência em uma unidade policial é quase um jogo de sorte. Quando o cidadão encontra a delegacia aberta, ainda pode ser surpreendido com a falta de papel, tinta de impressora ou até de internet.

Para citar um exemplo, o Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE) encaminhou, ontem, ofício à chefia da Polícia Civil informando que a Delegacia Seccional de Paulista, no Grande Recife, não vem recebendo o básico para funcionar: material de limpeza, papel higiênico e álcool.

Diante de tantas dificuldades que o policial enfrenta, não à toa a taxa de resolução dos crimes de roubos e furtos no Estado é inferior a 5%. Dos 5.428 assassinatos registrados em 2017, ano em que houve recorde histórico de assassinatos em Pernambuco, a polícia até hoje só conseguiu solucionar 36,2%. Vitória da impunidade.

Voltando ao marco de 24 horas sem homicídio - que nos últimos nove anos não se repetiu uma única vez - é preciso destacar a falta de investimentos em prevenção à violência. Especialistas em segurança pública sempre foram unânimes em pontuar que não basta investir em repressão. É necessário que o Estado crie programas para se aproximar mais das comunidades. Tirar os adolescentes e jovens da situação de vulnerabilidade. Abrir oportunidades. Mas muito pouco foi feito.

Somente na segunda gestão do governo Paulo Câmara, foi criada uma secretaria destinada às políticas de prevenção à violência. Ainda assim, mais de três anos depois, são poucas as ações práticas. A pasta gastou muito tempo em pesquisas, estudos, análises, e não lançou um programa forte, eficaz, para afastar os jovens da criminalidade. Vale lembrar: metade das vítimas de homicídios, no ano passado, tinha entre 18 e 30 anos.

"Falta criatividade do governo estadual", ouvi certa vez de um gestor que entende de segurança pública e, principalmente, de ações de prevenção à violência.

Fato é que o governo do Estado precisa assumir que há necessidade de reformular o Pacto pela Vida. Não fez isso em 2017, na maior crise que o programa já teve, e continua sem indicar que haverá mudanças. Portanto, um cenário bastante preocupante.

 

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