Dois meses após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinar que 70% dos presos sejam retirados do Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, devido à superlotação, somente 10% da meta foi cumprida. O prazo dado pelo CNJ foi de até oito meses.
No final de agosto, quando a então corregedora Nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, e membros do Conselho visitaram os três presídios do Complexo do Curado, havia 6.508 detentos - no espaço que só caberia até 1.819. Atualmente, segundo a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), o número de presos foi reduzido para pouco mais de 5,7 mil - graças a mutirões para análise de processos e aplicações de medidas como a concessão de liberdade provisória com uso de tornozeleira eletrônica.
A visita da comitiva às unidades prisionais foi considerada estarrecedora, por causa das condições desumanas em que vivem os presos e pelo estado de favelização.
No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, por exemplo, há sérios problemas estruturais e falta de higiene por toda a parte. Sem quartos, detentos improvisaram buracos para dormir. Para ter acesso, eles precisam até rastejar. Em outros ambientes, pessoas são forçadas a dormir no chão por falta de celas, abrigadas da chuva por pedaços de lona.
Na segunda-feira, uma reunião na presidência do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) discutiu as ações realizadas para redução do número de presos e melhorias nas unidades. O desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, presidente do TJPE, comandou o encontro do gabinete de crise. Estiveram presentes membros do Ministério Público, Defensoria Pública e do governo do Estado.
Em nota, a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos afirmou que, além de ter reduzido em 10% o número de detentos, foi aprovado o projeto de lei complementar 3.673/2022, que prevê o aumento de dois para quatro mil policiais penais (antigos agentes penitenciários). Também pontuou que houve a posse de 28 defensores públicos, que serão designados para trabalhar em cada uma das unidades do Complexo.
O aumento na quantidade de policiais penais é uma cobrança histórica da categoria. O déficit nas unidades prisionais de Pernambuco é muito alto e, por causa disso, detentos continuam ditando regras e comandando pavilhões em vários presídios.
Na decisão que determinou a redução de detentos no Complexo do Curado, inclusive, Maria Thereza de Assis Moura destacou que há um "mercado paralelo" nos três presídios. "A falta de água potável e de alimentação adequada e em quantidade suficiente enseja a ostensiva comercialização, por parte das próprias pessoas presas, de insumos de sobrevivência básica, vendidos em 'cantinas', com preços abusivos."
"Também foi identificada a falta de kits de higiene e vestuário para as pessoas presas, o que reforça o mercado paralelo de comercialização nas unidades a facilitar situações de sujeição, corrupção e violência", completou.
Para atingir a meta determinada pelo CNJ, o TJPE informou, em nota, que "reforçou o número de servidores nas Varas Criminais com o objetivo de dar maior celeridade ao trâmite processual".
Levantamento do CNJ, em agosto, apontou que 56% dos presos do Complexo do Curado ainda não haviam sido julgados (mais de 3,6 mil).
O Tribunal disse que "vem realizando mutirões com o propósito de maior agilidade aos julgamentos. Além disso, o TJPE começou a utilizar uma ferramenta eletrônica chamada Expedito, que, realizando tarefas repetitivas na área penal, permitirá que mais servidores se ocupem do trâmite processual".
O governo do Estado pontuou que está em andamento o processo de construção do Presídio de Araçoiaba e as obras do Presídio de Itaquitinga (unidade 2). No total, podem chegar a pouco mais de 4 mil novas vagas.
Atualmente, segundo a Seres, há 2.054 detentos no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, 1.944 no Presídio Frei Damião de Bozzano e 1.779 no Presídio Marcelo Francisco de Araújo.
Hoje, uma nova reunião será realizada na presidência do TJPE para consolidação dos dados e elaboração de um documento com o trabalho que vem sendo realizado pelos órgãos envolvidos. O relatório será entregue, no dia 11 de novembro, para os membros do CNJ que voltarão a Pernambuco para acompanhar se as medidas determinadas estão sendo aplicadas no Curado.
A situação desumana no Complexo do Curado é antiga e sempre foi de conhecimento de todas as autoridades. Tanto que, em 2011, a integrante do Conselho da Comunidade da 3ª Vara de Execuções Penais da Capital e coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma de Melo, precisou denunciar o Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Naquele ano, quando foi editada a primeira medida cautelar, a população carcerária se aproximava de 5 mil pessoas. Uma década depois, apesar de a Corte ter proibido a entrada de novas pessoas, o número de detentos no Complexo continuou a crescer, sem melhorias da estrutura. O País foi condenado pela Corte IDH e, por isso, o CNJ foi obrigado a fiscalizar e cobrar com rigor melhorias nas condições de sobrevivência dos presos.