Nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite, o infectologista Vicente Vaz, professor da Universidade de Pernambuco, avalia as medidas das autoridades sanitárias e relata que nunca vivenciou uma pandemia como a do coronavírus.
JC – Como o senhor avalia as ações anunciadas pelas autoridades sanitárias no combate ao novo coronavírus?
VICENTE VAZ – Na minha opinião, as medidas que estão sendo tomadas têm como objetivo retardar a velocidade com que a epidemia se dissemina. Quanto mais rápido isso acontecer, melhor. Afinal, a doença causada pelo novo coronavírus tem alta transmissibilidade e realmente vai se alastrar. Mas podemos fazer com que isso seja de forma mais tardia. Ao meu ver, o Ministério da Saúde tem todo o mérito neste trabalho, pois a pasta tem ouvido muito o que os técnicos têm a dizer sobre o problema e a experiência deles com outros planos de contingência.
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JC – Acredita que é difícil bloquear o aparecimento da transmissão comunitária (quando não é identificada a origem da contaminação) aqui no Estado?
VICENTE VAZ – Sem dúvidas, ela chegará. É uma questão de tempo. O tempo de incubação do novo coronavírus parece não ser apenas de 14 dias. Isso precisa ser melhor esclarecido. Para outras doenças, como a leptospirose, esse período pode ser de até 21 dias. A influenza também tem um comportamento distinto: esse tempo é, em média, de sete dias, mas o vírus pode começar a ser transmitido 24 horas antes dos sintomas se manifestarem. Em relação ao novo coronavírus, ainda não conhecemos muito bem (sobre essa incubação), embora já se saiba que se trata de um agente extremamente transmissível. É muita gente doente.
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JC – Muito se fala que os idosos são o principal grupo de risco para a doença? O que recomendaria para a população dessa faixa etária?
VICENTE VAZ – Os idosos devem ficar em casa neste momento e precisam evitar aglomerações, como shopping centers e academias. Se quiserem praticar atividade física, recomendo ir a um parque ou a outros locais abertos.
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JC – Sabemos que o senhor já acompanhou várias outras epidemias ao longo da carreira, enquanto médico infectologista. Ao que se compara esta pandemia do novo coronavírus?
VICENTE VAZ – Tenho mais de 30 anos na profissão médica e digo com clareza que o mundo nunca viveu algo tão parecido com esta situação atual. Na realidade, acredito que a última epidemia padrão foi a gripe espanhola, de 1918 (pandemia do vírus influenza que se espalhou por quase toda parte do mundo. Foi causada por uma virulência incomum e frequentemente mortal de uma estirpe do vírus influenza A do subtipo H1N1). A gripe espanhola foi responsável pela morte de 50 milhões a 100 milhões de pessoas mundialmente. É um número muito expressivo. Mas eu, ao longo da minha atividade como médico, nunca vi algo igual à pandemia do novo coronavírus. E já passei pelas epidemias de cólera, dengue, influenza e HIV/aids. Nunca assisti a essa precaução toda que vemos hoje para a população se manter isolada, por exemplo. Friso, inclusive, que medidas como essa podem parecer, à primeira vista, exageradas, mas tendem a fazer sentido. Basta pensarmos que esta atual pandemia tem sido mais impactante em sua forma aguda. E veja: isto tem apenas três meses. É algo inédito. Friso também que estamos no momento ideal para que essas ações (de contingência) sejam tomadas. O contrário, que seria o retardo nessas decisões, poderá ser desastroso.
JC – Será que esta pandemia está mais presente na nossa vida porque as informações têm circulado de forma muito mais rápida, em comparação com as mensagens que eram divulgadas em outras epidemias?
VICENTE VAZ - Certamente. Mas outra coisa importante é que o mundo ficou bastante pequeno. As pessoas se transportam com mais facilidade, e isso provavelmente contribuiu para a disseminação dos casos do novo coronavírus.