Com uma taxa de ocupação dos leitos públicos de unidades de terapia intensiva (UTI) sempre maior do que 90% nos últimos dias, Pernambuco sente que, cada vez mais intensa, a pressão que a covid-19 joga na assistência hospitalar. Nesta sexta-feira (17), a ocupação dos leitos de UTI está em 95%, segundo informou o secretário Estadual de Saúde, André Longo, em coletiva de imprensa online. Ao longo desta semana, diariamente, o gestor falou sobre a possibilidade de a rede entrar em colapso, devido ao avançar da curva epidêmica do novo coronavírus. Esse risco tem levado a gestão estadual a monitorar, através de sistema especializado, a ociosidade de leitos na rede privada. "Não vamos hesitar eventualmente (de fazer requisição dessas vagas), até porque a legislação permite e, assim, poderá ser necessária a solicitação de leitos na rede privada para a população que precise", disse Longo.
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Há ainda um movimento, da sociedade civil, que defende a lista única para acesso a leitos de UTI, públicos e privados, para pacientes com covid-19, seguindo o modelo do programa brasileiro de transplantes de órgãos e tecidos.
A mobilização tem como missão permitir que os leitos hospitalares, do Sistema Único de Saúde (SUS) ou de unidades privadas, estejam disponíveis para toda a população de forma igualitária durante a pandemia. A proposta é da campanha Vidas Iguais, lançada na quinta-feira (16), uma iniciativa da Rede Solidária em Defesa da Vida, coletivo que reúne professores e profissionais da Universidades de Pernambuco (UPE), Federal de Pernambuco (UFPE), Católica de Pernambuco (Unicap) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A ideia é que, por meio da intervenção dos governos estadual e federal, todos as vagas, de enfermaria ou UTI, sejam colocadas à disposição da Central de Regulação de Leitos, permitindo o acesso a qualquer pessoa que necessitar.
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"A gente começou a ver alguns países onde ações semelhantes aconteceram, como a Espanha, e criamos a campanha. Não é uma iniciativa inédita no mundo e, no Brasil, há outros Estados com atividades parecidas, com outros nomes. Intitulamos Vidas Iguais no sentido de fazer com que o SUS articule e coordene essa resposta rápida de disponibilizar todos os leitos hospitalares", explica a médica sanitarista Bernadete Perez, integrante do coletivo e professora de Medicina Social da UFPE. A proposta da campanha é de que se adote com os pacientes da covid-19 o mesmo modelo do transplante de órgãos, que tem lista única para recepção dos órgãos doados.
A campanha nasceu para acabar com a desigualdade existente entre setores público e o privado. "Vários estudos mostram que, para cada leito de terapia intensiva no SUS, existem quatro disponíveis para os planos de saúde. É desigual o acesso", relata Bernadete Perez. A professora da UFPE argumenta que a campanha se baseia em três pontos: no artigo 5º, XXV da Constituição Federal de 1988, que diz: "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano".
Os outros dois pontos são a Portaria nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e a lei 8.080/1990, conhecida como a Lei Orgânica da Saúde. "A portaria 13.979 institui as medidas para enfrentamento de emergência de saúde pública de importância internacional e a lei 8.080, a lei orgânica, que fala que a saúde é direito de todos, garantindo que o bem público tem que usar toda a estrutura instalada e existente", acrescenta Bernadete.
Em entrevista coletiva nesta semana, André Longo externou a preocupação com aceleração da curva epidêmica e com a ocupação dos leitos. “Os hospitais particulares têm uma oferta ajustada (de vagas em UTI e isolamento). Temos acompanhado (a demanda), até porque nos interessa em algum momento utilizar aquilo que for a ociosidade dos privados para eventualmente atender doentes do Sistema Único de Saúde”, disse o secretário.
Ele acrescentou que a legislação permite, quando necessário, o Estado fazer requisição desses leitos. “Claro que isso tem sido feito através de um diálogo franco e respeitoso entre a nossa secretaria, as maiores redes hospitalares e os planos de saúde. Todos estão colaborando com o combate à covid-19.”
A Rede Solidária em Defesa da Vida foi um coletivo criado com o objetivo de colaborar com o poder público no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Para isso, o grupo já elaborou três documentos e realizou reuniões com a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) e com a Secretaria de Saúde do Recife (Sesau).
O primeiro documento assinado pela Rede falava das medidas de enfrentamento geral da covid-19. Já o segundo foi uma carta aos prefeitos, enquanto o terceiro trata da população em situação de rua. Bernadete comenta que as pessoas que fazem parte da Rede Solidária estão articuladas com outras entidades que têm propostas parecidas.
"Lançamos a campanha como uma medida de trazer a sociedade, trazer a entidades para discussão. O que estamos fazendo não tem intenção jurídica, mas sim, de sensibilizar, de chamar atenção e trazer as autoridades para pensar no assunto", diz Bernadete Perez. "A vida de todo mundo é importante. A importância não se mede pela capacidade financeira, nem pelo status social. As vidas têm igualmente o mesmo valor. Não há diferença de raça, local onde mora. A utilização do SUS é universal", acrescenta.