O final do século XVIII foi marcado, para a ciência, como o marco inicial do que viria a ser uma das mais importantes medidas de prevenção contra doenças em todo o mundo. Tudo começou quando o inglês Edward Jenner introduziu, em um garoto de oito anos, o vírus da varíola em uma versão de menor impacto em seres humanos e descobriu a propriedade de imunização contida no procedimento. Assim, derivada de “Variolae vaccinae”, nome científico da doença, foi criada a palavra vacina. Neste sábado (17), comemora-se o Dia Nacional da Vacinação, em alusão ao imunizante que, hoje, é utilizado e distribuído gratuitamente em todo o Brasil, mas agora enfrenta um novo inimigo: a desinformação.
Segundo dados do Ministério da Saúde, observa-se nos últimos anos que as coberturas vacinais vêm apresentando redução. Em 2016, a BCG (Bacilo de Calmette-Guérin), que protege recém-nascidos contra a tuberculose, foi procurada por 95,55% dos responsáveis por bebês de até um ano de idade no Brasil, mas, em 2019, o percentual baixou para 85,1%. Já a pentavalente - que previne difteria, tétano, coqueluche, meningite por Haemophilus tipo B e poliomielite em crianças de até 7 anos -, teve a cobertura reduzida de 89,27% para 69,64% no mesmo período. (Confira gráfico abaixo para mais informações).
A vacina é uma preparação biológica que induz imunidade a vírus e bactérias causadores de algumas doenças, de uma maneira que o vacinado não adoece. “Agem simulando uma infecção, estimulando as nossas células e linfócitos a produzirem anticorpos. Então, o vírus é enfraquecido e, quando ela é administrada no organismo, faz com que se desenvolva uma resposta imunológica”, explica o pediatra e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia Eduardo Fonseca Lima.
As dosagens são garantidas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973, que, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), todos os anos, distribui mais de 300 milhões de doses de imunobiológicos aos estados brasileiros. Em nota ao JC, o Ministério da Saúde associa a queda da imunização à “falsa sensação de segurança causada pela diminuição ou ausência de doenças imunopreveníveis”, ao “desconhecimento da importância da vacinação por parte da população mais jovem” e às “falsas notícias veiculadas, especialmente nas redes sociais, sobre supostos malefícios que as vacinas podem provocar à saúde”.
Fonseca Lima endossa a explicação. “Tínhamos uma cobertura muito boa, mas, de 2015 para cá, temos observado uma queda para todas as vacinas e em todos os estados, o que é algo que preocupa a gente. A cobertura vacinal deve ser acima de 95%, mas, em 2019, praticamente nenhuma atingiu essa porcentagem”, diz. “Há uma perda de confiança progressivamente. As vacinas são vítimas do seu próprio sucesso, o desaparecimento de casos de sarampo, de pólio, de coqueluche, [etc,] em pessoas próximas passa a falsa impressão de que essas doenças estão controladas, desaparecidas”, disse.
O movimento “antivacina", que desacredita em sua eficácia, preocupa a Organização Mundial de Saúde (OMS) que, em 2019, incluiu o problema em relatório sobre os dez maiores riscos à saúde global. Para a entidade, maior autoridade de saúde no mundo, esta é uma das formas mais custo-efetivas para evitar doenças. Atualmente, estima-se que são prevenidas pelas vacinas cerca de 2 a 3 milhões de mortes por ano. Por outro lado, de acordo com a OMS, outras 1,5 milhão de mortes poderiam ser evitadas se a cobertura global tivesse maior alcance. O problema, no entanto, é uma ramificação de um ainda maior: a incredulidade na ciência, citada como um dos 13 maiores desafios da OMS para a década.
No ranking de 144 países, o Brasil ocupa apenas a 111ª posição entre os que mais confiam na ciência, segundo a pesquisa Wellcome Global Monitor 2018, feita pelo Instituto Gallup e divulgada no primeiro semestre de 2019, que entrevistou 140 mil pessoas, sendo mil brasileiros com mais de 15 anos. Para 35% dos brasileiros, a ciência não merece confiança, e 1 em cada 4 pessoas acha que a produção científica não contribui para o País. A nível mundial, oito em cada dez pessoas (79%) acreditam "um pouco" ou "concordam totalmente" que as vacinas são seguras, enquanto 7% confiam "um pouco" ou "discordam totalmente" na comunidade científica. Outros 11% ‘não concordam nem discordam’ e 3% disseram que “não sabem”.
“Temos vivido essa fase de desvalorização da ciência em todo o mundo, a pandemia de coronavírus escancarou essa realidade, pois há a tomada de decisão não baseada em ciência por parte dos gestores públicos. O líder com a opinião dele toma decisões, mas a ciência não é baseada em opinião, e sim em fatos. Estamos vivendo muita essa questão das 'fake news' com um viés político e também a polarização política”, afirma o virologista e pesquisador da Fiocruz Pernambuco Lindomar Pena. O especialista defende que “todas as vacinas que estão aprovadas para uso são seguras”, apesar de “algumas terem efeitos colaterais, como qualquer medicamento, mas são raros, leves e não impedem o uso”.
A pesquisa Wellcome Global Monitor 2018 revelou, ainda, que a maioria das pessoas confiam nos especialistas, mas desejam saber mais sobre ciência, e que metade da população mundial diz saber pouco ou nada sobre ciência. Além disso, uma em cada cinco pessoas se sentem excluídas dos seus benefícios. No Brasil, 23% dos entrevistados se demonstraram céticos em relação ao trabalho dos cientistas.
Não é a primeira vez na história que a desconfiança em torno da ciência impede a imunização coletiva. No início do século XX, o então presidente da República Rodrigues Alves decidiu fazer uma série de reformas no Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, que sofria de diversos problemas de saúde pública. Assim, foi determinada obrigatória a vacinação contra a varíola, dando início a campanhas de saneamento lideradas pelo médico Oswaldo Cruz. A população, desinformada acerca dos benefícios do medicamento e indignada pelas mudanças na cidade, deu início à Revolta da Vacina, um motim ocorrido entre 10 e 16 de novembro, que acabou quando foi decretado o estado de sítio e suspensão da obrigatoriedade. O saldo foi de 945 pessoas presas, 30 mortos, 110 feridos e 461 deportados para o estado do Acre.
A imunização compulsória no Brasil já consta na legislação desde 1975, como dever previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porém, voltou ao debate neste ano, por causa da pandemia do novo coronavírus. No dia 31 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou a uma apoiadora: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, fala reforçada no dia seguinte pelas redes sociais da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom). Entretanto, a Lei 13.979, sancionada em 6 de fevereiro de 2020 pelo chefe do executivo, determina a realização a vacinação obrigatória e outras medidas profiláticas. A regra diz respeito especificamente "para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus."
Para o médico Eduardo Fonseca, a vacinação compulsória é um assunto “interessante e polêmico”. “Precisamos educar e convencer as pessoas dos benefícios das vacinas. É importante desfazer links entre vacinação e eventos adversos que, normalmente, são associados pelas fakes news, sem substrato acadêmico. Temos que estar preparados para enfrentar esse sentimento de que as doenças desapareceram, devemos explicar que só desapareceram porque as vacinas permitiram isso e que, se abrirmos guarda, elas retornarão. Essas famílias que têm receio das vacinas precisam ser ouvidas, os profissionais de saúde precisam estar preparados para responder dúvidas em relação à segurança das vacinas”, expõe
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A vacinação em massa foi responsável pela erradicação da varíola e da poliomielite, além da redução dos casos e mortes derivadas do sarampo, da rubéola, do tétano, da difteria e da coqueluche. Porém, em 2019, a OMS divulgou que o sarampo registrou um aumento de 30% nos casos em todo o mundo. A redução da cobertura vacinal, relacionada ao aumento de infecções, preocupa especialistas. “Temos o receio que a paralisia infantil e o sarampo voltem, mas, embora seja possível, a pandemia serviu para alertar às pessoas sobre o valor da ciência, porque viram que eram os cientistas que estavam fornecendo as informações corretas de como melhor lidar com a pandemia e mitigar os danos. Em 2020, as pessoas ficaram mais atentas à ciência, [perceberam] que os políticos não conseguem resolver os problemas sanitários e que as decisões de um ministro da saúde devem ser embasadas pelos estudos científicos", completa Lindomar Pena.
Em Pernambuco, as doses de imunobiológicos aplicadas aumentaram entre 2018 e 2019, de 7.247.995 para 7.606.751, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE). Em 2019, a cobertura vacinal variou entre 74,77% e 89,80% nas Regionais de Saúde I, II, V, IX e XII, quando a meta mínima para BCG e Rotavírus é de 90%, e das outras sete medicações de 95%.
A economista Fabiana Pereira, 43 anos, do Recife, faz parte da maior parcela de pessoas que acreditam na medida preventiva. Mãe de duas meninas, Lívia, 7, e Lorena, de um mês, ela se orgulha do cartão sempre atualizado das filhas, e revela que nunca precisou pagar por uma vacina, todas foram aplicadas através do SUS. “Sei da importância da vacina, não só para a criança mas também para a sociedade, porque protege de doenças que podemos transmitir”, alega. A consciência foi transmitida para a primogênita, que até pede para tomar o imunizante. “Ela gosta de tomar vacina, desde bebê ela nunca chorou e hoje ela pede para tomar, quando a irmã vai, ela quer ir junto”, conta. Ela afirmou, também que está “aguardando pela vacina contra o coronavírus. “Quando surgir e for possível [tomar] eu com certeza vou e vou levá-las.”
Neste sábado (17), é realizado o “Dia D” da campanha de vacinação no Recife. Assim, mais de 140 unidades de saúde estão abertas das 8h às 17h para vacinar crianças de 1 ano a menores de 5 anos contra poliomielite. Também será possível atualizar a caderneta de vacinas de crianças e adolescentes menores de 15 anos, além de imunizar pessoas de 20 a 49 contra o sarampo. A lista das salas de vacinação está disponível no site da Prefeitura do Recife.
A Secretaria de Saúde do Recife informou que recebeu mais de 80 mil doses da vacina de pólio, enviadas pelo Ministério da Saúde. O objetivo é imunizar as crianças, público-alvo da Campanha Nacional de Vacinação Contra Poliomielite, que começou no último dia 5 e segue até o próximo dia 30. A meta é vacinar pelo menos 95% das mais de 80 mil crianças de 1 ano a menores de 5 anos da capital, mesmo que elas já tenham tomado a vacina anteriormente. Até o momento, cerca de três mil já receberam a vacina. O esquema de vacinação da pólio é composto por três doses da vacina injetável aos 2, 4 e 6 meses de idade, além de reforço com a vacina oral aos 15 meses e aos 4 anos de idade.
“Embora estejamos há 30 anos sem registros de casos de poliomielite no Brasil, não podemos descuidar. A doença é muito grave e a vacina é a melhor forma de prevenção. Reforçamos que as unidades de saúde do Recife estão seguindo todas as recomendações de higiene e segurança contra a covid-19, então os pais não precisam ficar receosos e devem levar as suas crianças”, explica o secretário de Saúde do Recife, Jailson Correia.
Crianças e adolescentes menores de 15 anos também devem comparecer as unidades de saúde para atualizar a caderneta de vacinas. No início do mês, a Secretaria de Saúde iniciou a Campanha Nacional de Multivacinação para Atualização da Caderneta de Vacina, que oferece 17 imunizantes do calendário vacinal, como BCG, meningocócica, febre amarela, HPV, pentavalente, rotavírus, pneumocócica, varicela, hepatites A e B, DTP e outras.
A orientação da prefeitura é que os pais ou responsáveis levem o cartão de vacina para que os profissionais do Programa de Imunização (PNI) do Recife avaliem a necessidade de cada um, de acordo com a idade e as doses já tomadas.
Pessoas de 20 a 49 anos, mesmo que já tenham tomado a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola anteriormente, também devem procurar as unidades de saúde neste sábado para receber a tríplice viral. Também podem se vacinar as crianças e jovens de 5 a 19 anos que nunca tomaram a tríplice viral ou não tenham comprovação de ter completado o esquema vacinal recomendado, seja na infância ou em outro momento da vida. Quem está com as doses em dia, já teve sarampo ou tem mais de 50 anos não precisa se preocupar. Neste ano, a Campanha Nacional de Vacinação Contra o Sarampo foi prorrogada e seguirá até o dia 31 de outubro.
(Fonte: Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco)
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