Conversei com o médico pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lima sobre o impacto da circulação da ômicron na faixa etária pediátrica e como isso pode impactar no retorno às aulas, que ocorre em fevereiro. Além disso, falamos sobre a importância do esquema vacinal completo para reduzir o adoecimento provocado pela variante, que deve ter o seu pico em duas semanas. "Tenho comentado sobre as ações da 'vacina plus': a imunização precisa de um apoio extra, que tem que vir da comunidade, com o respeito às medidas de proteção", diz Eduardo Jorge, que é representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) no Comitê Técnico Estadual para Acompanhamento da Vacinação contra a Covid-19.
JC — A predominância da variante ômicron, em Pernambuco, traz uma preocupação adicional com o público infantil, ainda não vacinado em maioria?
EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA — Em relação à ômicron, quando comparamos a circulação dessa variante com a de outras nos demais países (onde essa linhagem foi primeiramente identificada), percebemos que há um certo incremento no número de internamentos na faixa etária pediátrica. Ainda assim, é um número relativamente pequeno. Como a gente está, em Pernambuco, num momento de curva ascendente e que ainda vai subir, é importante as pessoas estarem cientes de que os cuidados devem ser redobrados, com uso de máscara adequada, longe de aglomerações e utilização de álcool gel. A pandemia não dá trégua. Em duas ou três semanas em Pernambuco, estaremos vivendo o auge no número de casos novos da ômicron. Mas esse cenário é desassociado da curva de internamentos e óbito, pois as vacinas permitiram que isso acontecesse. É importante vacinar, quem ainda não está imunizado (e elegível para isso), o mais rápido possível. É o que tenho comentado sobre as ações da "vacina plus" (conceito usado para se referir à aplicação da vacina, e incorporação de medidas preventivas), que também inclui a testagem, inclusive de contactantes assintomáticos. E por que isso é tão importante? Porque a gente consegue isolar. Essa medida de testagem, em número expressivo, associada ao uso de máscara adequada, consegue reduzir em 30% os casos de srag (sigla para síndrome respiratória aguda grave, que representa o quadro severo da infecção pelo coronavírus). Isso é um percentual muito relevante. Então, a vacina precisa desse apoio extra, que tem que vir da comunidade, com o respeito às medidas de proteção.
JC — E como está o impacto da influenza H3N2 entre crianças?
EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA — A srag pelo vírus influenza tradicionalmente acomete bastante as crianças menores de 5 anos, e isso repercutiu muito nas primeiras semanas deste mês de janeiro. As emergências pediátricas ficaram cheias, e houve dificuldade para se conseguir um leito de UTI (terapia intensiva) para crianças com srag. E ressaltamos mais uma vez que a influenza afeta, de forma mais expressiva, dois grupos etários: os menores de 2 anos e os maiores de 60 anos, diferentemente da covid-19, cujo comportamento no adulto e nos idosos é mais relevante do que nas crianças. Então, este mês houve um aumento de demanda importante nas emergências pediátricas, e chegou dia de o Hospital Barão de Lucena (na Iputinga, Zona Oeste do Recife, é referência no atendimento do público infantil) ter oito pacientes à espera de leito para ser transferido. Isso, atualmente, não tem mais ocorrido: percebemos uma certa desaceleração da influenza, com H3N2 sendo reduzido.
JC — Mas, por outro lado, a curva ascendente da ômicron faz estimar que o apogeu de infecções por essa variante coincida justamente com o início das aulas das crianças. Até que ponto devemos nos preocupar?
EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA — Precisamos separar estes dois pontos: o pico da ômicron vai acontecer, e a volta às aulas também deve ocorrer. Sim, devemos ter todo um cuidado em relação a esse retorno. Estamos com a expectativa da distribuição da CoronaVac (Anvisa aprovou, dia 20, essa vacina para o grupo de 6 a 17 anos) e de conseguir vacinar de forma rápida esse público com, pelo menos, a primeira dose antes desse retorno às aulas. As consequências do ensino híbrido ou do ensino somente online foram tão significativas para a saúde mental e nutricional das crianças, assim como para a segurança das menos favorecidas, que a gente acredita que as crianças deverão voltar às aulas presenciais, mesmo que estejamos numa situação epidemiológica ainda pouco confortável. Mas como estamos em 20 de janeiro (data em que esta entrevista foi realizada), acredito que, em mais duas semanas, será o apogeu da ômicron. E esse pico vai encontrar, em Pernambuco, uma população com índice de vacinação superior a 70% com duas doses. Então, talvez, não tenhamos um número absurdo de casos. Mas vamos nos preparar! A Secretaria Estadual de Saúde tomou todas as medidas para esse possível aumento expressivo no volume de infecções. Contudo, pessoalmente acredito que não teremos um incremento como nos outros países.
JC — Então, como orientar as famílias e a comunidade escolar para esse retorno às aulas ocorrer da forma mais segura possível?
EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA — A volta às aulas precisa acontecer com todas as medidas de segurança que conhecemos: os professores precisam usar máscaras PFF2 ou N95; isso é essencial. Os alunos devem optar pela melhor máscara possível, de acordo com sua faixa etária. As salas devem ser arejadas; essa é uma condição que faz diferença. Comprovou-se que onde tem janela e circulação de ar, a transmissão do coronavírus é bem menor. É assim que o retorno à escola pode acontecer.